UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO – CAMPUS I PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS, MESTRADO PROFISSIONAL -MPEJA MARIA EDNA PEDRO DA SILVA EJA E EDUCAÇÃO PROFISSIONAL EM CÁCERES-MT: DESAFIOS, OPORTUNIDADES E PERSPECTIVAS SALVADOR-BA 2018 MARIA EDNA PEDRO DA SILVA EJA E EDUCAÇÃO PROFISSIONAL EM CÁCERES-MT: DESAFIOS, OPORTUNIDADES E PERSPECTIVAS Dissertação apresentada ao Programa de Pós- Graduação em Educação de Jovens e Adultos -EJA, Departamento de Educação-Campus I, Universidade do Estado da Bahia, como requisito para a obtenção do Título de Mestre. Orientadora: Profa. Dra. Érica Valéria Alves SALVADOR-BA 2018 FICHA CATALOGRÁFICA – Biblioteca Central da UNEB Produzida pela Biblioteca Edivaldo Machado Boaventura Silva, Maria Edna Pedro da. EJA e Educação Profissional em Cáceres-MT: Desafios, Oportunidades e Perspectivas: / Maria Edna Pedro da Silva. Salvador, 2018. 157 fls : il:. Orientador: Profa. Dra. Érica Valéria Alves Coorientador: Profa. Dra. Maria Sacramento Aquino. Dissertação (Mestrado) – Universidade do Estado da Bahia. Departamento de Educação. Campus I. Programa de Pós-Graduação em Educação de Jovens e Adultos -MPEJA, 2018 1. Análise Socioeducacional. 2. Educação de Jovens e Adultos. 3. Intervenção. 4. Trabalho. I. Alves, Profa. Dra. Érica Valéria II. Universidade do Estado da Bahia. Departamento de Educação. Campus I. CDD: 370 AGRADECIMENTOS Esse processo de construção coletiva do estudo, no encontro esperançoso com cada pessoa participante dessa trajetória do mestrado, deixa marcado em mim o sentimento de gratidão. Primeiro agradeço a Deus, que é pai e mãe, e sempre esteve ao meu lado, reerguendome após muitos momentos de desânimo, renovando a minha fé e fazendo-me reencontrar os ensinamentos fundantes de minha infância/adolescência, a partir dos quais creio ser preciso enxergarmos no rosto das oprimidas e dos oprimidos a face de Cristo e buscarmos, no movimento da vida, o caminho para a libertação. Fé e esperança renovadas, por meio da intercessão amorosa de Nossa Senhora, Santa Maria Santíssima, a quem também louvo e agradeço. Gratidão ao meu amado pai Epitácio Pedro, que já se encontra na eternidade, pelos ensinamentos sobre dignidade e respeito às pessoas, sobre resistir, sobre saber quem somos. Na saudade que nunca acaba, o seu exemplo de vida e sabedoria nos alimenta. Gratidão à minha mãe, Adiles Ribeiro, por todas as dimensões do meu existir. O que vem da senhora é luz, é fortaleza, é amor. Cada linha desse estudo, cada palavra escrita, cada sílaba, cada letra tem a sua marca e os seus ensinamentos. Mãe, a minha maior inspiração. Às minhas irmãs e meus irmãos, Edmilson, Maria, Epitácio (Tacinho), Cristina, Zé Pedro, Evandro, Evandra, Eraldo, Antonio Pedro, Sara e Epaminondas, o meu amor sempre. Agradeço pelo apoio, pela acolhida, pelo afeto, por caminharem juntas e juntos comigo. Às nossas gerações futuras, amadas sobrinhas e amados sobrinhos, Epitácio Neto, Eduarda, Maria Clara, Renan, Renato, Maria Eunice, Miguel, Marília Gabriela, Pedro Junior, Adiles e Lucas Gabriel, gratidão por renovarem a minha vida e o meu sonho por um mundo mais justo. Em nome do Tio Renato, Tia Beatriz, Tia Lina, Tia Amélia, Comadre Vaneide, Meire, Joelma, Rudiard e Zé Bila, gratidão a todos os membros da família, que partilham a vida conosco. Às amigas e aos amigos que, de modo especial nessa caminhada, me acompanharam e me ampararam. A minha gratidão eterna. O amor de vocês me faz seguir. Aqui registro algumas dessas pessoas que dão mais sentido à minha vida. Às minhas irmãs de coração Íris Viana, Edileia Leite, Valdice Souza, Cláudia Pinho, Graciele Meira, Grasiely Souza, Dlaila Borges, Kleyder Pains e Ana Paula Silva, e aos meus amigos-irmãos Lázaro Alecrim e Rafael Dias. É muito bom poder contar com vocês em todos os momentos da vida. Às amigas-irmãs, Elaine Tortorelli e Michelle Carmelinda Pegorini Bordini, que já estão na eternidade, e fazem-se presentes em nossos corações. Às amigas e amigos que me acolheram em Mato Grosso. À amiga conterrânea Herika Renally; à minha anja da guarda, Eliane Ferreira; às famílias, Jesus e Rose, Graziela e Fernando; Aos jovens que encontrei nesse percurso, Emerson Figueiredo, Thamyres Alcântara e Walaphy Douglas; Ao amigo Lucas Faria e Rayonara Lima, gratidão pelo encontro. Poder contar com vocês nesse processo foi fundamental. Ao IFMT Campus Cáceres, na memória do mestre Professor Olegário Baldo. Aos meus diretores, professor Salmo César e professor Milson Serafim, pelo apoio e o incentivo ao estudo. Estendo a minha gratidão a todo o corpo técnico-administrativo, nas pessoas das servidoras Maira Mauriz, Natália Costa e Mamédia Deluque, e do servidor Vagner Aniceto, e a todo corpo docente, em nome das professoras que também gestaram conosco esse estudo, Andrea Xisto e Liliana Moura e dos professores Alexandre Santos e Reginaldo Medeiros. À Universidade do Estado da Bahia e ao Mestrado Profissional de Educação de Jovens e Adultos. Obrigada pelos encontros, pelos conhecimentos e pelos intercâmbios de saberes e experiências que o MPEJA possibilitou, ao aprovar o nosso projeto e me acolher como aluna, ultrapassando, assim, fronteiras e sendo presença em outros estados. Todas as honras e homenagens às docentes e aos docentes do programa, em especial às minhas professoras e meus professores Antonio Amorim, Edite de Faria, Leliana Sousa, Maria Conceição Ferreira, Maria Sacramento Aquino, Patrícia da Hora, Roberto Sidnei Macedo, Rosemary Lapa e Tânia Dantas. Às técnicas da secretaria do MPEJA Neide, Nildete e Carol. O acolhimento de vocês me ajudou a superar os desafios e chegar até aqui. Gratidão. Às colegas e aos colegas do MPEJA, em especial da Turma 4. As experiências o compromisso de cada um e de cada uma com a EJA nos impulsiona. Agradeço os abraços, a aprendizagem, a partilha. Em outras caminhadas nos encontraremos. Dos muitos encontros, agradeço ao mestrado pela partilha e convivência diária com as amigas Cristina Ferreira e Nayara Rosa; os cuidados e carinhos das tias Marias, Cristina e seu Alfredo; A Michele, Alício, Vangivaldo, Avani, Miriam, Debora, Julimar, Rita, Yara, Orestes, Eunice, Andreia, Hildebrando, Nilzete, Dora, Daysi, Graciela, Fernanda, Roberto, Daniel, Aline, France, Caliane, Natália, Fredson, Mirian, Valter, Robson, Romênia, agradeço a amizade construída na solidariedade dos momentos difíceis de doença, nos trabalhos, nos grupos de pesquisa. O percurso do mestrado me proporcionou o presente de ter duas orientadoras. Professora Maria Sacramento Aquino, que me acompanhou com todo afeto e cuidado de mãe, orientando e sendo referência para mim desde os primeiros passos do mestrado, e a professora Érica Valéria Alves, que me acolheu e orientou, em uma segunda etapa, com muita solidariedade, ternura e compromisso. A essas mulheres educadoras, toda a minha gratidão e afeto. Aos membros da banca, meu professor Antonio Pereira, e professor Silvano Carmo de Souza, meus agradecimentos pelas muitas colaborações, pela dedicação na avaliação do trabalho e pela disponibilidade. No sentido de gratidão que não se finda, às participantes e aos participantes da pesquisa, que estiveram conosco problematizando, buscando caminhos e tecendo todo o estudo, agradeço. Seguiremos em construção. Gosto de ser gente porque a História em que me faço com os outros e de cuja feitura tomo parte é um tempo de possibilidades e não de determinismo. Daí que insista tanto na problematização do futuro e recuse sua inexorabilidade. (PAULO FREIRE, 2015, p. 52) SILVA, Maria Edna Pedro da. EJA e Educação Profissional em Cáceres-MT: Desafios, Oportunidades e Perspectivas.157f. 2018. Dissertação (Mestrado) Departamento de Educação, Campus I, Universidade do Estado da Bahia, Salvador, 2018. RESUMO Esse estudo teve como objetivo realizar diagnóstico e análise socioeducacional da realidade do município de Cáceres–MT com foco em identificar demandas de Educação de Jovens e Adultos no âmbito da Educação Profissional, em uma proposta de intervenção situada no diálogo com educadoras e educadores e representantes de organizações, grupos, territórios, comunidades, movimentos sociais entre outros coletivos de setores populares. No contexto de interrupção, desde 2015, na oferta de cursos da modalidade na unidade da Rede Federal de Educação Profissional e Tecnológica do município, o estudo parte da problemática de como construir propostas de cursos da Educação Profissional integrada à EJA que atendam as expectativas de pessoas jovens e adultas por formação para o mundo do trabalho. Em busca de respostas para esse questionamento, elegemos como objetivos mapear a realidade socioeducacional de Cáceres-MT a partir dos dados das pessoas de baixa renda inscritas no Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal; dialogar com movimentos sociais, grupos e associações comunitárias sobre as expectativas para educação profissional em EJA; e articular espaços de diálogos entre as comunidades, grupos e instituições do município para fomentar atendimento às demandas para EJA no âmbito da educação profissional. Como caminho metodológico, experienciamos uma pesquisa aplicada de abordagem qualitativa com inspiração na pesquisa participante, atendendo a perspectiva de geração de propostas de ação construídas coletivamente com os sujeitos. Entre os dispositivos de informação utilizamos a análise documental, no estudo do Relatório de Informações Sociais do Bolsa Família e Cadastro Único e do documento base da Educação Profissional integrada à EJA (PROEJA); em uma segunda etapa, após submissão e aprovação de projeto no Ministério de Desenvolvimento Social para acesso aos dados do sistema Cadastro Único, utilizamos como dispositivo o Software SPSS 20 para análise descritiva da realidade do município a partir da base de dados do sistema; na tessitura da pesquisa participante utilizamos o dispositivo de sessões dialógicas para discussões coletivas sobre todo o processo do estudo, reflexões sobre os indicadores levantados, encaminhamentos e intervenção. Entre os resultados, o estudo demonstra a importância da Educação de Jovens e Adultos no contexto socioeducacional do município, a partir do diagnóstico da realidade social que apresentou, em um cenário de cerca de 40 mil pessoas em situação de baixa renda, indicadores de negação de direitos à educação que atinge mais de 68% da população jovem e adulta pobre das periferias e do campo que ainda não concluiu a educação básica. Ao refletir a realidade, e como resultado da intervenção, o coletivo participante da pesquisa construiu e encaminhou um documento requerendo a formalização, nas esferas institucionais do IFMT/Cáceres, de um Grupo de Trabalho (GT) para a criação do Núcleo de Educação de Jovens e Adultos e Trabalho. A proposta foi institucionalizada, por meio da Portaria nº 164 de 3 de dezembro de 2018, com a designação da Comissão para criação do Núcleo de Educação de Jovens e Adultos e Trabalho. Como espaço permanente de caráter propositivo e articulador, o núcleo deve reunir instituições, organizações e outros membros da comunidade externa com estudos, propostas e demandas de políticas educacionais na área, considerando a interface entre ensino, pesquisa e extensão. PALAVRAS CHAVES: Análise Socioeducacional; Educação de Jovens e Adultos; Intervenção; Trabalho. LISTA DE FIGURAS FIGURA 1: Mapa do perímetro urbano de Cáceres-MT com identificação de bairros com maior número de pessoas fora da escola com formação de Ensino médio incompleto..........114 LISTA DE QUADROS QUADRO 1-Perfil das pessoas participantes da pesquisa. .....................................................31 QUADRO 2-Etapas da pesquisa..............................................................................................33 QUADRO 3-Tema e categorias de análise..............................................................................87 LISTA DE TABELAS TABELA 1 – Quantitativo de famílias e pessoas cadastradas no Cadastro Único – maio de 2018. ........................................................................................................................................82 TABELA 2 – Mudanças na caracterização dos domicílios......................................................83 TABELA 3 – Caracterização de domicílio, idade e sexo.........................................................84 TABELA 4 – Características de cor ou raça autoidentificadas................................................84 TABELA 5 – Quantitativo de pessoas de baixa renda classificadas por grupos......................85 TABELA 6 – Quantitativo de pessoas jovens e adultas com base em renda e faixa etária. ....92 TABELA 7 – Caraterística de domicílio e sexo de pessoas jovens e adultas. .........................93 TABELA 8 – Quantitativo de pessoas jovens e adultas que frequentam escola......................93 TABELA 9 – Quantitativo de pessoas jovens e adultas que frequentaram escola e situação de conclusão por curso..................................................................................................................94 TABELA 10 -Situação de acesso, conclusão e desistência escolar de pessoas Jovens e Adultas...................................................................................................................................104 TABELA 11 – Quantitativo de pessoas jovens e adultas com ensino fundamental incompleto e não escolarizadas. ................................................................................................................105 TABELA 12 – Quantitativo de pessoas de baixa renda com Ensino médio incompleto.......113 LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS CEAA -Campanha de Educação de Adultos e Adolescentes CNER -Campanha Nacional de Educação Rural CONFINTEA -Conferência Internacional de Educação de Adultos DNE -Departamento Nacional de Educação EJA -Educação de Jovens e Adultos EP -Educação Profissional FIC – Formação Inicial e Continuada FNEP -Fundo Nacional do Ensino Primário GPTE -Grupos Populacionais Tradicionais ou Específicos GT-Grupo de Trabalho IFMT -Instituto Federal de Mato Grosso INCRA -Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária LDB -Lei de Diretrizes e Bases MEB -Movimento de Educação de Base MPEJA -Mestrado Profissional em Educação de Jovens e Adultos MOBRAL -Movimento Brasileiro de Alfabetização MP – Medida Provisória PDI -Plano de Desenvolvimento da Instituição Planfor -Plano Nacional de Qualificação do Trabalhador PP -Pesquisa Participante PROEJA -Programa Nacional de Integração da Educação Básica com a Educação Profissional na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos Pronera -Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária UNE-União Nacional dos Estudantes Unesco – Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................... 16 1.1 IMPLICAÇÃO NO PROCESSO....................................................................................18 1.2 ORGANIZAÇÃO DA DISSERTAÇÃO........................................................................21 2 PERCURSO METODOLÓGICO ..................................................................................... 23 2.1 ABORDAGEM DA INVESTIGAÇÃO.........................................................................23 2.2 INSPIRAÇÃO NA PESQUISA PARTICIPANTE COMO ESTRATÉGIA METODOLÓGICA ..............................................................................................................24 2.3 O LOCAL DO ESTUDO E SUJEITOS PARTICIPANTES..........................................29 2.4 ETAPAS DA PESQUISA E DISPOSITIVOS DE AQUISIÇÃO DE INFORMAÇÃO UTILIZADOS......................................................................................................................33 3 TRAJETÓRIA DA EJA E FORMAÇÃO PARA O TRABALHO NO BRASIL..........38 3.1 EJA E FORMAÇÃO PARA O TRABALHO: REFLEXÕES INICIAIS ......................38 3.2 CONCEPÇÃO DO ANALFABETISMO: “HOMENS INCAPAZES” .........................44 3.3 POLÍTICA ESTATAL: INSTITUCIONALIZAÇÃO DA EJA E DA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL ..................................................................................................................46 3.4 I LDB E II CONGRESSO NACIONAL DE EDUCAÇÃO DE ADULTOS: MARCO HISTÓRICO DA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL E DA EJA............................................49 3.5 A EJA EM MOVIMENTOS DE CULTURA POPULAR: PRONÚNCIA DO MUNDO .............................................................................................................................................52 3.6 DITADURA MILITAR: EJA, EDUCAÇÃO PROFISSIONAL E ESTADO AUTORITÁRIO ...................................................................................................................55 3.7 LUTAS POR DIREITOS NO PROCESSO DE REDEMOCRATIZAÇÃO DO PAÍS .62 4 INTEGRAÇÃO DA EJA COM A EDUCAÇÃO PROFISSIONAL: DESAFIOS EM CURSO ................................................................................................................................... 69 4.1 O PROEJA COMO PROPOSTA DE POLÍTICA PÚBLICA........................................70 4.2 EJA E EDUCAÇÃO PROFISSIONAL: DUALIDADE HISTÓRICA E RESSIGNIFICAÇÃO DE CONCEITOS.............................................................................72 4.3 QUEM SÃO AS EDUCANDAS E OS EDUCANDOS DO PROEJA? ITINERÁRIOS E IDENTIDADES COLETIVAS.........................................................................................76 5 DIAGNÓSTICO DE ESCOLARIDADE E RENDA: UM OLHAR SOBRE A REALIDADE SOCIOEDUCACIONAL DO MUNICÍPIO DE CÁCERES-MT.............81 5.1 REALIDADE DE ACESSO À ESCOLA DAS PESSOAS JOVENS E ADULTAS ....92 5.2 EDUCAÇÃO BÁSICA: INDICATIVOS DE NEGAÇÃO DE DIREITOS ................104 5.2.1 Indicadores de demanda para EJA Ensino Médio............................................113 5.3 INTERVENÇÃO PARTICIPATIVA: ENCAMINHAMENTOS E PROPOSTAS ELENCADAS PELOS SUJEITOS ....................................................................................120 5.4 IMPACTOS DA PESQUISA NAS VOZES DOS SUJEITOS ....................................125 6 CONSIDERAÇÕES: HORIZONTES DE UMA PROPOSTA EM CONSTANTE DEVENIR............................................................................................................................. 127 7 REFERÊNCIAS ................................................................................................................ 132 8 APÊNDICES ...................................................................................................................... 141 8.1 APÊNDICE I – PERCURSOS DAS SESSÕES DIALÓGICAS .................................141 8.2 APÊNDICE II – INTERVENÇÃO: PROPOSTA DE INSTITUCIONALIZAÇÃO DE GRUPO DE TRABALHO PARA CRIAÇÃO DO NÚCLEO PERMANENTE DE EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS E TRABALHO...............................................146 9 ANEXOS ............................................................................................................................ 148 9.1 PARECER DO COMITÊ DE ÉTICA EM PESQUISA/UNEB...................................150 9.2 NOTA TÉCNICA Nº 46/2018, DE 30 DE MAIO DE 2018 -MINISTÉRIO DE DESENVOLVIMENTO SOCIAL/ DEPARTAMENTO DE AVALIAÇÃO....................154 1 INTRODUÇÃO A Educação de Jovens e Adultos no Brasil, inscrita num movimento de luta que desafia um processo histórico de negação de direitos às classes populares, tem, desde a sua gênese, a interface na relação com o mundo do trabalho. Relação de dimensões antagônicas registrada em histórias de exclusão e de esperança, de negação e de possibilidade, de exploração e de libertação. No histórico e trajetórias de vidas dos sujeitos da EJA é comum atribuir-se à necessidade de sobrevivência e de trabalho o fator preponderante para deixar a escola. Nos passos e descompassos dessas histórias, o trabalho também é apontado como necessidade de retorno escolar, pelo movimento de exploração gerado pelo próprio capital que exigiu e exige a escolarização dessas pessoas jovens e adultas, o aperfeiçoamento da mão-de-obra, em relações de trabalho cada vez mais competitivas. Outra dimensão da relação entre trabalho e Educação de Jovens e Adultos é a que parte da natureza ontológica do trabalho como algo inerente à condição humana, a sua relação com a cultura, como meio pelo qual os homens e mulheres produzem ciência, conhecimento. Dimensão que desafia os propósitos de formação para o mundo do trabalho na Educação Profissional integrada à Educação de Jovens e Adultos, tema central da abordagem pretendida nesse estudo. A Educação Profissional integrada à Educação de Jovens e Adultos foi institucionalizada na Rede Federal de Educação Profissional e Tecnológica com a criação do Programa Nacional de Integração da Educação Profissional com a Educação Básica na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos (PROEJA). Instituído pelo Decreto nº 5.840/2006, o PROEJA tem como perspectiva a proposta de integração da educação profissional à educação básica, na busca da superação da dualidade trabalho manual e intelectual, assumindo o trabalho na sua perspectiva criadora e não alienante (Brasil, 2006b). Após uma década da implantação, além do desafio de ressignificar conceitos e construir novas práticas em instituições educacionais marcadamente preparadas para formação para o mercado de trabalho, a educação profissional integrada à básica na modalidade de EJA nos institutos federais ainda se depara com uma grande problemática: Como construir propostas de cursos de Educação Profissional integrada à Educação de Jovens e Adultos que atendam as expectativas de pessoas jovens e adultas por formação? Frente a esse questionamento o que se vê de forma cada vez mais recorrente na Educação Profissional integrada à EJA é o fechamento e a não abertura de cursos sob a justificativa das instituições da baixa procura pelas vagas oferecidas. Com base nessa problemática é que surgiu o interesse desse estudo como proposta de intervenção realizada no contexto do universo de trabalho da pesquisadora no município mato-grossense de Cáceres, no Instituto Federal de Mato Grosso – IFMT, Campus Cáceres, Prof. Olegário Baldo. A instituição, fundada na década de 80 como autarquia Escola Agrotécnica Federal de Cáceres, passou por nova institucionalização e se tornou campus do IFMT em 2008, quando iniciou a oferta de cursos de educação profissional técnica integrada ao ensino médio e de Formação Inicial e Continuada em EJA. A realidade atual é a interrupção desde 2015 de cursos regulares na modalidade fundamentada pela ausência de inscritos em dois processos de ingresso promovidos pela instituição. A situação posta nos apontou a necessidade de construir bases fundamentadas para oferta de Educação Profissional integrada à EJA no município no sentido de atender as necessidades dos sujeitos jovens e adultos e as suas aspirações, o que implica o reconhecimento da realidade, levantamento de demandas e reflexão sobre os caminhos que devem ser construídos pelas escolas para a definição e organização de cursos. Movimento que para ter significado na EJA deve ser construído coletivamente com participação de todas as pessoas envolvidas. Com base nesse entendimento, projetamos e desenvolvemos o presente estudo que teve o objetivo geral de realizar diagnóstico com análise socioeducacional da realidade do município de Cáceres-MT, com foco para demandas de EJA no âmbito da Educação Profissional. Entre os objetivos específicos, o estudo propôs mapear a realidade de Cáceres- MT, em seus aspectos socioeducacionais, a partir dos dados das famílias de baixa renda inscritas no Cadastro Único do governo federal; dialogar com movimentos sociais, grupos e associações comunitárias sobre as expectativas para educação profissional em EJA; e articular espaços de diálogos entre as comunidades e instituições do município para fomentar atendimento às demandas levantadas para EJA no âmbito da educação profissional com participação na definição e acompanhamento dos cursos. Antes de adentrarmos nas particularidades do estudo partilharemos algumas experiências e inquietações que nos trouxeram até aqui no propósito de esclarecer as motivações e os sentidos dessa dissertação a partir das nossas implicações pessoais e profissionais. 1.1 IMPLICAÇÃO NO PROCESSO Formada em Comunicação Social pela Universidade Estadual da Paraíba, UEPB, ingressei no IFMT Campus Cáceres, em 2010, por meio de concurso público como jornalista. O meu contato com a Educação Profissional integrada à Educação de Jovens e Adultos deu-se a partir desse novo desafio profissional, mas minha relação com a Educação de Jovens e Adultos está pautada em experiências anteriores. Filha de pedagoga e irmã de educadoras e educadores, durante toda minha infância eu vivi literalmente dentro da escola, minha casa era uma sala de aula. Em um cenário histórico de pessoas excluídas da escola devido à necessidade do trabalho na lavoura desde cedo, acompanhei o empenho e dedicação de minha mãe e professora para superar os desafios educacionais numa rotina de sala „multisseriada. com alunas e alunos de faixas etárias diversas que estavam sempre desistindo da escola no período do plantio e da colheita. Realidade comum entre as famílias campesinas do nordeste brasileiro. Nesta fase da minha infância me tornava também educadora auxiliando, as colegas já jovens e adultas, nas dificuldades de ensino-aprendizagem, especialmente na leitura e escrita. Afastei-me da minha casa-escola por algum tempo e na dinâmica da vida o universo da linguagem me ganhou e quando chegou a hora da escolha da profissão queria ser comunicadora. Percorri por esse caminho, antes disso porém, fiz magistério para compreender melhor os desafios da educação, sempre sob o olhar esperançoso e a felicidade da minha mãe em me ver inserida naquilo que era a sua maior paixão: ser educadora. Como tantas pessoas pobres do nordeste brasileiro, precisei migrar para outras regiões em busca de trabalho e sobrevivência. Nesses itinerários de encontros de alegrias e dores tive diferentes vivências com a EJA que me constituíram e me constitui educadora, seja a partir das estradas que me levaram ao sudeste e que me permitiram, no trabalho como educadora de uma fundação social, conviver com os desafios enfrentados por jovens e adolescentes das periferias de uma grande cidade; ou no movimento de migração para o Centro-Oeste -onde há 16 anos insisto em fincar raízes-no encontro amoroso com pessoas jovens e adultas da realidade da EJA no campo. Nos caminhos da comunicação, em mais de quinze anos de atuação me deparei sempre com a educação, em particular com práticas educativas ligadas à EJA, a exemplo de projetos desenvolvidos pela Universidade do Estado de Mato Grosso, Unemat, quando fui assessora de comunicação da instituição, e na atuação de projeto da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) em Cáceres-MT, na comunidade rural de Clarinópolis, como consultora de comunicação. Como mulher-cidadã-profissional também forjada nas lutas políticas integrei um coletivo de mandato parlamentar na capital de Mato Grosso que utilizava como ferramenta de diálogo com a cidadania o Programa Rodas da Cidadania. Os fóruns de diálogos sobre educação, gênero, saúde e direitos de cidadania experimentados neste período aguçaram em nós o sentido educacional Freiriano da pedagogia da comunicação, como possibilidade de vencer o antidiálogo, pautado na relação impositiva, arrogante e autossuficiente do sujeito sobre o sujeito (FREIRE, 1979). Este constante despertar para natureza amorosa, humilde, crítica, esperançosa confiante e criadora que caracteriza o diálogo foram sendo evidenciados também no contato com as pessoas educadoras e educandas da Universidade Popular Comunitária de Cuiabá, uma experiência inovadora de Educação de Jovens e Adultos. Acompanhei nas ações do coletivo do programa Rodas da Cidadania o processo de resistência, criticidade e luta dos sujeitos com a precarização no município da política educacional inclusiva para EJA, na perspectiva de gestão democrática, em todos os níveis de formação. Nestas vivências, fui alimentada pela capacidade de superação de homens e mulheres que retornaram a educação formal, após anos de exclusão do universo escola e de impossibilidade de estudos. Como as ações pedagógicas da EJA podem ser de fato inclusivas para essas pessoas? Como reconhecer os saberes acumulados no decorrer da vida? Promover transformações, cidadania e felicidade? Questionamentos que carrego comigo e que se intensificaram quando conheci o PROEJA no IFMT. Meu primeiro contato com entrevistas e trabalho com discentes do Programa no IFMT reafirmaram a certeza de que as práticas pedagógicas em EJA só terão sentido se forem centradas no encontro com os sujeitos, suas representações, suas culturas. A possibilidade de fazer uma especialização em PROEJA reafirmou este sentido e me provocou também a reflexão como educadora do IFMT, da responsabilidade em contribuir para consolidação de práticas educativas includentes em EJA. O rico universo de pesquisa e aprendizagem que tivemos sobre linguagens, história, cultura, arte, comportamento humano foi despertado em cada etapa da especialização. As experiências plurais das e dos discentes, trabalhadoras e trabalhadores da rede estadual, municipal e federal de ensino, deram mais sentido ao meu aprendizado em PROEJA. A experiência como coordenadora local da especialização no campus possibilitou também o aprofundamento do diálogo com o coletivo da pós-graduação sobre os desafios de consolidação do PROEJA e como política pública. Durante uma pesquisa realizada com alunas e alunos do PROEJA em Aquicultura, no campus do IFMT/Cáceres em 2013, surgiu a possibilidade de mergulhar mais profundamente neste universo. O diálogo sobre suas vivências, marcadas pela exclusão e por muitas lutas e o sentido do retorno à educação formal, a partir de suas definições e conceitos, de suas observações, de seus sentimentos, de suas motivações foram registrados no trabalho Motivação, Desafios e Expectativas: Um Olhar Sobre o Curso de Aquicultura – PROEJA IFMT Campus Cáceres – MT (SILVA; PINHO, 2013). Com inúmeras lições, sentimentos e aprendizados os encontros com estes sujeitos deixaram marcados em mim o movimento permanente de busca em que essas pessoas se inscrevem, no processo de construção de suas histórias “inconclusas”, como seres inacabados que são, conforme afirma Freire (1996). Outras experiências de aprendizado sobre a valorização dos saberes como conceitua Freire (1996) de 'Pura Experiência Feito' com as mulheres pantaneiras do Programa Mulheres Mil, durante atuação como gestora local do programa em Cáceres-MT e como educadora nos cursos de Culinária Regional e de formação em Panificação despertaram ainda mais o sentido libertador da educação. Essas mulheres protagonistas no processo de transformação da realidade de suas comunidades, nos papéis que desempenham como mulheres, mães educadoras, donas de casa, trabalhadoras, foram nos revelando nos processos de comunicação como se constitui, como diz Freire (1979) “a relação de 'empatia' na procura de algo”. Este algo que as une na coragem, determinação e esperança é o conhecer-se. E como nos remete Freire (1987), através de sua permanente ação transformadora da realidade objetiva, os homens e mulheres simultaneamente, criam história e se fazem seres históricos sociais. Inscritos nos passos desses caminhos de aprendizagem, de comunicação, estão muitos sujeitos que me provocam reflexões sobre horizontes possíveis. Entre eles o educador, Silvano Carmo de Souza, a partir da sua vivência inspiradora de comprometimento com as pessoas, com a vida no planeta, revestida no amor e na fé. No fim/começo destas memórias, muitas pessoas me inspiram a seguir refletindo e estudando sobre Educação de Jovens e Adultos. Entre elas, quatro mulheres, em especial: minha jovem amiga Iris Viana, educadora, bióloga apaixonada pelo trabalho em comunidades ribeirinhas e seu respeito ao etnoconhecimento e práxis educacionais freirianas; a bióloga, educadora e militante de movimentos sociais representativos de povos e comunidades tradicionais Cláudia Regina Sala de Pinho; minha irmã Sara Pedro pelo cuidado cotidiano e luta incansável por direitos e dignidade das pessoas mais pobres; e a minha mãe Adiles Ribeiro da Silva que gestou minha vida e minha essência como educadora. Nesse percurso, o mestrado profissional em EJA pela UNEB surgiu como possibilidade de vivências outras e como perspectiva de contribuir com políticas que assegurem o direito à educação às pessoas jovens e adultas dentro da realidade socioeducacional do município e da instituição em que atuo, a partir do meu senso de responsabilidade como educadora-comunicadora. 1.2 ORGANIZAÇÃO DA DISSERTAÇÃO Essa dissertação está organizada, a partir da introdução onde apresentamos a intencionalidade da pesquisa com a problemática e objetivos do estudo e a implicação da pesquisadora no contexto da EJA e como trabalhadora da educação. Na segunda parte, delineamos os caminhos metodológicos adotados para atender os objetivos, com fundamentação para abordagem e estratégia de pesquisa utilizada, a contextualização da área de estudo e dos sujeitos participantes da pesquisa, além das etapas e procedimentos técnicos adotados. Em seguida iniciamos as reflexões sobre a trajetória histórica da EJA e o sentido das políticas públicas de formação para o trabalho no Brasil. Para fundamentar o estudo, entre os principais autores, dialogamos com Arroyo (2016, 2005), Brandão (2006, 1999, 1984), Ciavatta e Ramos (2011, 2005a, 2005b), Demo (2011, 2004), Freire (2011, 1996, 1987), Freitag (1980) Frigotto (2015, 2005), Gadotti (2011, 1995), Haddad e Di Pierro (2000), Manfredi (2002), Moura (2007), Paiva (1987), Paiva (2012, 2009), Saviani (2003) e Torres (2002). No quarto capítulo abordamos a integração da educação profissional em EJA e o movimento pela ressignificação do conceito de trabalho em sua perspectiva ontológica e como princípio educativo e sobre quem são os sujeitos do PROEJA, itinerários e identidades. No quinto capítulo trazemos os resultados do diagnóstico com análise da realidade socioeducacional do município de Cáceres-MT no que tange à renda, escolaridade, etnia e pertencimento a grupos sociais das pessoas de baixa renda e, para elucidar a natureza interventiva do estudo construído a várias mãos com as pessoas participantes da pesquisa, apresentamos as reflexões os encaminhamentos e propostas elencadas pelos sujeitos para articulação entre instituições, organizações, movimentos, grupos e comunidades para fomentar políticas de atendimento às demandas por formação de Educação Profissional integrada à EJA. Nas considerações finais destacamos as práticas forjadas no encontro com o coletivo envolvido em todo o percurso do estudo, o horizonte das propostas em curso no movimento inacabado da intervenção. 2 PERCURSO METODOLÓGICO Pesquisa assume contornos existenciais, porque encerra o desafio histórico- estrutural de compreender e enfrentar a desigualdade social, num processo que nunca termina [...] Pesquisar é demostrar que não se perdeu o senso pela alternativa, que a esperança é sempre maior que qualquer fracasso, que é sempre possível reiniciar (DEMO, 2011, p.40). Ao refletirmos sobre os caminhos dessa investigação, iniciamos pela definição da natureza da pesquisa. Centrada na questão problematizadora de como construir, de modo participativo, propostas de cursos de Educação Profissional integrada à EJA que atendam as expectativas de pessoas jovens e adultas por formação, optamos por uma pesquisa de natureza aplicada por remeter ao que nos diz Gerhardt e Silveira (2009, p.35) a busca “de conhecimentos para aplicação prática, dirigidos à solução de problemas”. Esse propósito de gerar conhecimentos para aplicação prática é motivado inicialmente pela implicação dessa pesquisadora que buscou no processo de qualificação como servidora da Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica, no mestrado profissional MPEJA, caminhos e alternativas para enfrentamento dos desafios educacionais vivenciados no seu município e instituição no âmbito da oferta da Educação Profissional integrada à EJA. Motivação que foi tomando sentido e dimensão coletiva à medida que se estabelecia o diálogo sobre a construção do propósito da pesquisa com educadoras e educadores e membros de movimentos sociais, de setores populares e representantes de comunidades. Assim, refletindo a configuração da EJA como aponta Arroyo (2005) como garantia de direitos e dever de Estado, com intervenções situadas na legitimação dos direitos das excluídas e dos excluídos e dos setores populares, fomos tecendo os caminhos trilhados por essa pesquisa de natureza aplicada, com opção pela abordagem qualitativa e estratégia metodológica inspirada na pesquisa participante, conforme elencamos a seguir. 2.1 ABORDAGEM DA INVESTIGAÇÃO Para responder aos objetivos propostos na investigação, optamos pela pesquisa de abordagem qualitativa inspiradas no sentido preconizado por Demo (1995, p. 260) de “fazer ciência para conseguirmos condições objetivas e subjetivas mais favoráveis de uma história sempre mais humana”. Nesse sentido, centramos o estudo na participação dos sujeitos para articulação de espaços de diálogos e reflexões entre comunidades, movimentos sociais e instituições com o propósito de oferta para EJA no âmbito da educação profissional, a partir do diagnóstico socioeducacional do município. A orientação pelos pressupostos da pesquisa de abordagem qualitativa se dá por esta corresponder, dentro das ciências sociais, questões relativas “ao universo de significados, dos motivos, das aspirações, dos valores e das atitudes dos sujeitos” como nos indica Minayo (1994, p.21). Para a socióloga e pesquisadora esse conjunto de fenômenos humanos é entendido “como parte da realidade social, pois o ser humano se distingue não só por agir, mas também por pensar sobre o que faz e por interpretar suas ações dentro e a partir da realidade vivida e compartilhada com os seus semelhantes". Nessa perspectiva de ação, reflexão e interpretação da realidade é que se concentram os objetivos do estudo aqui apresentado, a partir de uma interdependência entre sujeito e objeto, conforme argumenta Chizzotti (1995, p. 79): A abordagem qualitativa parte do fundamento de que há uma relação dinâmica entre o mundo real e o sujeito, uma interdependência viva entre o sujeito e o objeto, um vínculo indissociável entre o mundo objetivo e a subjetividade do sujeito. O conhecimento não se reduz a um rol de dados isolados, conectados por uma teoria explicativa; o sujeito-observador é parte integrante do processo de conhecimento e interpreta os fenômenos, atribuindo lhes um significado. O objeto não é um dado inerte e neutro, está possuído de significados e relações que sujeitos concretos criam em suas ações. A opção pela abordagem qualitativa não refuta a adoção de uso de estatística e procedimentos com base em aspectos quantitativos que atendam as necessidades e objetivos da investigação. Como aponta Thiollent (1984, p.50) “de um lado não se justifica a pretensão estritamente quantitativa da metodologia positivista e, por outro lado a metodologia de pesquisa científica não se limita ao qualitativo. Precisamos de uma articulação entre os dois tipos de aspectos”. Na nossa investigação, a abordagem da pesquisa conforme justificamos foi qualitativa tendo como estratégia metodológica a inspiração na pesquisa participante, e utilizamos a estatística descritiva na etapa de realização de diagnóstico do município. 2.2 INSPIRAÇÃO NA PESQUISA PARTICIPANTE COMO ESTRATÉGIA METODOLÓGICA Entre as alternativas de metodologias participantes buscamos para esse estudo a inspiração na pesquisa participante, em referência aos procedimentos adotados e a natureza das fontes utilizadas para a abordagem. Com base na realidade em estudo, de interrupção na rede federal dos cursos regulares de Educação Profissional integrada à EJA no município de Cáceres-MT, a opção pelo tipo de pesquisa parte também de uma reflexão sobre a implicação da pesquisadora no seu movimento de busca sobre o é pesquisar. Para isso nos inspiramos na afirmação de Demo (2011, p.40) de que “pesquisar é demonstrar que não se perdeu o senso pela alternativa, que a esperança é sempre maior que qualquer fracasso, que é sempre possível reiniciar”. Reflexão e opção embasada na epígrafe desse capítulo sobre os contornos existenciais que a pesquisa assume “porque encerra o desafio histórico estrutural de compreender e enfrentar a desigualdade social, num processo que nunca termina” (DEMO 2011, p.40). E foi esse desafio, posto também à Educação de Jovens e Adultos, que levou nesse estudo à inspiração da pesquisa participante por ela ter em comum nas suas diversas tradições e pensamentos, além da intencionalidade política na opção de trabalho junto às classes mais pobres da sociedade, a investigação e ação educativa para geração de propostas de ação e de mudanças sociais. Nessa dimensão, outras características comuns da pesquisa participante, foram dando sentido ao caminho proposto nesse trabalho, a exemplo da interação entre educação, investigação e participação social como integrante de um processo pautado na análise de contradições que apresentam determinantes estruturais da realidade em estudo, e a decisão dos passos da pesquisa pelos sujeitos participantes em função de um problema e de uma realidade concreta, conforme elenca Gajardo (1999, p.16): 1-explicitação de uma intencionalidade política e uma opção de trabalho junto aos grupos mais relegados da sociedade; 2-integração de investigação, educação e participação social como momentos de um processo centrado na análise daquelas contradições que mostram com maior clareza os determinantes estruturais da realidade vivida e enfrentada como objeto de estudo; 3-Incorporação dos setores populares como atores de um processo de conhecimento, onde os problemas se definem em função de uma realidade concreta e compartilhada, cabendo aos grupos decidir a programação do estudo e as formas de encará-la; 4-Sustentação das atividades de investigação e ação educativa sobre uma base (ou grupo) organizada de sorte que esta atividade não culmine em uma resposta de ordem teórica, mas na geração de propostas de ação expressadas em uma perspectiva de mudança social Pensar a Pesquisa Participante (PP) como inspiração de estratégia metodológica exige mais do que a identificação e o reconhecimento das características comuns às distintas tradições de pensamentos e práticas de pesquisa sob o título de pesquisa participante. Nesse estudo exigiu também nos situarmos quanto à sua origem e problematizarmos nossa implicação como pessoa e pesquisadora e toda à relação de participação estabelecida entre os sujeitos, bem como a posição da prática científica de pesquisa coletiva na dimensão política do trabalho com as classes populares (DEMO, 2004). De acordo com Brandão (2006) as diferentes tradições da pesquisa participante têm duas raízes teóricas: uma europeia e norte-americana, tendo como referência a pesquisa-ação e estudos de Kurt Lewin; e outra de gestação de uma tradição latino-americana, com base nas experiências pioneiras de Orlando Fals Borda e de Paulo Freire. Nessa perspectiva, elas surgem, a partir de experiências anteriores cujos fundamentos e metodologias não se limitam, mas se situam em novas compreensões de antigos dilemas epistemológicos das ciências sociais e na manifestação de novos modelos de interação pedagógica e de ação social. A última, de tradição latino-americana, que tomamos como inspiração para esse estudo, só pode ser compreendida em suas origens e em sua atualidade, segundo Brandão (2006), quando referenciada aos contextos políticos e sociais dos anos 70 e 80 na América Latina. Em especial, por possuir características, como a sua vinculação histórica com os projetos de transformação social emancipatória dos movimentos sociais populares. A pesquisa participante não cria, mas responde a desafios e incorpora-se em programas que colocam em prática novas alternativas de métodos ativos em educação e, de maneira especial, de educação de jovens e adultos; de dinâmicas de grupos e de reorganização da atividade comunitária em seus processos de organização e desenvolvimento; de formação, participação e mobilização de grupos humanos e classes sociais antes postas à margem de projetos de desenvolvimento socioeconômico, ou re-colonizadas ao longo de seus processos (BRANDÃO, 2006, p. 22). Nesse sentido, a reflexão e busca por alternativas para o problema da pesquisa inserido em um contexto social de negação de direitos a partir da realidade institucional de suspensão de oferta de Educação Profissional integrada à EJA nos provocou a “procura coletiva de conhecimentos” (BRANDÃO, 2006, p. 24) fundada na contribuição prática da ciência. Tendo como horizonte a possibilidade de mudança, a pesquisa participante nas palavras de Demo (2011, p.27) é“talvez a proposta mais ostensiva de valorização da prática como fonte de conhecimento”, por tentar estabelecer uma relação dialogal entre teoria e prática, não separando sujeito e objeto. Nessa perspectiva, nos indica o autor, o conhecimento toma a dimensão de autoconhecimento e revela a relevância da formação de consciência crítica como ponto de partida para toda proposta emancipatória: “todo conhecimento advindo da prática necessita de elaboração teórica, mas não é menos verdadeira a postura contrária. E isto permitiria superar a dicotomia sarcástica entre saber e mudar” (DEMO, 2011, p. 28-29). No propósito de constituir pesquisa prática que insere a ciência com o cotidiano numa perspectiva de busca de alternativa para o problema em estudo foi que nos propomos realizar por meio dessa pesquisa de inspiração participante, diagnóstico da realidade socioeducacional de Cáceres-MT e, em diálogo com movimentos sociais, instituições educacionais e de representantes das comunidades a partir da referência de pessoas jovens e adultas como membros de coletivos sociais, de gênero, étnicos, e de classe, articular espaços para debate, constituição e acompanhamento de propostas de cursos de Educação Profissional integrada à EJA que atendam às expectativas de pessoas jovens e adultas por formação. Aqui já se faz importante elucidar que, sem desconsiderar os diferentes significados e perspectivas que o conceito de comunidade possa assumir, esse estudo quando utiliza o termo comunidade em seus objetivos se remete a localidades urbanas e rurais no sentido de base territorial, área geográfica em referência a bairros, vilas, agrupamentos rurais, conforme desenho da divisão territorial do município adotado pelo Cadastro Único para programas sociais do governo federal. O texto remete também ao sentido de comunidades e povos tradicionais presente no Decreto Nº 6.040, de 7 de fevereiro de 2007 que institui a Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais (BRASIL, 2007) quando nos referimos às comunidades Quilombolas, Pescadores Artesanais, Extrativistas e Ribeirinhos e povos Cigano e de Terreiro. A inspiração na pesquisa participante nos levou a problematizar a própria ideia de participação. A questão central não é criar estratégias de participação, ouvir os sujeitos das classes populares, simplesmente, convocar o povo à participação. Isso, como nos alerta Brandão (1999) é um dos procedimentos mais usuais das estratégias autoritárias como forma de participação que só legitima os interesses políticos de poder e preservação da ordem estabelecida. O desafio é buscar superar todos os processos de colonização do mundo da vida e, na concepção do autor, tornar a pesquisa participante um instrumento a serviço de projetos populares de produção de poder do povo e uso de saber, o que implica situar em nome de qual projeto político ela é colocada em ação nas comunidades populares. Assim, fomos provocados durante todo o percurso da pesquisa a refletirmos sobre a ideia de participação a partir dos seguintes questionamentos: 1) serve à simples ampliação de uma presença popular em programas que, realizando serviços sociais setoriais (saúde, educação etc) às classes populares, reproduzem serviços políticos dominantes de preservação da ordem social estabelecida, através de mecanismos sociais de controle dos grupos e movimentos populares? Ou 2) serve, passo a passo, a produção, reprodução e fortalecimento de um poder de classe; de um poder progressivamente autônomo de autocontrole e participação organizada nos espaços políticos de determinação da vida social? (BRANDÃO, 1999, p. 250). Problematizar essas questões com a decisão de vincular a participação ao fortalecimento de um poder de classe progressivamente autônomo exigiu diálogo contínuo entre os sujeitos no sentido de tornar a pesquisa um mecanismo de dimensões científica, política e pedagógica de participação e poder popular. Esse propósito nos fez refletir sobre o porquê da afirmação de ser essa uma pesquisa de inspiração participante? Por que não afirmamos tratar-se de uma pesquisa participante? Essa decisão ultrapassa a reflexão epistemológica e se desenha em uma perspectiva prática. Entendemos que como o trabalho aqui relatado é parte de um processo que se manifesta em um estágio temporal de mestrado, isso nos limita ao percurso metodológico de uma pesquisa que se inspira e se movimenta numa perspectiva participante. Por outro lado, o sentido freiriano da “inconclusão”, “do inacabamento” do ser humano que histórico e socialmente alcança a possibilidade de saber-se inacabado, o que implica a sua inserção “num permanente processo social de busca” (FREIRE, 1996, p.31), nos leva a pensar também na consciência do inacabamento no sentido da pesquisa participante, que se faz com, para e pelas pessoas. Assim, como processo inconcluso, a constituição dos espaços de diálogo que essa intervenção propôs de articulação comunitária e interinstitucional permanente sobre EJA e trabalho pode resultar em inspirações outras e em expressões de projetos de pesquisa participante, fundados a partir das vivências e experiências dos grupos populares aqui reunidos. 29 2.3 O LOCAL DO ESTUDO E SUJEITOS PARTICIPANTES O estudo está inserido na realidade social e educacional de Cáceres-MT, município situado na fronteira do Brasil com a Bolívia, no Pantanal mato-grossense. Com população indicada pelo Censo 2010 de 87.942 habitantes (IBGE, 2016), o município registra taxa de analfabetismo de 10,77% da população com idade de 15 ou mais anos. Com 12,5% da população com mais de 25 anos que concluiu apenas o Ensino Fundamental. As principais atividades econômicas são a pecuária, agricultura, o comércio e atividades relacionadas ao turismo. No que tange à situação econômica, conforme mapa da pobreza e desigualdade realizado a partir do Censo Demográfico 2000 e Pesquisa de Orçamentos Familiares -POF 2002/2003, Cáceres-MT está em 44º com maior incidência de pobreza no Estado, entre os 126 municípios estudados1 e em 2910º entre os 5.507 municípios pesquisados no Brasil. O Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) do município é de 0,708. (IBGE, 2017) Como o campo de interesse desse estudo passa pelo desvelar da realidade social do município, iniciamos a caracterização desse espaço a partir dos dados iniciais do Relatório de Informações Sociais do Bolsa Família e do sistema Cadastro Único de julho de 2017 que revelaram a existência de mais de 14.500 famílias de baixa renda no município com renda mensal per capita de até meio salário mínimo; ou renda mensal total de até três salários mínimos (BRASIL, 2017), em um cenário de 19 mil pessoas em situação de pobreza extrema, com base nos critérios do Programa Bolsa Família2, integrando famílias com nenhuma renda ou com renda per capita mensal de até R$ 85,00 e outros cerca de 20 mil habitantes em grupos familiares com renda per capita abaixo de meio salário mínimo. Nesse contexto, estão famílias identificadas no Cadastro Único como pertencentes a Grupos Populacionais Tradicionais e Específicos (GPTE), em relação: Origem étnica (Quilombolas; Ciganas; Pertencentes a Comunidades de Terreiro) Relação com o meio ambiente (Assentadas da Reforma Agrária; Acampadas; Agricultura familiar; Programa Nacional de Crédito Rural); Relação ao Meio Rural (Pescadoras e pescadores artesanais; Extrativistas; e Ribeirinhas), e em situações conjunturais (Famílias de presa ou preso do 1 O Estado de Mato Grosso possui atualmente 141 municípios, destes 15 municípios têm os dados indisponíveis no que tange a incidência de pobreza no mapa da pobreza e desigualdade realizado a partir do Censo Demográfico 2000 e Pesquisa de Orçamentos Familiares -POF 2002/2003 (IBGE, 2017). Assim, aqui só são considerados para comparação de índices de pobreza os 126 municípios estudados. 2Para o Programa Bolsa Família a situação de Extrema Pobreza das famílias é caracterizada pela renda familiar mensal per capita de até R$ 85,00.(BRASIL, 2004a.) sistema carcerário; de catadoras e catadores de material reciclável; e em situação de rua) . Em Cáceres-MT, segundo o relatório de informação social de junho de 2017, famílias de trabalhadoras e trabalhadores assentadas e as famílias acampadas em movimento pela Reforma Agrária constituem o maior número de famílias de baixa renda em grupos relacionados ao Meio Rural, no total de 790 famílias. Pescadores e pescadoras artesanais integram o maior número de famílias em grupos relacionados ao Meio Ambiente (149 famílias) e Quilombolas (130 famílias) no que tange à relação de pertencimento a grupos de Origem Étnica. Para essa organização os grupos são considerados a partir da autoindentificação das famílias. No caso dos grupos de Origem Étnica (pessoas Quilombolas, Ciganas e pertencentes à Comunidade de Terreiros) e dos grupos relacionados ao Meio Ambiente (Pescadoras e pescadores artesanais, Extrativistas, Ribeirinhos e Ribeirinhas), se tomarmos como base a Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável de Povos e Comunidades Tradicionais trata-se de grupos de comunidades tradicionais. Na definição da Política, compreende-se por povos e comunidades tradicionais os grupos que se reconhecem culturalmente diferenciados que tem formas próprias de organização social e ocupam e usam territórios e recursos naturais como condição para sua reprodução cultural, social, religiosa, ancestral e econômica e utilizam conhecimentos gerados e transmitidos pela tradição (BRASIL, 2007). Em meio a essa realidade social, o município sedia uma unidade do Instituto Federal de Mato Grosso, o Campus Cáceres–Prof. Olegário Baldo. Instituição de educação profissional tecnológica que teve fundação na década de 1980 como autarquia Escola Agrotécnica Federal de Cáceres. Com a criação dos Institutos Federais no Brasil, a Escola Agrícola de Cáceres, assim conhecida pela população, compôs a base de criação do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Mato Grosso, IFMT, junto com os Centros Federais de Educação Tecnológica de Mato Grosso e de Cuiabá, por meio da Lei nº 11.892, de 29 de dezembro de 2008 (BRASIL, 2008). A nova institucionalização provocou um movimento pela ressignificação do conceito de educação para o trabalho e trouxe no escopo de competências – atribuições legais da escola – a Educação Profissional integrada à Educação de Jovens e Adultos (PROEJA). A instituição passou a ofertar modalidades em nível superior, técnico subsequente ao ensino médio, técnico integrado ao médio e PROEJA. No âmbito do PROEJA, o campus desenvolveu experiências em parceria com o município para turmas especiais de Formação Inicial e Continuada em nível de ensino fundamental (PROEJA FIC) e em cursos regulares de educação profissional técnica integrada ao ensino médio para pessoas jovens e adultas, maiores de 18 anos, em áreas como informática, agroindústria e aquicultura. A oferta de cursos regulares dessa modalidade foi interrompida desde 2015, com base na justificativa de ausência de inscritos em processos de ingresso promovidos pela instituição. A retomada da oferta estava prevista para ocorrer ainda em 2015 com a inserção do curso de Técnico em Cozinha no Plano de Desenvolvimento da Instituição-PDI (2014-2018), mas não foi concretizada. Assim, em meio à inquietação com a interrupção da oferta de Educação Profissional integrada à EJA, a ideia desse estudo foi sendo gestada a partir do diálogo com um pequeno grupo de educadoras e educadores do IFMT sobre a necessidade de buscar caminhos para o retorno regular da oferta dos cursos, o que pressupõe reconhecimento das demandas e da realidade dos territórios envolvidos. Considerando a configuração da EJA como garantia de direitos dos setores populares (ARROYO, 2005), buscamos no contexto social do munícipio fundamento para a composição dos sujeitos da pesquisa. Desse modo, tomamos como base os dados do Relatório de Informações Sociais do Bolsa Família e Cadastro Único, para o convite à participação na pesquisa de representantes de comunidades urbanas e rurais, instituições, associações e de grupos de origem ética; relacionado ao meio rural, ao meio ambiente, e em situações conjunturais que fizeram parte desse estudo. Também integraram o coletivo da pesquisa, educadoras do IFMT com vivências em docência e gestão durante oferta regular de cursos da educação básica integrada à Educação Profissional na modalidade de EJA; docentes da rede municipal e estadual de ensino, representantes de movimentos sociais. Quadro 1-Perfil das pessoas participantes da pesquisa. Participante da pesquisa* Sexo Idade (anos) Formação Grupo, comunidade, organização, instituição a que pertence Participante A Feminino 41 Licenciada em Biologia; Mestra em Ciências Ambientais. Rede de Comunidades Tradicionais Pantaneiras Participante B Masculino 46 Graduado em Pedagogia, Educação Física e Serviço Social; Mestre em Educação. Secretaria de Estado de Justiça e Direitos Humanos – Centro de Referência em Direitos Humanos Participante C Masculino 43 Licenciado em História Mestrando em Ensino História. Rede estadual de ensino/ Professor -pesquisador indígena Participante D Masculino 52 Pedagogo. Movimento social -Centro de Direitos Humanos Dom Máximo Biennes Participante E Feminino 55 Licenciada em História; Especialista em Educação do Campo. Associação de Pequenos Produtores Rurais Participante F Masculino 52 Graduado em Turismo Associação de Pescadores Profissionais de Cáceres- MT Participante G Feminino 37 Licenciada em Ciências Biológicas; Mestra em Ciências Ambientais; Doutora em Biodiversidade e Biotecnologia IFMT/Campus Cáceres Participante H Feminino 43 Licenciada em Matemática; Mestra em Matemática; Doutora em Educação em Ciências e Matemática IFMT/Campus Cáceres Participante I Feminino 44 Engenheira agrônoma, doutora e pós-doutora em Ciências dos Alimentos. IFMT/Campus Cáceres Participante J Feminino 42 Licenciada em Letras, com habilitações em Língua Portuguesa e Literatura e em Língua e Literatura Francesas; Especialista em Tecnologias em Educação; Mestra em Educação Agrícola. IFMT/Campus Cáceres Participante L Feminino 45 Licenciada em Pedagogia e especialista em Planejamento Educacional Bairro -Movimento social/ Educação popular Rede Municipal de Ensino Participante M Masculino 49 Ensino Médio incompleto Associação de moradores Participante N Feminino 52 Ensino Médio incompleto Associação de moradores Participante O Feminino 35 Graduanda em Licenciatura em História Associação de moradores * Para assegurar o anonimato das pessoas participantes, conforme expressamos no Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, acordamos em identificá-las pelas Letras do Alfabeto. Fonte: Elaboração da autora, 2018. O estudo foi construído em conjunto com essas 14 pessoas participantes. Nove mulheres e cinco homens, com idade entre 35 e 55 anos, a partir das suas relações de pertencimento com grupos, comunidades, territórios; das suas ações e reflexões como integrantes do quadro docente e técnico pedagógico do IFMT com vivência em gestão de curso, docência e coordenação pedagógica na EJA; de instituição pública e movimentos sociais ligados aos direitos humanos; representantes de associações com atuação rural e urbana, em bairros periféricos do município; docentes da rede estadual e municipal de ensino e representantes de povos e comunidades tradicionais. 2.4 ETAPAS DA PESQUISA E DISPOSITIVOS DE AQUISIÇÃO DE INFORMAÇÃO UTILIZADOS Para atendermos aos objetivos do estudo de realizar diagnóstico sobre a realidade socioeducacional em Cáceres-MT com foco para as demandas da Educação de Jovens e Adultos, EJA, no âmbito da educação profissional, por meio de uma proposta de intervenção situada na participação e diálogo com setores populares, elegemos como dispositivos de aquisição de informações a Análise Documental, o Software SPSS (Statistical Package for Social Science) e as Sessões Dialógicas. A utilização de cada dispositivo atendeu a um propósito integrado às etapas da pesquisa, conforme quadro abaixo: Quadro 2– Etapas da pesquisa Descrição da Etapa Dispositivo utilizado Objetivo Levantamento dos dados Análise documental -Compreender princípios e orientações da Educação Profissional Integrada à EJA com o estudo da legislação e dos documentos base do PROEJA; -Reconhecimento da realidade social a partir de Relatório de Informações Sociais do Bolsa Família e Cadastro Único Montagem institucional com os sujeitos da pesquisa Sessão dialógica Informação e discussão coletiva do projeto de pesquisa. Vozes dos sujeitos -concepções sobre EJA e Trabalho Realização de diagnóstico socioeducacional do município Cáceres–MT com base nos dados do Cadastro Único. Software SPSS -Relacionar estatisticamente escolaridade, renda, localização e ocupação das pessoas, traçando o diagnóstico socioeducacional por meio de análise descritiva. Constituição de GT e apresentação do diagnóstico Sessão dialógica -Socialização e discussão dos indicadores do diagnóstico socioeducacional entre os participantes da pesquisa Encaminhamentos das ações do GT – perspectivas Sessão dialógica -Constituição de espaço de articulação interinstitucional e comunitária permanente sobre EJA e Trabalho/ proposições -Intervenção Fonte: Elaboração da autora, 2017. Com base na Análise Documental, utilizada na etapa de levantamento de dados, objetivamos compreender as bases legais, princípios e orientações da Educação Profissional Integrada à EJA com o estudo da legislação e dos documentos base do Programa Nacional de Integração da Educação Profissional com a Educação Básica na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos. A Análise Documental nos subsidiou ainda no trabalho de reconhecimento da realidade social do município a partir de documentos e decretos do Ministério de Desenvolvimento Social como o Relatório de Informações Sociais do Bolsa Família e Cadastro Único. Esse dispositivo para Lüdke e André (1986, p.38) “pode se constituir em uma técnica valiosa de abordagem de dados qualitativos seja complementando as informações obtidas por outras técnicas, seja desvelando aspectos novos de um tema ou problema”. A partir do conceito de Moreira (2008) a análise documental compreende a identificação e a apreciação de documentos para determinada finalidade e, nessa pesquisa, se configura como instrumento preparatório para as etapas de discussões coletivas no propósito de construção da pesquisa a muitas mãos como sugere Brandão (2003). A segunda etapa consistiu na montagem institucional da pesquisa com informações e discussão coletiva do projeto de pesquisa entre os sujeitos participantes. Essa fase que caracteriza a tessitura da pesquisa de inspiração participante teve como dispositivo a Sessão Dialógica aqui compreendida como espaço coletivo de diálogo onde são discutidos os objetivos, o caminho metodológico e a vinculação da participação da pesquisa entre os envolvidos, a partir da problemática apresentada. Para Santos (2011, p.51), as sessões coletivas de diálogos “são espaço-tempo de estudo, de reflexão crítica sobre a prática. Momentos nos quais o grupo se desafia a problematizar as práticas desenvolvidas, a estudar conceitos, flexionando o pensamento em torno de interesses e necessidades do coletivo”. Essa investigação participante partiu da premissa do diálogo como fundamental estrutura do conhecimento, concebido por Freire (1983, p.28) como “encontro amoroso de homens que, mediatizados pelo mundo, o pronunciam, isto é, o transformam e transformando- o, o humanizam para a humanização de todos”. Nos encontros possibilitados nessa etapa a partir da questão reflexiva „A EJA e a Educação Profissional a serviço do que e de quem?. ecoaram as vozes dos sujeitos com concepções sobre EJA e Trabalho e sobre suas relações de pertencimento a grupos, comunidades, organizações e coletivos. Nesse contexto, o diálogo como encontro de homens e mulheres “para a tarefa comum de saber agir” (FREIRE, 1987, p. 46), assume também o critério da cientificidade proposto por Demo (2011, p.28), que considera: “o critério mais pertinente, criativo, formal e politicamente, da cientificidade é a discutibilidade: somente o que é discutível, na teoria e na prática, pode ser aceito como científico”. No movimento proposto de pensar e agir sobre a realidade, a outra etapa da pesquisa consistiu na realização do diagnóstico socioeducacional de Cáceres-MT com base no quantitativo de pessoas cadastradas de acordo com as faixas de renda per capita mensal utilizadas no Relatório de Informações Sociais do Bolsa Família e Cadastro Único. Para acessar os dados do município do sistema Cadastro Único submetemos e aprovamos projeto ao Ministério de Desenvolvimento Social por meio do processo número 71000.020374/2018 27. Nessa etapa, o dispositivo utilizado foi o software SPSS 20, um pacote de estatística para computador que permite a análise de dados e a visualização dos resultados de forma facilitada. O objetivo foi realizar o diagnóstico socioeducacional do município, por meio da análise descritiva da realidade, a partir de variáveis como renda, faixa etária, etnia, sexo, escolaridade, ocupação e localização territorial. Para atender ao objetivo dessa etapa utilizamos a estatística descritiva conceituada por Larson e Farber (2010) como a parte da estatística que envolve a organização, o resumo e a representação dos dados. Em síntese, é uma maneira de organizar e descrever um conjunto de dados, com o objetivo de tornar os dados mais fáceis de serem entendidos. Ela oferece uma série de ferramentas a exemplo de tabelas e gráficos como nos aponta Witte e Witte (2005), no sentido de organizar e resumir informações em relação a um conjunto de observações existentes. Segundo Downing e Clark (1998, p.443), a estatística descritiva permite a obtenção de informações significativas a partir de conjuntos de números, em geral demasiadamente grandes para serem trabalhados diretamente. Os autores indicam o uso de programas de estatística para computador como o SPSS considerando “que os cálculos estatísticos podem ser bastante laboriosos”. Para a definição das variáveis que consideramos no universo de informações do Cadastro Único observamos a orientação de Costa Neto (1999) de que a escolha de variáveis de interesse dependerá, em cada caso, dos objetivos do estudo em questão. Como o objetivo era analisar a realidade a partir dos aspectos de renda e escolaridade definimos as características de interesse a serem verificadas como renda, faixa etária, etnia, sexo, escolaridade, ocupação e localização territorial. Gil (2010, p. 158) aponta que a identificação da estrutura social da população incluindo o levantamento de dados objetivos sobre a situação socioeconômica é aspecto importante da pesquisa participante porque ela “deseja colocar-se a serviço dos oprimidos e necessita identificar com clareza quem são eles no âmbito de uma comunidade”. A partir dos indicadores sociais levantados, os sujeitos da pesquisa se reuniram utilizando o dispositivo da Sessão Dialógica para etapa de socialização e discussão do diagnóstico socioeducacional. Nesse espaço de discussão e análise crítica que teve como questão reflexiva “qual a demanda para Educação Profissional integrada à EJA no município?” os indicadores do diagnóstico foram confrontados com as reflexões do coletivo sobre a realidade da EJA no município. A fase seguinte foi a de encaminhamentos das ações e perspectivas dos sujeitos participantes, para atender ao objetivo da pesquisa de constituição de espaço de articulação interinstitucional e comunitária sobre EJA e Trabalho, com a realização de proposições e debate de plano de ação em elaboração conjunta. Gil (2010, p.160) destaca que a “pesquisa participante não se encerra com a elaboração de um relatório, mas com um plano de ação que, por sua vez, poderá ensejar nova pesquisa.” Nessa perspectiva, a pesquisa aqui proposta ao conceber o inacabamento de seus resultados pela capacidade desses geraram novos problemas que exigem novas ações, se baseia no caráter dialético da pesquisa participante tendo como elemento fundante a participação das instituições, organizações, grupos e comunidades no processo de produção coletiva de conhecimento como um movimento de intervenção em sua própria realidade. Todas as sessões foram gravadas e filmadas e os diálogos transcritos e integrados a análise. No decorrer do processo para facilitar a comunicação e os encaminhamentos da intervenção, as pessoas participantes da pesquisa propuseram a criação de um espaço de comunicação via redes sociais o que resultou na criação de um grupo via whatssap com o objetivo de manter a interação entre o coletivo e ser uma ferramenta facilitadora para o diálogo e a socialização das agendas relacionadas ao estudo. A cada encontro foram produzidos e socializados pequenos relatos como memória para as intervenções futuras. Como técnica de análise dos dados optamos nesse trabalho pela Análise de Conteúdo concebida por Bardin (2009, p. 44) como um conjunto de técnicas de análise das comunicações que tem por objetivo “obter indicadores quantitativos ou não, que permitam a inferência de conhecimentos relativo às condições de produção/recepção das mensagens”. A proposta é utilizar as três etapas básicas no trabalho de análise de conteúdo: pré-análise, descrição analítica e interpretação inferencial. Triviños (1987, p. 161) define pré-análise como “simplesmente, a organização do material”. Nessa etapa sistematizamos as informações produzidas durante todo processo da pesquisa incluindo as sessões coletivas de diálogo. Em seguida, na fase de descrição analítica todas as informações foram submetidas a um estudo aprofundado com base nos referenciais teóricos. Etapa em que foram estabelecidas as categorias de análise, além da identificação das unidades de registro e das unidades de contexto. Segundo Gomes (1994, p. 74), as unidades de registro referem-se “aos elementos obtidos através da decomposição do conjunto de mensagem” e configuram-se em palavra, frase, oração ou tema; e as unidades de contexto objetivam precisar o contexto do qual faz parte a mensagem. Sobre a definição das categorias, Chizzotti (2014, p.117) afirma que a eleição “é fundamental para se atingir os objetivos que se pretende, pois devem estar claramente definidas e serem pertinentes aos objetivos pretendidos na pesquisa, a fim de condensar um significado a partir de unidades vocabulares”. Para o autor, a natureza da pesquisa e as particularidades dos dados são fatores fundantes para a definição das categorias, razão pela qual nem sempre é fácil defini-las previamente. Nesse estudo optamos por estabelecer as categorias após o trabalho de campo a partir das informações levantadas pelos dispositivos utilizados como a sessão dialógica e estatística descritiva a partir do software SPSS, ao fazermos as inferências e interpretações da análise com centralidade no diálogo entre os sujeitos partícipes da pesquisa. Os resultados estão apresentados no capítulo 5 que retrata ainda, o movimento de intervenção e os impactos da pesquisa a partir das vozes dos sujeitos. Como definimos na organização dessa dissertação, no próximo capítulo trazemos reflexões sobre EJA e a Educação profissional à luz dos teóricos, em uma proposta dialética de pensar a trajetória da EJA e a educação para o trabalho no Brasil. 3 TRAJETÓRIA DA EJA E FORMAÇÃO PARA O TRABALHO NO BRASIL Nesse capítulo trazemos algumas reflexões sobre como foram forjadas pelo Estado brasileiro as relações entre Educação de Jovens e Adultos, EJA e a formação para o trabalho, e sobre o movimento de resistência e luta que a EJA insiste em representar nos projetos educativos. Como pensar em um trabalho em EJA na perspectiva de integração com a Educação Profissional sem um “pensar crítico” (FREIRE, 1987, p.47) sobre como se deu o processo de escolarização no país nos últimos séculos? Sem se questionar sobre a relação educação e desigualdade social e as implicações históricas? E sobre como se dá a relação entre trabalho e educação? Pensar sob a perspectiva sociohistórica a Educação de Jovens e Adultos e a relação com o trabalho no Brasil é buscar uma compreensão outra da história que implica em “entendê-la e vivê-la, sobretudo vivê-la, como tempo de possibilidade, o que significa a recusa a qualquer explicação determinista, fatalista da História”. (FREIRE, 2011, p.23). Desse modo, não há intencionalidade de desenho linear sobre a trajetória da EJA e a formação para o trabalho no Brasil, nem se encontra aqui o propósito de abarcar todas as vertentes, olhares e verdades. Entregamo-nos ao desafio de pensar dialeticamente, “pensar os contrários”, pensar “na totalidade dos concretos” (GADOTTI, 1995, p.24) em que se inscrevem as práticas da Educação de Jovens e Adultos e a formação para o trabalho no Brasil. Desafio que exigiu e exige de nós, por ser um processo inacabado, além do debruçar teórico sobre a temática, o esforço de compreender a dinâmica desse tempo histórico “sendo feito por nós e refazendo-se enquanto fazedores dele” (FREIRE, 2011, p.23) para pensarmos o futuro e refletirmos sobre os propósitos práticos desse estudo em construção coletiva, de articular espaços para debate, constituição e acompanhamento de propostas de cursos de Educação Profissional integrada à EJA que atendam as expectativas por formação de pessoas jovens e adultas, de coletivos sociais, de gênero, étnicos, e de classe. 3.1 EJA E FORMAÇÃO PARA O TRABALHO: REFLEXÕES INICIAIS A Educação de Jovens e Adultos, EJA e a sua interface com a formação para o mundo do trabalho no Brasil é marcada pelas contradições da educação como construto social que se configura, entre outros aspectos, ao longo da história do país, desde o período da colonização, na constituição dos interesses de dominação e manutenção do poder do Estado, nas relações de subjugação entre classes, nos interesses do capital. Está inscrita em um histórico de inexistência até o recorrente processo de negação de direitos sociais que marca a vida de pessoas jovens, adultas e idosas como consequência de sua condição de pobreza. Ao mesmo tempo, a relação entre trabalho e EJA é tecida no movimento de resistência e luta por direitos de homens e mulheres de grupos sociais historicamente excluídos, pessoas pobres, negras, periféricas, do campo e da cidade. Assim, a educação ganha dimensão de „prática indispensável aos seres humanos., conforme preconizado nas palavras de Freire (2001, p. 10): Como processo de conhecimento, formação política, manifestação ética, procura da boniteza, capacitação científica e técnica, a educação é prática indispensável aos seres humanos e deles específica na História como movimento, como luta. A História como possibilidade não prescinde da controvérsia, dos conflitos que, em si mesmos, já engendrariam a necessidade da educação. Tendo nosso estudo centralidade nas expectativas por formação de sujeitos jovens e adultos, com base na legitimação de direitos das pessoas excluídas e dos setores populares, as nossas reflexões sobre uma abordagem sociohistórica da EJA e a Educação Profissional no Brasil se depara inicialmente com a necessidade de problematizarmos as implicações da relação entre educação e pobreza no país. A pobreza, não é refletida aqui como consequência da falta de educação da população, mas ao contrário do que o “cientificismo economicista tem insistido nos últimos anos” (FRIGOTTO; CIAVATTA; RAMOS, 2009, p. 1308) de que os países periféricos ou semiperiféricos e os grupos socialmente excluídos, pobres e de baixa renda estão nessa situação porque têm baixa escolaridade, consideramos a relação inversa: a de que as pessoas têm baixa escolaridade e educação profissional precária porque são pobres. A pobreza no Brasil é gerada no processo histórico de colonização, no cenário de exploração econômica para enriquecimento de Portugal, tendo como mediador das relações socioeconômicas, o movimento mercantil, incluindo como determinantes vários componentes, a exemplo das relações sociais de dominação e de posse, da exploração econômica na natureza das relações de acumulação e regimes de propriedade, e a organização e relação social do trabalho e das unidades de produção (AMARAL LAPA, 1982). De acordo com Sales (1994), a matriz colonial baseada nas relações de mando e subserviência, cuja manifestação primeira se deu no âmbito do grande domínio territorial que configurou a sociedade brasileira nos primeiros séculos de sua formação, características do período patrimonialista e escravocrata, criou uma herança de dominação excludente, produzindo uma sociedade permeada pelas relações autoritárias de poder, estruturada em uma cultura histórica e política que resultou na reprodução da desigualdade social, e que deu origem a uma severa estratificação de classes sociais. No contexto de exploração que resultou na geração de pobreza no Brasil, a educação foi conduzida inicialmente pela igreja católica para manter o regime vigente, tendo, segundo Freitag (1980), as escolas jesuítas as funções de reprodução das relações de dominação da sociedade escravocrata e a reprodução da ideologia dominante dos colonizadores com a inculcação do cristianismo e da cultura europeia. No âmbito da qualificação profissional muitas práticas educacionais eram desenvolvidas para pessoas adultas para manutenção da economia colonial, inicialmente voltada para indígenas e depois para pessoas negras escravizadas, como nos indica Haddad e Di Pierro (2000, p. 109): A ação educativa junto a adolescentes e adultos no Brasil não é nova. Sabe- se que já no período colonial os religiosos exerciam sua ação educativa missionária em grande parte com adultos. Além de difundir o evangelho, tais educadores transmitiam normas de comportamento e ensinavam os ofícios necessários ao funcionamento da economia colonial, inicialmente aos indígenas e, posteriormente, aos escravos negros. Mais tarde, se encarregaram das escolas de humanidades para os colonizadores e seus filhos. Nesse período, marcado pela exploração da força do trabalho escravo de pessoas negras, indígenas e homens e mulheres livres pobres para o funcionamento da economia com predominância na base de agroindústria açucareira, o ensino para a população trabalhadora limitava-se a prática de ofícios de atividades manuais, que tomava a conotação de trabalho desqualificado (MANFREDI, 2002). Esse preconceito ao trabalho manual marca a história da educação no Brasil inscrita no âmbito da formação profissional com a dualidade entre trabalho manual, associada à formação para os pobres e trabalho intelectual, com formação para funções de mando das elites. Com a expulsão dos jesuítas do Brasil em 1759, a política educacional adotada pelo período pombalino desenhou-se exclusivamente para os homens filhos dos colonizadores portugueses, excluindo mulheres, pobres, indígenas e pessoas negras. De acordo com Haddad e Di Pierro (2000) com a desorganização do ensino dos jesuítas vigente até então, somente no Império encontra-se informações sobre ações educativas no campo da Educação de Adultos. Um dos elementos está associado ao dispositivo legal do direito à educação, instituído na primeira Constituição Brasileira de 1824, que estabeleceu a instrução primária a todos os cidadãos, o que implicitamente incluía pessoas adultas. No entanto, a realidade no final do império em que 82% da população com mais de cinco anos era analfabeta demonstra que o direito a escolarização básica não passou de inscrição legal. Nesse contexto, a estrutura social de segregação de pessoas negras, indígenas, mulheres e pobres com a prioridade da educação para a elite são fatores condicionantes para a não garantia da escolarização para todas e todos. Essa distância entre o proclamado e o realizado foi agravada por outros fatores. Em primeiro lugar, porque no período do Império só possuía cidadania uma pequena parcela da população pertencente à elite econômica à qual se admitia administrar a educação primária como direito, do qual ficavam excluídos negros, indígenas e grande parte das mulheres. Em segundo, porque o ato adicional de 1834, ao delegar a responsabilidade por essa educação básica às Províncias, reservou ao governo imperial os direitos sobre a educação das elites, praticamente delegando à instância administrativa com menores recursos o papel de educar a maioria mais carente. O pouco que foi realizado deveu-se aos esforços de algumas Províncias, tanto no ensino de jovens e adultos como na educação das crianças e adolescentes (HADDAD; DI PIERRO, 2000, p.109). No âmbito da educação profissional, a Constituição de 1824 estabeleceu o fim das corporações de ofício, entidades que representavam uma das principais instâncias de organização e formação da mão de obra especializada no período colonial, passando o ensino de arte e ofícios a ser assumido por sociedades civis (LUZ, 2016). As instituições de ofícios de caráter assistencialista eram mantidas pela igreja, pelo Estado, com doações de fazendeiros, nobres e comerciantes. Segundo Cunha (2000) essas sociedades criaram e mantiveram os Liceus de Artes e Ofícios, como o do Rio de Janeiro (1858), de Salvador (1872), do Recife (1880), de São Paulo (1882), de Maceió (1884) e de Ouro Preto (1886). Entre outras atividades foram desenvolvidas iniciativas de instrução de ofícios para jovens e crianças pobres em atividades desenvolvidas em hospitais, cais portuário e arsenais da marinha e da guerra. Nesse período (1840-1856) foram criadas as casas de educandos artífices mantidas pelo Estado, para o ensino das primeiras letras e de trabalhos manuais a crianças e jovens que estavam na condição de mendicância e que viviam perambulando pelas ruas (MANFREDI, 2002). Nesse contexto em que a escola básica para população pobre tanto para crianças, como para pessoas jovens e adultas estava renegada as iniciativas das províncias, a educação profissional no período entre império e primeira república centrou-se em iniciativas assistencialistas para, como nos diz Moura (2007, p.6), “amparar os órfãos e os demais desvalidos da sorte”, ou seja, de atender aquelas pessoas que “não tinham condições sociais satisfatórias, para que não continuassem a praticar ações que estavam na contra-ordem dos bons costumes”. Associada a isso estava a formação de força de trabalho “diretamente ligada à produção: os artífices para as oficinas, fábricas e arsenais” (MANFREDI, 2002, p. 75), cumprindo a política educacional de manutenção da ordem política e econômica e a legitimação da estrutura social excludente. Considerando a realidade da sociedade escravocrata em que a população em regime de escravidão era proibida de frequentar escolas básicas e profissionais como os liceus, não podemos ignorar o movimento de resistência vivenciado por esse povo por meio da Educação de Adultos e a sua relação com o trabalho, conforme nos indica Lucindo (2016, p.308): Por muito tempo, a historiografia da educação se limitava a informar que escravizados não podiam frequentar escola e dava ênfase à educação popular na Primeira República. No entanto, as mudanças historiográficas sobre a escravidão permitiram que se vislumbrasse a participação de escravizados no mundo letrado, seja em suas atividades de trabalho, práticas religiosas e em ações de resistências. Como propomos refletir dialeticamente sobre a história, buscamos entender como se dava a relação da educação com a população negra nesse período, ou registro de algum movimento de resistência e estratégia para ingresso na escola no Brasil. Encontramos exemplos como o da então província de Minas Gerais que mesmo com a proibição de frequência de pessoas escravizadas, pesquisa realizada a partir dos dados censitários de 1831 indica que as pessoas negras estavam presentes nas escolas elementares mineiras, compondo a ampla maioria do alunado, cerca de 70%. Movimento de afirmação de liberdade de pessoas negras livres e de ocupação da escola como espaço social, conforme indica Fonseca (2016, p. 47): Uma das formas de afirmação se dava através da inserção de crianças nas escolas de instrução elementar, que eram instituições proibidas aos escravos, mas não aos negros de condição livre. Estratégias semelhantes podem ser encontradas em diferentes períodos. Isso revela um protagonismo dos negros, indicando que estes não deixaram de contabilizar a educação como um elemento de formação e afirmação no espaço social. Segundo Galvão e Soares (2005) o acesso à leitura e à escrita era para as pessoas escravizadas elemento essencial na luta pela conquista dos direitos civis, até porque a leitura possibilitava acesso às leis e aos contratos, então mesmo que fossem proibidas de frequentar as escolas oficiais, essas pessoas criavam estratégias para acesso ao ensino oficial, e tendo ou não acesso á escola, havia movimentos de resistências com a organização em redes sociais onde a escrita estava presente, denominadas pelos autores de redes de aprendizagens informais. Ainda nesse exercício de buscar a resistência representada pela Educação de Adultos para além do imposto no sistema estatal, encontramos no período do império na educação profissional em que grande parte das experiências eram coordenadas pela sociedade civil, iniciativas como a da Sociedade dos Artistas Mecânicos e Liberais de Pernambuco, formada por um grupo de carpinteiros que trabalhavam juntos numa obra de um dos bairros próximos ao centro do Recife, com objetivo de atender aos interesses dos profissionais dos ofícios mecânicos que atuavam na cidade, tomando como eixo central o campo educacional. De acordo com seu livro de registros, datado do ano oficial de sua fundação (1841), a associação contava com um total de 155 membros, entre jovens e adultos, quase todos pernambucanos e moradores dos bairros Santo Antônio, São José e Boa Vista, na cidade do Recife. Entre os membros inscritos nesse livro de matrículas, 143 constavam como pretos, mulatos e pardos, o que nos levou a concluir que a Sociedade dos Artistas Mecânicos e Liberais de Pernambuco (ao menos no período ao qual se remete esta pesquisa) era uma associação com fins educacionais, de fato organizada e composta por trabalhadores negros em pleno sistema escravista da primeira metade do século XIX (LUZ, 2016, p. 123-124). Além da profissionalização e sobrevivência de mestres e aprendizes de ofícios específicos, entre os quais, carpinteiros, pedreiros, marceneiros e tanoeiros, a entidade ainda se afirmaria por seu trabalho no campo educativo, na difusão da leitura e da escrita entre os trabalhadores da época, principalmente entre os negros (livres ou escravos), que constituíam grande parte desse contingente. Esse movimento de um grupo de pessoas negras reunidas em torno de um projeto educacional para os seus pares se inscrevia num movimento de resistência já que para a sociedade da época escrever era um sinal indiscutível de civilização e as pessoas africanas e negras eram subjugadas no universo da barbárie e da pré-escrita, como nos aponta Luz (2016, p.136): [...] Mesmo que a intenção não fosse promover uma rebelião armada, a provocação não foi menos contundente, pois atingia todo um conjunto de representações negativas que se estabelecera sobre a população negra e sobre alguns elementos a ela relacionados naquele momento, que tinham como objetivo justificar a própria existência do escravismo. Iniciativas como essa relacionada à EJA e ao mundo do trabalho são tomadas para demarcar além dos processos históricos de exclusões desses coletivos de classes populares, a afirmação desses grupos sociais como sujeitos em movimento na busca de transformar o cotidiano. Ainda no Brasil império, em cenário de políticas educacionais excludentes, a Educação de Adultos se inscreve com a implantação em 1860 das primeiras escolas noturnas e registro de aulas noturnas para pessoas adultas em todas as províncias do império tendo em 1876, 117 escolas em iniciativas particulares ou da administração da província. As ideias que justificavam tal criação variavam bastante. O presidente Abel Graça do Pará ao cria-las em 1871 colocava entre as suas vantagens a delas permitirem “que os escravos recebam alguma instrução, o que é de grande alcance na época em que os poderes públicos trabalham na importante obra de emancipação do elemento servil”; no Maranhão, entretanto ela deveria servir para que o homem do povo compreendesse melhor os seus direitos e deveres e para que amenizassem os costumes; em outras partes estiveram ligadas ao ensino profissional (PAIVA, 1987, p. 167). Ainda de acordo com Paiva (1987) essas escolas noturnas não sobreviveram por muito tempo extinguindo-se em grande número por não corresponder à demanda ou pressão pela ampliação das oportunidades educativas para pessoas adultas. 3.2 CONCEPÇÃO DO ANALFABETISMO: “HOMENS INCAPAZES” Em evidente contradição, o debate sobre a escolaridade de pessoas adultas ganha destaque a partir do dispositivo legal de negação civil e social da pessoa analfabeta com a instituição da Lei Saraiva em 1881 que proibiu o voto dos homens que não sabiam ler escrever. Neste movimento de forte entendimento do poder e condição social da escolarização, a restrição ao voto que até então era determinado em bases econômica e social, considerando-se as posses dos indivíduos, além de restrição por gênero (mulher não tinha direito a voto), adiciona o critério de instrução, demarcando e aprofundando a concepção da pessoa analfabeta como ignorante e incapaz (PAIVA, 1987). Concepção marcada na história da Educação de Jovens e Adultos no Brasil que precisa ser enfrentada até os dias atuais. Nesse período que marca a transição do Brasil-Império para o Brasil-República, o analfabetismo era tido pelos sanitaristas e higienistas, conforme Galvão e Soares (2005, p.263) como “calamidade pública” e para os intelectuais da época cabia as “elites esclarecidas” papel determinante no processo de regeneração do país pela educação. Assim, surgiram em 1910 as ligas contra o analfabetismo que, de acordo com Paiva (1987), objetivavam à imediata supressão do analfabetismo e o voto do analfabeto em um campo de disputa pelo poder que se formava no cenário político econômico entre o grupo agrário- comercial e o industrial-urbano. No início do período republicano, a alfabetização e a instrução elementar do povo ocuparam lugar de destaque nos discursos de políticos e intelectuais, que qualificavam o analfabetismo como vergonha nacional e creditavam à alfabetização o poder da elevação moral e intelectual do país e de regeneração da massa dos pobres brancos e negros libertos, a iluminação do povo e o disciplinamento das camadas populares, consideradas incultas e incivilizadas. Pouco, porém, foi realizado nesse período no sentido de desencadear ações educativas que se estendessem a uma ampla faixa da população (UNESCO, 2008, p. 24). A formação profissional mantém nesse período a característica assistencialista, com o caráter moralizante e regenerador das pessoas pobres e desvalidas para manutenção da ordem social, mas ganha outra configuração com a criação de Escola de Aprendizes e Artífices e o ensino agrícola com foco na formação de mão de obra para atender aos interesses do capital que emergiam no âmbito da agricultura e da indústria. O aprofundamento da proposta de educação profissional inserida no processo produtivo, com a consolidação das Escolas de Aprendizes Artífices acentua a perspectiva dual entre a educação profissional e a educação geral, tendo cursos propedêuticos como caminho para o ensino superior, para a elite, e a formação profissional para a classe trabalhadora pobre, como indica Kuenzer (1999, p. 89): Para os primeiros, a formação acadêmica, intelectualizada, descolada de ações instrumentais; para os trabalhadores, formação profissional em instituições especializadas ou no próprio trabalho, com ênfase no aprendizado, quase que exclusivo, de formas de fazer a par do desenvolvimento de habilidades psicofísicas. Em um momento em que emergem muitas discussões sobre o papel da educação no Brasil, surgem reformas no âmbito da educação básica, mas sem ação eficaz que diminuísse os altos índices de analfabetismo. Segundo Haddad e Di Pierro (2000, p. 109), mesmo com o “descompromisso da União em relação ao ensino elementar” com a responsabilidade do 46 ensino básico atribuído às províncias e municípios a partir do modelo federativo instituído pela Constituição de 1891, o período da primeira república foi marcado pela grande quantidade de reformas educacionais no âmbito legal com preocupação na precariedade do ensino básico, mas com a ausência de dotação orçamentária as propostas não se consolidaram, tanto que o censo de 1920 registra 72 % da população analfabeta. No contexto histórico de tensionamentos de movimentos de educadores e da população para melhorias na educação e ampliação do acesso à escola, a partir da década de 1920, começou “estabelecer condições favoráveis à implementação de políticas públicas para a educação de jovens e adultos” (HADDAD; DI PIERRO, 2000, p. 110), com a exigência de que o Estado se responsabilizasse pela oferta dessa educação. Esse processo de reflexão que se configura na gênese da educação de jovens e adultos como política pública no Brasil está associado às mudanças sociais que se desenhavam com a aceleração da urbanização e à industrialização que aprofundava a necessidade de qualificação de mão-de-obra, no capitalismo que estava em consolidação no país, conforme veremos a seguir. 3.3 POLÍTICA ESTATAL: INSTITUCIONALIZAÇÃO DA EJA E DA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL A partir do Estado Novo (1930-1945), iniciado com o regime ditatorial de Vargas, o funcionamento do sistema educacional passou a ser regulamentado pelo Estado, com a gratuidade e obrigatoriedade do ensino primário e a instituição do ensino profissionalizante por meio das escolas técnicas profissionalizantes voltadas, de acordo com Freitag (1980, p. 52), “às classes menos favorecidas”. Na reflexão da autora, a razão principal dessa abertura foi atender a necessidade de formação de força de trabalho em um contexto marcado por mudanças estruturais na economia com a crise cafeeira, mudanças no modelo de substituição das importações e o fortalecimento da produção industrial. Nesse período a Educação de Adultos é reconhecida pela primeira vez em Plano Nacional de Educação, incluindo previsão de recurso para o Ensino Supletivo (instituído pelo Convênio Estatístico de 1931), com a criação do Fundo Nacional do Ensino Primário (FNEP), regulamentado em 1945 com vultosos recursos para educação dos adolescentes e adultos e a elaboração do Plano de Ensino Supletivo para Adolescentes e Adultos Analfabetos, em 1947. Para Haddad e Di Pierro (2000, p. 111), a expansão de oportunidades educacionais por parte 47 do Estado, além de servir como mecanismo de acomodação das crescentes tensões entre as classes sociais urbanas, atendia “ao fim de prover qualificações mínimas à força de trabalho para o bom desempenho aos projetos nacionais de desenvolvimento”. No contexto de interesses econômicos e políticos das forças da elite representada principalmente pelos cafeicultores e industriais que defendiam um executivo forte para fortalecer as suas bases econômicas, seja com a compra dos excedentes de café pelo Estado ou com os investimentos para que as indústrias continuassem crescendo, o problema do analfabetismo e da Educação dos Adultos (EA) concentra atenção, especialmente, diante dos resultados do Censo de 1940 que indicava altos índices de analfabetismo no Brasil (55 % de pessoas analfabetas nas idades de 18 anos ou mais). Assim, de acordo com Paiva (1987) a atenção para o problema do analfabetismo dava-se em face da orientação quantitativa da política educacional do Estado Novo voltada para uma força de trabalho treinada para a industrialização e um maior controle social. Após a democratização, o período foi marcado pelas primeiras iniciativas nacionais no âmbito da Educação de Adultos com o Serviço de Educação de Adultos e a Campanha de Educação de Adultos e Adolescentes (CEAA), e a Campanha Nacional de Educação Rural (CNER), como encaminhamento do primeiro Congresso Nacional de Educação de Adultos. Na prática, ocorria uma alfabetização em três meses e o curso primário em dois períodos de sete meses; no período seguinte as ações voltavam-se para o desenvolvimento comunitário e para o treinamento profissional. Pretendia-se estimular o desenvolvimento social e econômico, através de um processo educativo que supostamente poderia promover a melhoria das condições de vida da população (VENTURA, 2001, p. 4). A CEAA que se estendeu até meados de 1950 foi concebida com objetivo de melhorar as taxas de alfabetismo e combater a migração no país com elevada população rural. Esse propósito ruralista, segundo Paiva (1987), estaria mais ligado ao equilíbrio eleitoral no interior que ao combate da migração, resultando em pouca adequação do ensino às condições de vida rural. Em meio a um conjunto de decretos-leis conhecidos como Leis Orgânicas da Educação Nacional, estruturando a educação básica e superior foram instituídas, na Reforma Capanema3, leis específicas para a formação profissional a exemplo da Lei Orgânica do Ensino Secundário; Lei Orgânica do Ensino Industrial; Lei Orgânica do Ensino Comercial; 3 Reforma Educacional Brasileira no Estado Novo faz referência ao então ministro da Educação e Saúde do governo Vargas, Gustavo Capanema. Lei Orgânica do Ensino Normal e; Lei Orgânica do Ensino Agrícola. Nesse ensejo foi criado também o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial – SENAI, por meio do Decreto-lei 4.048/1942 dando origem ao Sistema “S”. De acordo com Moura (2007) o ensino profissional com cursos normal, industrial técnico, comercial técnico e agrotécnico tinha equivalência ao nível e duração do colegial (hoje ensino médio), mas não habilitavam para ingresso ao ensino superior, o que acentuava a dualidade da educação entre formação geral e profissionalizante. Também importa ressaltar que a criação do SENAI, em 1942, seguida do SENAC, em 1946, e dos demais “S” ao longo das décadas seguintes, revelam a opção governamental de repassar à iniciativa privada a tarefa de preparar “mão-de-obra” para o mundo produtivo. Assim, a partir dessa lógica, o ensino secundário e o normal formariam as elites condutoras do país e o ensino profissional formaria adequadamente os filhos de operários para as artes e os ofícios. Portanto, ratifica-se o caráter dualista da educação e a sua função reprodutora da estrutura social (MOURA, 2007, p. 9). Assim, a institucionalização da Educação de Adultos e a Educação Profissional como política pública no Brasil vão sendo conduzidas nesse período por meio de campanhas de alfabetização e na constituição de um sistema de formação paralelo de preparação para o mercado de trabalho, sob a responsabilidade da iniciativa privada, reduzindo as trabalhadoras e trabalhadores e aos seus filhos e filhas o limite da aprendizagem das primeiras letras e a reprodução da força de trabalho, como afirma Almeida e Corso (2015, p. 1286): [...] configurava-se uma política educacional dualista, que reduzia ao limite das primeiras letras a trajetória escolar dos trabalhadores e de seus filhos, atendendo precariamente às demandas crescentes de inclusão no sistema educacional, complementada por um ensino profissionalizante paralelo (Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial – SENAI e Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial – SENAC) comandado pelo empresariado, que atribui a si a função de formação técnico-política da classe operária engajada no mercado de trabalho. Nesse sentido, Freitag (1980) reflete que a política educacional do Estado Novo visava transformar o sistema educacional em um instrumento mais eficaz de manipulação das classes subalternas. A abertura de „chance. para as pessoas totalmente excluídas do sistema educacional integraria medida política tomada no interesse do desenvolvimento das forças produtivas, beneficiando diretamente setores privados da indústria. E assim, o sistema educacional do período reproduzia em sua dualidade a dicotomia da estrutura de classes do capitalismo em consolidação, camuflada atrás de uma ideologia paternalista. A partir desse período com a intensificação do capitalismo industrial no país, as políticas desenvolvidas pelo Estado tanto na educação profissional como no âmbito da educação para pessoas jovens e adultas eram voltadas para preparar mão de obra para o mercado em expansão e, em outra frente, aumentar o contingente eleitoral. Assim, de acordo com Almeida e Corso (2015), restava aos excluídos e as excluídas do sistema regular de ensino e do sistema educacional paralelo de ensino profissionalizante, as campanhas de alfabetização em massa. Esse cenário, marca a Educação de Jovens e Adultos também no contexto de resistência. De acordo com Paiva (1987), ainda durante o Estado Novo, após o anúncio da democratização e a abertura política, em 1943, diversos grupos aumentaram o seu interesse pela Educação de Adultos surgindo movimentos como as Universidades Populares vinculadas a instituições de ensino e bibliotecas; a ampliação de sistemas de ensino destinados ao pessoas adultas em alguns municípios mais prósperos no interior do país com foco para difusão cultural, e a organização dos Comitês Democráticos nos municípios e bairros das grandes cidades mobilizados pelo Partido Comunista com reivindicações centradas nos problemas educativos. A mobilização em movimentos como os de alfabetização com o objetivo de conscientização na escolha dos representantes políticos, considerando a negação pelo Estado do direito do voto ao analfabeto, e uma serie de inciativas e criação de espaços culturais e debates em torno de problemas de interesses populares, marcaram a atuação dos comitês, numa antecipação dos futuros movimentos de cultura popular, como os protagonizados pelo educador Paulo Freire. 3.4 I LDB E II CONGRESSO NACIONAL DE EDUCAÇÃO DE ADULTOS: MARCO HISTÓRICO DA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL E DA EJA O período em que se inscreve a fase de democratização do país, de 1945 até o início dos anos 60, foi marcado por conflitos entre modelos de desenvolvimento. Segundo Freitag (1980), o período corresponde à aceleração e diversificação do processo de substituição de importações e crescimento da indústria nacional em contexto de mudanças provocadas pela segunda guerra e no processo de pós-guerra com a entrada do capital estrangeiro no país. No âmbito político, se constituía o Estado populista-desenvolvimentista representado pela aliança entre o empresariado -com interesse na expansão do processo de industrialização capitalista, e setores populares que buscavam maior participação econômica e nas decisões políticas. A aliança começa a se fragmentar tendo entre os motivos: as pressões distributivas das massas oprimidas por pequenos salários, em pautas cada vez mais difícil de harmonizar-se com a lógica de lucro das empresas e as necessidades de acumulação; o fato de parte da classe média empobrecida com a inflação sentir-se excluída dos processos decisórios do Estado; e o capital estrangeiro perceber nesse modelo que permite uma crescente participação das massas, uma barreira para o seu objetivo de absorção do mercado interno, conforme elenca Freitag (1980, p. 55-56): Começa-se a delinear-se, no fim do período, uma nova polarização: de um lado os setores populares, representados, até certo ponto, pelo Estado e por alguns intelectuais da classe média, e de outro, um amálgama heterogêneo que compreendia grandes parcelas da classe média; da chamada burguesia nacional; do capital estrangeiro monopolista e das antigas oligarquias. Nesse contexto a política educacional foi se desenhando em meio ao debate sobre a Lei de Diretrizes de Bases da Educação Nacional prevista pela Constituição de 1946. A LDB teve o primeiro projeto elaborado em 1948, com um substitutivo em 1957 e aprovação só em 1961. O primeiro projeto propõe a extensão da rede escolar gratuita tanto nos níveis primário como no secundário e a equivalência dos cursos de níveis médios, tanto os profissionalizantes como o propedêutico. A proposta foi engavetada e, após várias emendas, um substitutivo foi encaminhado à Câmara propondo que a educação fosse predominantemente ministrada por instituições particulares e somente de forma complementar pelo Estado (FREITAG, 1980), sob a justificativa de garantir aos pais a liberdade na escola do ensino para os filhos. Essa última proposta gerou reação entre os intelectuais e educadores e culminou em mobilização nacional em defesa do ensino público. Em 1948 o Ministro Clemente Mariani encaminha o primeiro projeto-de-lei que fazia algumas concessões às classes trabalhadoras, propondo a extensão da rede escolar gratuita até o secundário e criando a equivalência dos cursos de nível médio, mediante prova de adaptação. Mas este projeto foi engavetado. Em 1957, outro projeto-de-lei, chamado de “Substitutivo Lacerda”, ao contrário, propunha que a sociedade civil assumisse o controle da educação, pregando, portanto a privatização do ensino. A educação seria financiada pelo Estado, mas este não poderia fiscalizá-la. Alegava-se então a chamada “liberdade de ensino”. A reação a esse projeto por intelectuais e educadores culminou em 1959 com o „Manifesto dos Educadores.. Era a segunda grande campanha nacional em defesa do ensino público e gratuito (GADOTTI, 1988, p. 113). O aprofundamento do debate sobre a LDB no decorrer 1950 reflete as contradições e confrontos de forças que formavam a sociedade brasileira da época. Segundo Freitag (1980), já ultrapassada pelas tendências de internacionalização do mercado interno quando entrou em vigor, a lei aprovada procurou estabelecer um compromisso entre interesses de uma burguesia nacional e os interesses das frações de classe mais tradicional ligadas ao capital internacional. A lei foi omissa quanto à gratuidade do ensino fixada pela constituição de 1946; garantiu aos setores privados o direito de ministrar o ensino em todos os níveis, e a possibilidade do Estado de subvencionar as escolas particulares. No que tange ao ensino profissional, a LDB trouxe em termos legais um avanço com a equivalência dos cursos de nível médio que implicaria formalmente no fim da dualidade entre “cursos propedêuticos para as classes dominantes e os profissionalizantes para as classes dominadas” (FREITAG, 1980, p. 58), mas na prática essa dualidade permaneceria, tendo entre as razões a lei permitir ao setor privado o controle do ensino médio, criando uma barreira para a formação da educação geral no nível médio pelas camadas populares, como explica Moura (2007, p. 11): É importante frisar que essa dualidade só acabava formalmente já que os currículos se encarregavam de mantê-la, uma vez que a vertente do ensino voltada para a continuidade de estudos em nível superior e, portanto, destinada às elites, continuava privilegiando os conteúdos que eram exigidos nos processos seletivos de acesso à educação superior, ou seja, as ciências, as letras e as artes. Enquanto isso, nos cursos profissionalizantes, esses conteúdos eram reduzidos em favor das necessidades imediatas do mundo do trabalho. Nesse período, a Educação de Adultos tem como marco histórico a realização, em 1958, do II Congresso Nacional de Educação de Adultos. Antecedido por seminários regionais, o congresso trouxe reflexões críticas sobre a política nacional adotada até então por meio de campanhas de alfabetização, e evidenciou uma nova concepção sobre a educação para pessoas adultas proposta pela delegação pernambucana que tinha entre os membros, o educador Paulo Freire. Além de expor as fragilidades da Campanha de Educação de Adolescentes e Adultos (CEAA) que entrava em declínio após êxito nos primeiros anos, com discussões sobre precariedade dos prédios escolares, inadequação dos métodos de ensino, falta de qualificação docente (ALMEIDA; CORSO, 2015), a provocação da delegação pernambucana trouxe para o centro do debate com a temática A Educação dos Adultos e as Populações Marginais: o problema dos mocambos, a concepção de uma educação problematizadora, construída no diálogo entre educadoras e educadores e educandas e educandos que considerasse a dimensão humana da educanda e do educando como ser sujeito de sua história, em reflexões sobre práticas educativas compromissadas com a transformação social. Em cenário de contradições, o congresso foi palco da luta política e ideológica travada entre os grupos pelo modelo de sociedade e de educação que defendiam. Apesar de prevalecer nos debates alternativas em torno de uma educação para pessoas adultas em consonância com os ideais que seriam preconizados mais tarde por Freire como educação libertadora, a carta de princípios solicitada pelo presidente da república não foi redigida com base nas conclusões do congresso, demonstrando que elementos conservadores presentes ao congresso predominaram na comissão de redação. Um dos exemplos dessa contradição entre as conclusões do congresso e a sua Carta de Princípios envolveu as discussões em torno da LDB, como afirma (PAIVA, 1987, p. 213): [...] vemos refletida aí a luta que se desenrolava em torno da discussão no Parlamento do projeto da LDBEN [...] A defesa do privatismo no debate da LDB, embora de caráter geral, referia-se concretamente ao ensino secundário e não ao ensino fundamental (como é o caso da educação de adultos). No II Congresso, entretanto essa posição foi defendida no caráter geral e a carta de princípios indicava ao governo o caminho da subvenção aos movimentos privados. A participação política das massas e a sua promoção, que tanto relevo haviam recebido nas discussões, não mereceu na carta a mesma atenção; seus redatores mostravam-se mais preocupados com a permanência de “valores morais e espirituais” a serem preservados através da educação. Apesar desse impasse a carta de princípios, que representava pensamento minoritário, não teve muita influência no período após o congresso. O conceito de pessoa analfabeta como ser com cultura ineficiente já era confrontado e ganhava destaque a concepção defendida pelos pernambucanos, desde o seminário regional preparatório ao congresso, de que o trabalho educativo deve ser feito com a educanda e o educando e não sobre ou para ela e ele, com a sua participação em todos os momentos, considerando a inserção da pessoa adulta nos espaços e sociedade em que vive. 3.5 A EJA EM MOVIMENTOS DE CULTURA POPULAR: PRONÚNCIA DO MUNDO Em um contexto de intensa turbulência política entre os anos de 1959 -1964, a história da Educação de Adultos ganha novas concepções e dimensões pedagógicas no confrontar de ideias sobre preconceitos contra a pessoa analfabeta e na busca pela definição de características específicas para educação de pessoas adultas. Nesse período marcado por movimentos de cultura popular, a Educação de Adultos é elevada à condição de Educação Política como espaço popular de luta por direitos que acabou revelando alternativas autônomas com experiências da Educação Popular. A conjuntura que desencadeia esses movimentos é implicada pelo desequilíbrio interno no âmbito da economia que se aprofundara na influência do capital estrangeiro gerando desemprego e desvalorização salarial o que ampliou as tensões e resultou em mobilizações políticas e manifestações populares. Espaço marcado pela mudança na forma de pensar a educação para pessoas adultas em meio a disputa política e ideológica que se formava principalmente entre as propostas do nacional-desenvolvimentismo, do pensamento renovador cristão e do Partido Comunista, com a busca de apoio de grupos e setores populares, conforme afirma Haddad e Di Pierro (2000, p. 113): Nesses anos, as características próprias da educação de adultos passaram a ser reconhecidas, conduzindo à exigência de um tratamento específico nos planos pedagógico e didático. À medida que a tradicional relevância do exercício do direito de todo cidadão de ter acesso aos conhecimentos universais uniu-se à ação conscientizadora e organizativa de grupos e atores sociais, a educação de adultos passou a ser reconhecida também como um poderoso instrumento de ação política. Finalmente, foi-lhe atribuída uma forte missão de resgate e valorização do saber popular, tornando a educação de adultos o motor de um movimento amplo de valorização da cultura popular. Assim, os setores populares ao aprofundarem a reflexão sobre a realidade social nas práticas educativas com pessoas adultas iam construindo caminhos próprios e alternativas para Educação de Adultos no movimento político voltado para a organização, mobilização e conscientização dos seus direitos, ao mesmo tempo em que disputavam os espaços no aparelho do Estado em lutas como a da democratização de oportunidades na educação básica. De acordo com Fávero (1983, p. 9), nas formas de luta popular que surgiram ou se fortaleceram nessa época está o que se chamou de cultura popular como movimento ligado à educação popular que tinha como propósito transformar a cultura brasileira e, “através dela, pelas mãos do povo”, alterar a ordem das relações de poder e a estrutura organizacional do país, tendo entre outros instrumentos, utilizados “com/para/sobre o povo” os círculos de culturas, teatro popular, rádio, cinema e literatura. A educação popular ganha, assim, o sentido preconizado por Brandão (1984, p. 181), como “processo sistemático de participação na formação, fortalecimento e instrumentalização das práticas e dos movimentos populares, com o objetivo de apoiar a passagem do saber popular ao saber orgânico, ou seja, do saber da comunidade ao saber de classe na comunidade”. Entre programas e trabalhos educacionais com pessoas adultas se inscrevem nesse período, o Movimento de Cultura Popular do Recife; Movimento de Educação de Base (MEB), da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil com recurso do governo federal; os Centros Populares de Cultura, ligados a União Nacional dos Estudantes – UNE; e iniciativas desenvolvidas com a coordenação do educador Paulo Freire como a Campanha De Pé no Chão Também se Aprende a Ler, da Secretaria Municipal de Educação de Natal e o Programa Nacional de Alfabetização do Ministério da Educação e Cultura. Para Freire (2011) a experiência de educadores e educadoras e grupos populares levou a definição de que Educação Popular é o processo permanente de reflexão sobre a capacidade de mobilização da militância para atingir a objetivos próprios. Nesse sentido, a prática educativa não se restringe e nem se aprisiona à burocracia de procedimentos da escolarização, mas, ao reconhecer educandos e educandas como sujeitos no processo de aprendizagem está interessada em possibilitar às pessoas, em suas buscas por conhecimentos, também a sua conscientização. A prática educativa, reconhecendo-se como prática política, se recusa a deixar-se aprisionar na estreiteza burocrática de procedimentos escolarizantes. Lidando com processo de conhecer, a prática educativa é tão interessada em possibilitar o ensino de conteúdos às pessoas quanto em sua conscientização. Nesse sentido, a Educação Popular, de corte progressista, democrático, superando o que chamei, na Pedagogia do Oprimido, “educação bancária”, tenta o esforço necessário de ter no educando um sujeito cognoscente, que, por isso mesmo, se assume como um sujeito em busca de, e não como pura incidência da ação do educador (FREIRE, 2011, p.22). Esse movimento da educação popular radicado na educação como prática libertadora traz contribuições fundantes para o pensar a Educação de Jovens e Adultos em todas as suas expressões, por se constituir na gestação de um novo paradigma pedagógico que de acordo com Di Pierro; Joia; Ribeiro (2001, p. 60, grifo nosso), tem centralidade no “diálogo como princípio educativo e a assunção por parte das educandas adultas e dos educandos adultos, de seu papel de sujeitos de aprendizagem, de produção de cultura e de transformação do mundo”. Educação que por presumir dialogicidade funda-se na práxis, expressada na indissociabilidade 55 entre ação e reflexão, associada à condição existencial humana de pronúncia e transformação do mundo (FREIRE, 1987). Assim, ao refletir sobre a Educação de Jovens e Adultos como herdeira da Educação popular, e a sua relação com o trabalho em uma proposta de integração com a educação profissional nos deparamos com a dimensão da educação alicerçada no diálogo entre educadoras e educadores e educandas e educandos como seres humanos sujeitos da história que refletem sobre as formas de opressão e as possibilidades de transformação social. 3.6 DITADURA MILITAR: EJA, EDUCAÇÃO PROFISSIONAL E ESTADO AUTORITÁRIO Nos anos que se seguiram ao golpe militar de 1964, a ruptura política implicou em forte repressão e censura aos movimentos de educação e cultura populares. Líderes dos movimentos, a exemplo de Paulo Freire, foram perseguidos, presos e ou exilados. Educadoras e educadores e pessoal docente de universidades que atuaram nas práticas educativas foram impedidos do exercício de suas funções com direitos políticos cassados. No âmbito da Educação de Adultos e das iniciativas que vinham sendo realizadas em conjunto com o Estado, além da prisão das lideranças os órgãos da repressão censuraram o Programa Nacional de Alfabetização e apreenderam os materiais pedagógicos. A Campanha “De Pé no Chão” teve os trabalhos interrompidos com a Secretaria Municipal de Educação de Natal sendo ocupada pelas forças armadas. O Movimento de Educação de Base foi tendo os princípios transformados com a influência do segmento mais conservador da igreja católica, se distanciando do propósito da educação popular e direcionando a sua atuação mais como um instrumento de evangelização. Mesmo nesse cenário repressivo, a educação popular persistiu como movimento de resistência em diversas práticas educativas de reconstituição e reafirmação de interesses populares. No entanto, eram desenvolvidas de modo quase que clandestino, por contrariar os interesses do regime de exceção, como nos diz Haddad e Di Pierro (2000, p. 113): A repressão foi a resposta do Estado autoritário à atuação daqueles programas de educação de adultos cujas ações de natureza política contrariavam os interesses impostos pelo golpe militar. A ruptura política ocorrida com o movimento de 64 tentou acabar com as práticas educativas que auxiliavam na explicitação dos interesses populares. O Estado exercia sua função de coerção, com fins de garantir a “normalização” das relações sociais. Nesse período, a política de Estado de educação assumia no plano geral a tendência do planejamento educacional, mas, de acordo com Paiva (1987), no âmbito da Educação de Adultos, as decisões oficiais se pautavam predominantemente por critérios políticos e ideológicos para manutenção do poder político e das estruturas socioeconômicas. Assim, se configuraram três das principais ações para Educação de Adultos no regime militar: A Cruzada Ação Básica Cristã (Cruzada ABC), o Movimento Brasileiro de Alfabetização (Mobral) e o Ensino Supletivo, quando da promulgação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional nº 5692/71, resultante da reforma de ensino de 1º e 2º graus. No âmbito da educação profissional, essa reforma de 1971 instituiu o ensino médio de profissionalização compulsória, sob a justificativa de atender as demandas apresentadas pelo mercado de trabalho, o que acabou por se constituir em retrocesso na educação com implicações severas para a formação das classes populares que ficaram privadas de educação básica plena que lhes possibilitasse o acesso ao ensino superior e à cultura geral. A Cruzada ABC, dirigida por evangélicos estadunidenses, nasceu em Recife e, em 1965, ganhou caráter nacional com apoio do governo militar na tentativa de ocupar os espaços dos movimentos da cultura e educação popular. No contexto do capitalismo dependente que se inscrevia o país, com o aprofundamento das disparidades regionais e a desigual distribuição de renda, a cruzada, segundo Almeida e Corso (2015), organizada com financiamento e acordo entre o Ministério da Educação do Brasil (MEC) e a agência americana United States Agency for International Development (USAID), tinha viés assistencialista, com a distribuição de alimentos e, utilizando o discurso da segurança nacional, visava a integração e subordinação ao capital estrangeiro. Como integrante de um programa comprometido com a sedimentação do poder político e das estruturas socioeconômicas, as características da cruzada apontam, na avaliação de Paiva (1987), para o esforço no sentido de anular os efeitos ideológicos dos movimentos de cultura popular e reorientar, por meio da educação, as massas populares. A cruzada trazia uma mensagem de paz por meio da preservação das estruturas e da maior difusão do ensino religioso e tentava amenizar a interferência externa que ela representava com o discurso de defesa da interdependência entre as nações. Dentre as diferenças paradigmáticas existentes entre os movimentos de educação popular e a Cruzada ABC, Paiva (1987, p. 270) destaca: Os supostos teóricos sobre os quais a cruzada calcava as suas atividades opunham-se inteiramente aos movimentos do período anterior. À imagem do povo explorado, ela opunha sua concepção de homem marginalizado pelo sistema como um “parasita econômico”, incapaz de produzir e de ser economicamente útil à Nação; ao homem do povo criador de cultura, opunha uma concepção do homem do povo carente de cultura; a ideia de que o homem explorado deve ser tornado consciente de sua situação social e econômica e de suas causas, ela opunha a ideia de integração do homem do povo na multidão a fim de que ele colaborasse no esforço de desenvolvimento do sistema social e econômico vigente. A partir dessas concepções que se opunham a qualquer movimento de educação libertadora com base nos pressupostos da pedagogia freiriana, a Cruzada servia de modo assistencialista aos interesses do governo militar tornando-se, nas palavras de Haddad e Di Pierro (2010, p. 114), “praticamente, um programa semi-oficial”, com funcionamento até 1971. Já em 1967, o Movimento Brasileiro de Alfabetização foi criado como Fundação MOBRAL, por meio do trabalho de um grupo interministerial para estudo e levantamento de recursos destinados à alfabetização, inicialmente como alternativa a cruzada ABC que recebia críticas de muitos setores, motivadas, entre outros aspectos, pela característica assistencialista, orientação estrangeira e religiosa, desconhecimento da realidade nacional e emprego inadequado dos recursos. Foi atribuída ao Ministério da Educação a tarefa da alfabetização funcional e educação continuada de pessoas adultas, a ser realizada pelo Mobral que seria presidida pelo diretor do Departamento Nacional de Educação (DNE). A fundação teria entre os objetivos promover a educação de pessoas adultas analfabetas financiando 1/3 do seu custo, orientar tecnicamente cursos de 9 meses para pessoas entre 15 e 30 anos, com prioridade oferecida aos municípios com maiores possibilidades de desenvolvimento socioeconômico e cooperar com movimentos isolados de inciativa privada ( PAIVA, 1987). Pouco se desenvolveu nos dois primeiros anos do Mobral. No final dessa década, contudo, observa-se mudanças na orientação da política interna brasileira motivada, segundo Haddad e Di Pierro (2010), pelo maior endurecimento do governo militar que desvencilhou o Mobral de propostas de caráter técnico e buscou a constituição de um programa que além de conter as massas ao dar uma resposta aos que estavam à margem do sistema escolar, atendesse aos objetivos políticos de conformação do regime militar. Assim, o Mobral foi desvinculado do programa do DNE e tornou-se uma entidade executora independente que lançou uma campanha de massa para alfabetização de pessoas adultas com recursos amplos advindos de 24 % da renda líquida da Loteria Esportiva e da opção voluntária de 1% do Imposto de Renda devido pelas empresas à Fundação Mobral. Para articular esse financiamento junto ao empresariado o governo propagandeou o Mobral como instrumento que livraria o país da chaga do analfabetismo por meio de uma intervenção ideológica capaz de assegurar a estabilidade do status quo, com a garantia da oferta às empresas de mão-de-obra alfabetizada (Paiva, 1987). Nesse sentido, Freitag (1980) destaca que a institucionalização e financiamento do Mobral atendia a medida de cooptação e contenção do operário para a manutenção do regime imposto, e se caracterizava por refletir a ideologia da educação como investimento combinada à ideologização ao nível político de moral e cívica, com a alfabetização assumindo explicitamente a função ideológica de inculcar no operariado valores do capitalismo no regime autoritário. Esses valores do capitalismo estavam bem claros na orientação do material didático do Mobral. De acordo com Paiva (1987), o material associava o incentivo ao esforço individual para vencer na vida ao estímulo à adaptação a padrões de vida modernos, levando as alfabetizandas e os alfabetizandos ao conhecimento de novas possibilidades de consumo, o que aponta para o fortalecimento do modelo industrial-urbano voltado para os padrões capitalistas de produção e consumo: Em meados da década, a população urbana brasileira já havia se tornado maior que a população rural e a urbanização deixara de ser vista como um perigo, passando a ser interpretada como o caminho inevitável dos países em modernização. Tal política, entretanto poderia trazer dificuldades a ordem estabelecida, caso as aspirações suscitadas não pudessem ser atendidas através da ampliação das oportunidades de trabalho, principalmente nas cidades. Esta possibilidade também parece ser considerada no material didático que, ao lado da elevação das aspirações, busca difundir a ideia de responsabilidade pessoal pelo êxito ou fracasso na consecução dos novos objetivos, diminuindo os riscos de uma contestação das estruturas sócio- econômicas e políticas por parte dos que não consigam realizar as novas aspirações (PAIVA, 1987, p. 296). Em meio ao projeto de reformas educacionais em prol da sustentação da ordem econômica e política vigente cresce a ideologia da democratização do ensino, revestida da alegação de igualdade de chances. No âmbito da Educação de Adultos e da Educação Profissional a Lei de Diretrizes e Bases para o ensino de 1º e 2º graus (lei nº 5.692/1971) tem função estratégica nesse sentido. Pela primeira vez na história a legislação educacional brasileira é composta por um capítulo específico para educação de pessoas jovens e adultas com a instituição do ensino supletivo que teve os seus fundamentos explicitados também no Parecer do Conselho Federal de Educação n. 699, de julho de 1972, e no documento intitulado Política para o Ensino Supletivo, de setembro de 1972. Segundo Haddad e Di Pierro (2000, p.117), esses documentos sintetizam as características do Ensino Supletivo, com base no propósito de formar “mão-de-obra que contribuísse no esforço para o desenvolvimento nacional, através de um novo modelo de escola”, em três ideias ou princípios: como um subsistema integrado, independente, mas intimamente relacionado com o sistema regular de ensino; pautado na intencionalidade que rege toda a reforma educacional do governo militar de servir ao modelo de desenvolvimento nacional, seja pela alfabetização ou formação da força de trabalho; com uma metodologia própria uniformizada para as massas a serem atendidas. Assim, o Ensino supletivo foi organizado nas funções de Suplência, Suprimento, Aprendizagem e Qualificação para atender, consecutivamente, aos objetivos de repor ou suprir a escolarização regular; atualizar ou aperfeiçoar conhecimentos para quem já teve acesso ao ensino regular; formação metódica para o trabalho e profissionalização. Entre as modalidades, o ensino era oferecido em cursos supletivos com a característica diferencial de aceleração reduzindo pela metade o tempo de conclusão de curso em cada grau de ensino, com presença obrigatória e avaliação no processo; em centros de estudo com a oferta de material didático em módulos; educação à distância por meio da televisão; além os exames supletivos como mecanismo de certificação em substituição aos já existentes exames de madureza desde a LDB de 1961. Nas últimas três modalidades a avaliação era feita periodicamente, por disciplina. Em função da dinâmica escolar e das pressões oriundas do mercado de trabalho, de acordo com Di Pierro; Joia; Ribeiro (2001, p. 55), o público do supletivo tornou-crescentemente mais jovem e urbano. Então mais do que uma “nova escola” voltada para pessoas adultas não atendidas pela escola básica insuficiente, a educação seletiva converteu-se também em mecanismo de “aceleração de estudos” para adolescentes e jovens com dificuldade de manter-se na escola regular. O cenário de contradições que permeia o ensino supletivo é evidenciado pela própria lei que o institui. Ela determinou a extensão da escolaridade obrigatória para oito anos, o que em termos quantitativos coloca um enorme contingente da população adulta em déficit educativo, a ser superado pelo ensino supletivo, e ao mesmo tempo limitou a obrigatoriedade da oferta de ensino gratuito a crianças e adolescentes dos 7 aos 14 anos (DI PIERRO; JOIA; RIBEIRO, 2001), mantendo as pessoas jovens e adultas à margem do direito à educação básica pública e expondo a educação de jovens e adultos aos interesses do ensino privado. Na prática, com o ensino supletivo foram montadas duas redes paralelas de ensino: a rede formal e os cursinhos supletivos, sobretudo os particulares. Os „cursinhos. eram voltadas para pessoas jovens e adultas das classes populares, expulsos da rede formal pela sua própria condição de classe que depois, na expectativa de ascender pela educação buscavam superar essas barreiras, em cursos na maioria pagos e de baixa ou nenhuma qualidade. Nesse movimento de desarticulação da pressão pelo acesso à escola, o governo militar alimenta a ilusão de igualdade de chances, mas sem oferecer condições para estudo de nível e qualidade equivalentes, conforme nos afirma Freitag (1980, p. 124): O supletivo ao mesmo tempo em que ajuda a manter o mito de uma sociedade democrática, é parte essencial de uma sociedade excludente. As classes dirigentes, formadas em cursos regulares, estão aptas a assumir o seu papel, no centro dinâmico do sistema: as demais constituem a clientela dos cursos seletivos. A relação dialética entre ambas que as caracteriza como mutuamente condicionadas e condicionantes é reforçada por essa mesma relação existente entre o ensino regular e o supletivo. O sistema educacional institucionalizou na práxis, a própria relação de classes, reproduzindo-a também ao nível da sociedade civil. Nesse contexto educacional de forte associação à formação de mão de obra para atender aos interesses do projeto de desenvolvimento defendido pelo governo de uma nova fase de industrialização no país financiada pelo endividamento externo, a Lei instituiu também a profissionalização compulsória do ensino de 2º grau, hoje ensino médio. Entre as motivações, segundo Moura (2007), integrada à sustentação do modelo de desenvolvimento econômico potencializado pelo governo militar estava à necessidade de conformar as classes populares que apresentavam crescente demanda por acesso a níveis mais elevados de escolarização e pressão por aumento de vagas no ensino superior. Assim, a formação técnica profissionalizante no nível do 2º grau era defendida como garantia a inserção no mercado de trabalho e promovendo, nas classes populares, o sentido de terminalidade de estudos. Na prática, a compulsoriedade se restringiu ao âmbito público, enquanto as escolas privadas continuaram, em sua absoluta maioria, com os currículos propedêuticos. [...] ao invés de se ampliar a duração do 2º grau para incluir os conteúdos da formação profissional de forma integrada aos conhecimentos das ciências, das letras e das artes, o que houve foi a redução dos últimos em favor dos primeiros, os quais assumiram um caráter instrumental e de baixa complexidade, uma vez que, dentre outros aspectos, não havia a base científica que permitisse caminhar na direção de conhecimentos mais complexos inerentes ao mundo do trabalho. E isto não ocorreu por acaso, pois fazia parte da própria concepção de desenvolvimento do País e da reforma educacional em questão (MOURA, 2007, p. 13). Dessa forma, o ensino profissional obrigatório no 2º grau configurou-se em uma educação aligeirada, de caráter extremamente instrumental, ofertada sem financiamento adequado e formação docente, na sua maioria em cursos que não exigia demanda de infraestrutura especializada. A medida implicou para as alunas e para os alunos das escolas públicas, nas palavras de Frigotto (2007, p. 1145) em “[...] um adestramento rápido com vistas ao mercado de trabalho”. Para Ramos (2009), a obrigatoriedade do ensino técnico tinha como propósito formar mão-de-obra de um grande número de pessoas que exerceriam o trabalho manual no regime de desenvolvimento industrial em curso, com formação exclusivamente instrumental. Essa realidade agravou a dualidade do sistema educacional em um contexto geral de política de educação que serviu em todos os níveis de ensino para regulamentação e planejamento focado na eficiência da escola como agente a serviço da nova estrutura de dominação, reprodução da força de trabalho e das relações de classe. Dessa forma, a educação passa a ser considerada como investimento para atender aos interesses do capital, com o Estado subsidiando parte dos gastos da qualificação do trabalhador em benefício das empresas privadas nacionais e multinacionais (FREITAG, 1980). Nesse cenário, a educação e jovens e adultos e a educação profissional são nutridas pela ideologia democratizante de ensino com o discurso de democratização de oportunidades, como estratégia de conformação do Estado autoritário. Discurso ainda presente nos dias atuais quando direitos são subjugados e confundidos com razões de Estado, como alerta Paiva (2009, p. 65): O discurso da igualdade de oportunidades, sempre presente, encobre o que uma sociedade de classes, de lugares desiguais, tem como ponto de partida: acesso a oportunidades definido, antecipadamente, a processos seletivos. Os direitos sociais, que constituem poderes, são continuamente objeto de luta e de reafirmação, face a hegemonias e a pensares dominantes que incessantemente aviltam obrigações positivas de que eles carecem. O problema dos direitos é, sobretudo, político. Sem democracia, direitos se confundem com razões de Estado, persistindo em forma de simulacro ou de rebeldia, desprovidas do conteúdo da cidadania, dos direitos humanos e dos coletivos. Ao refletirmos sobre as iniciativas do Estado nesse período na EJA e nas ações de formação para o trabalho nos deparamos com heranças ainda fortemente arraigadas nos nossos sistemas de ensino a exemplo da concepção do tempo escolar da EJA como suplência, reparação de tempo perdido, a responsabilização das pessoas educandas pelo sucesso ou fracasso escolar e da formação estrita para o mercado de trabalho com reprodução das hierarquias de classe, nas marcas históricas da dualidade estrutural da educação. Elementos provocadores para o processo participante que se propõe essa intervenção de problematizar a Educação Profissional integrada à EJA, no sentido de refletir com as comunidades a serviço de quem e de que devem se constituir as práticas educativas. 3.7 LUTAS POR DIREITOS NO PROCESSO DE REDEMOCRATIZAÇÃO DO PAÍS O período que marca o processo de redemocratização do país, após 20 anos de ditadura militar, transcorre em meio a conflitos em torno de projetos distintos de sociedade. No âmbito da educação, a perspectiva de constituir um estado de direito foi tecida em meio à disputa em torno do projeto de educação pública, gratuita, laica e de qualidade para todos e todas e por outro lado, os defensores do Estado mínimo imbuídos no projeto de submissão dos direitos sociais, particularmente, o da educação, ao propósito mercadológico da prestação de serviços. De acordo com Moura (2007), nesse enfrentamento, prevaleceu a lógica de mercado, podendo a iniciativa privada atuar livremente na educação em todos os níveis, com prerrogativa assegurada no texto da Constituição Federal de 1988 e reafirmada pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação de 1996. No âmbito da Educação de Jovens e Adultos, contudo, os tensionamentos de movimentos sociais e de educadoras e educadores populares refletiram na correlação de forças da Assembleia Nacional Constituinte, resultando no reconhecimento social do direito universal ao ensino fundamental público e gratuito às pessoas jovens e adultas. Fruto de um movimento de experimentação de práticas pedagógicas impulsionadas pelo ideário da educação popular, a conquista desse direito consagrado no artigo 208 da Constituição Federal foi o mais importante feito no terreno institucional para a Educação de Jovens e Adultos, de acordo com Haddad e Di Pierro (2000, p. 120): [...] com o processo de redemocratização política do país, a reorganização partidária, a promoção de eleições diretas nos níveis subnacionais de governo e a liberdade de expressão e organização dos movimentos sociais urbanos e rurais alargaram o campo para a experimentação e a inovação pedagógica na educação de jovens e adultos. As práticas pedagógicas informadas pelo ideário da educação popular, que até então eram desenvolvidas quase que clandestinamente por organizações civis ou pastorais populares das igrejas, retomaram visibilidade nos ambientes universitários e passaram a influenciar também programas públicos e comunitários de alfabetização e escolarização de jovens e adultos. Esse processo de revitalização do pensamento e das práticas de educação de jovens e adultos refletiu-se na Assembleia Nacional Constituinte. Assim, o direito constitucional da população jovem e adulta à educação é reiterado na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, LDB 9.394/1996 que reconhece a EJA como modalidade de ensino da educação básica e estabelece como dever do Estado, no artigo 4º, inciso VII, a obrigatoriedade da “oferta de educação regular para jovens e adultos, com características e modalidades adequadas às suas necessidades e disponibilidades, garantindo- se aos que forem trabalhadores as condições de acesso e permanência na escola” (BRASIL, 1996, p. 14). Mesmo como direito transliterado na lei, nos anos que seguem, a EJA não foi consolidada como direito no campo das políticas públicas nacionais. No governo Collor, por exemplo, com a criação e depois extinção da Fundação Educar que substituiu o Mobral, a União transferiu a responsabilidade pública direta dos programas de alfabetização e pós- alfabetização de pessoas jovens e adultas para os municípios. Nos anos de 1990, particularmente nos dois governos do presidente Fernando Henrique Cardoso, o Brasil passou por uma reforma educacional com consequências profundas para o sistema nacional de educação, sob o imperativo da restrição do gasto púbico, com o argumento da necessidade de cooperar com o modelo de ajuste estrutural e com estabilização econômica. De acordo com Haddad (2007) as diretrizes -que tinham como objetivo descentralizar os encargos financeiros com a educação, racionalizando e redistribuindo o gasto público em favor da prioridade ao ensino fundamental regular, implicou a manutenção da posição marginal da EJA entre as prioridades das políticas públicas de âmbito nacional. Entre os instrumentos mais impactantes da reforma para a Educação de Jovens e Adultos foi aprovada a Emenda Constitucional n. 14/1996 que alterou das Disposições Transitórias da Constituição de 1988 o artigo 60, retirando do governo federal a obrigatoriedade de aplicar 50% dos recursos vinculados constitucionalmente à educação com a erradicação do analfabetismo e universalização do ensino fundamental. De acordo com Pinto (1993) com a alteração na Constituição, a União deixou de aplicar, em média, 1 bilhão de dólares/ano inviabilizando a finalidade que envolvia o poder público e os setores organizados da sociedade no esforço de erradicação do analfabetismo, além da universalização do ensino fundamental até 1998. A reforma resultou também na criação do Fundo de Desenvolvimento do Ensino Fundamental e Valorização do Magistério (Fundef). Segundo Haddad (2007), um mecanismo engenhoso pelo qual a maior parte dos recursos públicos vinculados à educação foi reunida, em cada unidade federada, em um fundo contábil. Este fundo foi posteriormente redistribuído entre as esferas dos governos estaduais e municipais com base na proporcionalidade das matrículas registradas no ensino fundamental regular nas respectivas redes de ensino. No que tange à EJA, embora a lei n. 9.424/96 que dispõe sobre o Fundef tenha sido aprovada por unanimidade pelo congresso, o presidente Fernando Henrique Cardoso vetou alguns dispositivos, impedindo que as matrículas registradas no ensino fundamental presencial de pessoas jovens e adultas fossem computadas para efeito dos cálculos dos fundos, desestimulando o setor público a expandir a oferta de ensino fundamental para essa população, a partir de 15 anos. Na prática, além da educação básica para pessoas jovens e adultas o padrão de distribuição de recursos públicos estaduais e municipais deixou parcialmente descoberto o financiamento de outros dois segmentos da educação básica: a educação infantil, o ensino médio, como afirmam Haddad e Di Pierro (2000, p. 123): [...] Com a aprovação da Lei 9.424, o ensino de jovens e adultos passou a concorrer com a educação infantil no âmbito municipal e a com o ensino médio no âmbito estadual pelos recursos públicos não capturados pelo FUNDEF. Como a cobertura escolar nestes dois níveis de ensino é deficitária e a demanda social explícita por eles muito maior, a expansão do financiamento da educação básica de jovens e adultos (condição para a expansão da matrícula e melhoria de qualidade) experimentou dificuldades ainda maiores que aquelas já observadas no passado. Em âmbito nacional, além de campanha em curto prazo de alfabetização como a “Alfabetização Solidária” -coordenada pelo Conselho da Comunidade Solidária vinculado à Presidência da República em ações de combate a pobreza extrema, o governo desenvolveu dois programas que se associam ao mundo do trabalho, mesmo em frentes antagônicas: O Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (Pronera), Coordenado pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), vinculado ao Ministério Extraordinário da Política Fundiária (MEPF), e o Plano Nacional de Qualificação do Trabalhador (Planfor), Coordenado pela Secretaria de Formação e Desenvolvimento Profissional do Ministério do Trabalho. O Pronera realizado em parceria entre universidades, sindicatos e movimentos sociais para atender demandas populares do campo foi marcado, de acordo com Haddad e Di Pierro (2000) pela singularidade de ser gestado fora da arena governamental em uma articulação entre o Conselho de Reitores das Universidades Brasileiras (CRUB) e o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) que resultou na indução dessa proposta de política pública de EJA no meio rural como pauta da ação governamental da reforma agrária. O Planfor, por sua vez foi destinado à qualificação de mão-de-obra para o mercado de trabalho, com formação desassociada à educação básica. De modo geral, no final dos anos 90, como ação direta do governo federal na EJA o que se viu foi a pulverização de projetos de alfabetização em diversos ministérios, sem que o governo assumisse a responsabilidade direta pelo atendimento à Educação de Jovens e Adultos, ao tempo em que por meio do Programa de Alfabetização Solidária mediante recursos de doação de empresas e indivíduos, deixa a responsabilidade do financiamento do direito à educação das pessoas jovens e adultas à filantropia, conforme nos diz Haddad e Di Pierro (2000, p. 127): Observa-se, assim, que o ensino fundamental de jovens e adultos perde terreno como atendimento educacional público de caráter universal, e passa a ser compreendido como política compensatória coadjuvante no combate às situações de extrema pobreza, cuja amplitude pode estar condicionada às oscilações dos recursos doados pela sociedade civil, sem que uma política articulada possa atender de modo planejado ao grande desafio de superar o analfabetismo e elevar a escolaridade da maioria da população. Em outras frentes, elementos como o direito definido na Constituição de 1988 e na Lei de Diretrizes de Bases da Educação de 1996 e o cenário de pressão social protagonizado por movimentos da sociedade civil, movimentos sociais e sindicais, levou os municípios a irem assumindo a responsabilidade política em atender a população da EJA, oferecendo principalmente os anos iniciais da escolarização básica, em um panorama multifacetado de ações que podia conter inovação e criatividade, mas longe ainda de atendimento que pudesse ser adequado ao desafio da implementação do direito à educação para pessoas jovens e adultas (HADDAD, 2007). O cenário é marcado também por movimentos em âmbito mundial que refletiram no momento histórico nacional na EJA na perspectiva de direito, a exemplo da preparação para V Conferência Internacional de Educação de Adultos (Confintea), em 1997. A preparação resultou em organizações de fóruns de EJA com mobilizações em todos os estado do Brasil. De acordo com Paiva (2009) no contexto de falta de iniciativa do Estado para responder à crescente demanda de EJA, deixando o espaço livre para a transferência de encargos e recursos públicos para empresas e organizações não governamentais, a expectativa positiva gerada com as reuniões preparatórias à V Confintea, acenava para a retomada de políticas governamentais na área. No entanto, na etapa regional preparatória, o Brasil reafirma seu compromisso com a educação fundamental das crianças de 7 a 14 anos, em caráter preventivo, e, sem destaques, para pessoas jovens e adultas, “em caráter corretivo, reforçando a concepção compensatória e tutorial para a EJA, pela mão da organização não governamental quase oficial Alfabetização Solidária” (PAIVA, 2009, p. 66). Nas palavras da autora, com a concepção de “ação preventiva” e no discurso da pessoa analfabeta como “vítima” o MEC preservava elementos da patologia que o analfabetismo representara historicamente. Naquele momento, também, vivenciavam-se intensas reformas educativas de traço economicista, integrantes do projeto neoliberal, centradas na educação básica, impostas por organismos multilaterais, a exemplo do Banco Mundial, nos ditames de políticas educacionais em todo o continente durante a década de 1990. Mudanças e transformações que tanto afetaram a EJA pelo descaso que a ela se impunha como resposta política, pois se, de um lado, definiram espaço de independência para que ela se pensasse – e até mesmo se realizasse, em muitos casos – com escassos recursos, mas com autonomia pedagógica, criatividade e autenticidade; de outro, no nível dos governos, as ações de EJA continuavam a ser assumidas como compensatórias, com recursos escassos e equipes técnicas mal formadas e desatualizadas (PAIVA, 2009, p. 67). O protagonismo da sociedade civil, no entanto, marcou a diferença na V Confintea em relação a outras reuniões com a representação de organizações não governamentais que junto com as delegações governamentais definiram os principais acordos da conferência. Um dos elementos presentes na Declaração de Hamburgo que divulgou as conclusões da V Confintea implica na reafirmação da Educação de Adultos como direito, “mais que um direito”, “como condição para uma plena participação na sociedade” (V CONFINTEA, 1999, p. 89). Com centralidade no ser humano, o documento destaca ainda que a Educação de Adultos engloba todo o processo de aprendizagem, formal ou informal, onde pessoas consideradas adultas pela sociedade desenvolvem suas habilidades, enriquecem seu conhecimento e aperfeiçoam suas qualificações técnicas e profissionais, direcionando-as para a satisfação de suas necessidades e as de sua sociedade, e assim a declaração aprofunda as reflexões que geraram o conceito da educação continuada, educação ao longo da vida. O movimento nacional em torno da Confintea configurou-se em um rico campo para a constituição dos fóruns de EJA por meio da articulação de entidades não governamentais e de educadoras e educadores, inaugurando, segundo Paiva (2009), um movimento novo da sociedade que manifesta a disposição de luta para garantia da consolidação da EJA como direito expresso em políticas públicas, incluindo a integração da educação profissional com a educação básica na modalidade de Educação de Jovens e Adultos. A sociedade civil, ao apropriar-se de um novo instrumento para a consolidação de direitos, contribui com a indução de avanços significativos que se davam no campo de ordenações jurídicas, legislações, acordos, ampliação do acesso e reconhecimento de novas práticas, com sujeitos jovens e adultos assumindo centralidade nas propostas pedagógicas. Novas políticas públicas acompanham um movimento da sociedade organizada, não como espaço de outorga do Estado, mas como movimento de resistência pelo direito à educação e em defesa da expressão da diversidade de sujeitos (PAIVA, 2009, p. 68). No que tange à educação profissional, ainda no contexto dos anos 90, as ações do governo federal foram marcadas pela explicitação da dualidade entre ensino médio e educação profissional na reforma educacional voltada para uma agenda de desenvolvimento sob inspiração de agências internacionais como o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial (BM). Para garantir a reforma, as bases do governo aprovaram várias emendas no texto original da LDB de 1996 alterando a redação proposta pelas mais de 30 organizações educacionais, políticas, sindicais e científicas, integrantes do Fórum em Defesa da Escola Pública, o que permitiu implantar a reforma por meio de ferramentas como decretos e portarias (FRIGOTTO, 2003). Nesse ensejo se configura o Decreto nº 2.208/1997 que estabeleceu as bases da educação profissional retomando a obrigatoriedade da separação do ensino médio da educação profissional. O conteúdo do decreto já tinha sido apresentado por FHC por meio do Projeto de Lei 1603/96 que tramitava no congresso paralelo às discussões sobre a LDB. De acordo com Moura (2007), o projeto sofreu ampla resistência e gerou mobilização contrária da comunidade acadêmica, de grupos de investigação do campo educação e trabalho e das representações sindicais ligadas as Escolas Técnicas Federais e Centros de Educação Tecnológica, o que resultou na diminuição estratégica da pressão do governo com relação ao trâmite do projeto, a partir da possibilidade aberta na LDB de regulamentação da matéria por meio de decreto do presidente da república. O fato é que em abril de 1997, poucos meses depois da promulgação da LDB, FHC publica o decreto com a separação do ensino médio da educação profissional desregulando a oferta da educação profissional integrada à educação básica. Assim, as brechas abertas na LDB possibilitaram a educação como campo de desenvolvimento da economia do mercado e a educação profissional regulamentada pelo decreto como sistema paralelo que aprofunda a estrutura segmentada da educação profissional. Nesse sentido, corroboramos com Frigotto (2005, p. 67) ao afirmar que as reformas educacionais dos anos 90, particularmente as que aqui refletimos sobre educação profissional e educação básica para pessoas jovens e adultas, buscam “uma mediação da educação às novas formas do capital globalizado e de produção flexível. Trata-se de formar um trabalhador „cidadão produtivo., adaptado, adestrado, treinado”. As implicações desse período aprofundam os desafios atuais para superação da dualidade estrutural que a integração da educação profissional com a Educação de Jovens e Adultos exige, por ser tecida na direção de uma educação básica unitária em que o conhecimento, a cultura, o trabalho sejam articulados como direitos de todos e todas. 4 INTEGRAÇÃO DA EJA COM A EDUCAÇÃO PROFISSIONAL: DESAFIOS EM CURSO Nesse capítulo refletiremos sobre a integração da educação profissional com a educação básica na modalidade de Educação de Jovens e Adultos, EJA. O movimento gestado no diálogo entre educadoras e educadores, movimentos sociais organizados nos fóruns da EJA e em intenso campo de disputa política no âmbito governamental a partir do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem na sua gênese a luta pela superação da dualidade histórica entre cultura geral e cultura técnica, educação básica e educação profissional. Em 2004, o governo revogou o decreto n. 2.208/97 que previa a separação obrigatória entre ensino médio e educação profissional com a publicação do decreto n. 5.154/2004 tendo como base as discussões dos setores educacionais ligados à educação profissional, como pesquisadores do domínio de educação e trabalho e sindicatos (MOURA, 2007) e retomando a possibilidade de integrar a educação básica com a educação profissional. Essa formação integrada, como refletimos em Souza et.al (2014, p.500) pressupõe superar a condição do “ser humano dividido historicamente pela divisão social do trabalho entre a ação de executar e a ação de pensar, dirigir ou planejar”. Faz-se necessário superar a redução da preparação para o trabalho ao seu aspecto operacional, simplificado, separado dos conhecimentos que estão na sua gênese científico-tecnológica e na sua apropriação histórico- social. O compasso da proposta de integração da educação profissional com a educação básica na modalidade de Educação de Jovens e Adultos pressupõe a dimensão social e política dessa integração na busca de garantir o direito a uma formação completa no sentido freiriano de leitura e transformação do mundo (FREIRE, 1987). Assim, partimos da provocação trazida por Arroyo (2016, p. 52) de que a construção de uma proposta política, pedagógica em EJA exige, além de reconhecer pessoas jovens e adultas como trabalhadoras e trabalhadores que trazem suas memórias e trajetórias da relação entre estudar e trabalhar, a necessidade de “focar de maneira específica que lugar lhes é deixado na organização do trabalho, no padrão classista, racista, sexista de trabalho. Entender como as mudanças na negação dos direitos do trabalho e da cidadania vitimam-lhes de maneira particular”. Nessa prerrogativa, a Educação Profissional integrada à EJA demanda, na reflexão de Frigotto; Ciavatta; Ramos (2009), a uma dupla articulação com a educação básica e com políticas de geração de emprego e renda. Esses autores nos indicam como desafio do século XXI a capacidade social do acesso democrático ao que é produzido, a partir da construção de uma esfera pública efetivamente democrática capaz de garantir a todos os direitos ao trabalho, saúde, educação, habitação, segurança, previdência, cultura e lazer. No plano conjuntural, há problemas cruciais a serem resolvidos cuja dramaticidade implica políticas distributivas imediatas. Neste contexto é que se situam as políticas de renda mínima, bolsa família, etc. que devem estar vinculadas à educação dos beneficiários. Estas políticas, além de terem um controle social público para não se transformarem em clientelismo e paternalismo (traços fortes de nossa cultura política), não podem ser permanentes. Por isso, o esforço é no sentido de instaurar políticas emancipatórias que garantam emprego ou trabalho e renda que elevem a escolaridade da população (FRIGOTTO; CIAVATTA; RAMOS, 2009, p. 1.318). Assim, partindo dessas reflexões é que fomos construindo os caminhos desse estudo, trazendo nesse capítulo alguns desafios postos para a consolidação como política pública do Programa Nacional de Integração da Educação Profissional com a Educação Básica na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos (PROEJA), bem como problematizar a superação da dualidade histórica entre educação profissional e educação básica e a necessidade de ressignificação de conceitos, no contexto em que vivemos de retrocesso no âmbito das políticas públicas. Desafios que nos levam a refletir também sobre a finalidade da educação que queremos e a construção conjunta de uma identidade própria nos espaços educativos da EJA que exige centralidade nos sujeitos a partir do reconhecimento dos itinerários e identidades coletivas das trabalhadoras e dos trabalhadores. 4.1 O PROEJA COMO PROPOSTA DE POLÍTICA PÚBLICA A escolarização de pessoas jovens e adultas e a política de integração da educação profissional com essa modalidade da educação básica têm se configurado, na última década, em um campo de conhecimento de interesse de produção científica e acadêmica no Brasil. Movimento que tem como principal experiência de estudo o Programa Nacional de Integração da Educação Profissional com a Educação Básica na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos, PROEJA. Instituído pelo governo federal em um cenário de amplas discussões envolvendo movimentos sociais, estudiosas e estudiosos da educação e poder público sobre a retomada da integração da educação profissional com o ensino médio no Brasil, o PROEJA surge como proposta de constituir-se em política pública que tem como horizonte a universalização da educação básica, aliada à formação para o mundo do trabalho, com acolhimento específico a pessoas jovens e adultas com trajetórias escolares descontínuas (BRASIL, 2006b). O programa, consolidado pelo decreto nº 5.840 de 2006, abrange cursos de Formação Inicial e Continuada para trabalhadoras e trabalhadores no âmbito do ensino fundamental e de educação profissional técnica de nível médio para pessoas jovens e adultas (BRASIL, 2006a), e marca a inserção da modalidade de Educação de Jovens e Adultos no âmbito das responsabilidades da rede de instituições federais de educação profissional brasileira. Associada à política de expansão da rede nacional de educação tecnológica e à ampliação de oferta de cursos no país, em 2008, a lei de criação dos Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia reafirmou a responsabilidade com Educação de Jovens e Adultos ao determinar que cada Instituto deve garantir o mínimo de 50 % de suas vagas oferecidas ao ano, para atender a educação profissional técnica de nível médio, prioritariamente na forma de cursos integrados, para concluintes do ensino fundamental e para a Educação de Jovens e Adultos (BRASIL, 2008). O decreto do PROEJA já estabelecia que, no mínimo, de 10 % das vagas, oferecidas pelas instituições da rede em 2006 deveria ser destinada ao programa, tomando como referência o quantitativo de matrículas do ano anterior e que a oferta deveria ser ampliada a partir do ano seguinte. Esse movimento de integração da educação profissional com a educação básica na perspectiva da Educação de Jovens e Adultos corrobora com um processo de provocação para ressignificação da educação profissional no âmbito dos Institutos Federais no sentido da superação da dualidade histórica entre trabalho intelectual e instrumental, entre a cultura geral e a cultura técnica que perpassa pela a formação para elites e para as trabalhadoras e trabalhadores, e da concepção, fortemente arraigada na educação profissional, da formação com foco exclusivo no mercado de trabalho. Contribui para essa dinâmica o ingresso de diversos coletivos populares nos institutos, fruto do processo de expansão da rede de educação profissional e da ampliação de vagas e abertura de cursos nos níveis de educação básica e superior, incluindo pós-graduação lato sensu e stricto sensu. Assim, o PROEJA surge em meio a um conjunto de propostas para consolidação de política educacional pública brasileira que atenda as especificidades da Educação de Jovens e Adultos. Necessidade que persiste no cenário educacional brasileiro marcado por realidades desiguais que mantém processos excludentes no que tange ao direito à educação às pessoas jovens, adultas e idosas. Desafios que se aprofundam nos dias atuais, no contexto das políticas em curso no país que envolvem a EJA, a educação básica e o mundo do trabalho, a exemplo da reforma 72 trabalhista que agrava a precarização nas relações de trabalho e a geração de emprego informal; a reforma do ensino médio (Lei nº 13.415, de 2017) que retoma a dualidade estrutural entre educação geral e profissional; a aprovação do Projeto de Emenda Constitucional, PEC 55 que congela por 20 anos investimento público na área social. Um denso pacote tecido por retrocessos e ataques a direitos que afetam profundamente as classes populares, as alunas e os alunos da EJA e o movimento pela integração da educação profissional com a educação básica. 4.2 EJA E EDUCAÇÃO PROFISSIONAL: DUALIDADE HISTÓRICA E RESSIGNIFICAÇÃO DE CONCEITOS A integração da Educação Profissional (EP) com a educação básica em Educação de Jovens e Adultos (EJA) no Brasil se inscreve no campo do desafio de superação da dualidade histórica no ensino de nível médio entre a formação geral e formação técnica. Como destaca Ciavatta e Ramos (2011), fragmentação e dualidade estrutural e cultural da educação que têm como raízes sociais a estrutura secular da sociedade de classes e de implantação do capitalismo. No caso do ensino médio e da educação profissional, essa visão dual ou fragmentada se expressa, historicamente, desde a Colônia, pela reprodução das relações de desigualdade entre as classes sociais, na separação entre a educação geral, como preparação para os estudos superiores, e a preparação imediata para o mercado de trabalho, funcional às exigências produtivas (CIAVATTA; RAMOS, 2011, p.28). No âmbito das relações de desigualdades entre as classes nutre-se a dicotomia entre formação para o trabalho manual e intelectual, com a destinação do trabalho manual às pessoas escravizadas e, depois, às trabalhadoras e aos trabalhadores livres, e o trabalho intelectual para as elites para as funções de mando e os estudos superiores (FONSECA, 1986). Nesse contexto, a função formativa do ensino médio e de educação profissional, historicamente, esteve subsumida ao caráter economicista da educação, que segundo Ciavatta e Ramos (2011) se tornou hegemônico na modernidade. Para as autoras, após a transição do século XXI, permanece no horizonte a necessidade de educação básica com centralidade nos sujeitos que supere a dualidade entre formação específica e geral e desloque o foco de seus objetivos do mercado de trabalho para a formação humana, laboral, cultural e técnico- científica, de acordo com as necessidades das trabalhadoras e dos trabalhadores. Sob essa concepção afirma-se o trabalho como princípio educativo, isto é, como o fundamento da concepção epistemológica e pedagógica que visa a proporcionar aos sujeitos a compreensão do processo histórico de produção científica, tecnológica e cultural dos grupos sociais considerada como conhecimentos desenvolvidos e apropriados socialmente, para a transformação das condições naturais da vida e para a ampliação das capacidades, das potencialidades e dos sentidos humanos. Ao mesmo tempo é pela apreensão dos conteúdos históricos do trabalho, determinados pelo modo de produção no qual este se realiza, que se pode compreender as relações sociais e, no interior dessas, as condições de exploração do trabalho humano, assim como de sua relação com o modo de ser da educação (CIAVATTA; RAMOS, 2011, p. 32). Para refletirmos sobre o trabalho como princípio educativo, tomamos como base o sentido ontológico do trabalho que como nos aponta Frigotto (2015) não pode ser confundido com as formas históricas do trabalho escravo, servil e o emprego sob a égide do capitalismo. O trabalho é aqui compreendido como produtor de valores de uso indispensável à nossa condição humana; assume o sentido de dever e direito ético de todos e todas por ser socialmente útil, formador de caráter da pessoa para a construção de uma sociedade sem exploração e por se constituir em condição necessária para atividades outras imprescindíveis a liberdade do homem e da mulher, como a arte, o lazer. É nessa compreensão de formação humana que preconiza a integração de todas as dimensões da vida -o trabalho, a ciência e a cultura – no processo educacional centrado nos sujeitos com trajetórias escolares descontínuas que se inscreve a integração da Educação Profissional com a modalidade de Educação de Jovens e Adultos. Cenário em construção que exige mudanças não só no âmbito do sistema educativo, mas no conjunto de políticas públicas para a consolidação de direitos fundamentais, assim como nos indica Maria Margarida Machado (2016) em reflexão sobre a relação histórica entre EJA e lutas por direitos. Cabe ressaltar, todavia, que a EJA não se reduz a escolarização. Sua história, na realidade brasileira, e também na realidade latino-americana, abarca a luta pelo direito de acesso, permanência e conclusão da escolarização com qualidade, em consonância com inúmeras outras lutas: pelos direitos à saúde, ao trabalho, à moradia digna (seja no campo ou nas cidades), à igualdade de gênero, ao respeito às diversidades, dentre tantas outras, que a configuram como educação ao longo de toda a vida e pela construção de uma sociedade que, de fato, seja espaço de vivência e convivência de todas e todos (MACHADO, 2016, p. 432). Essas relações na luta por direitos, como dissemos, são desafios que se aprofundam nos dias atuais como movimento de resistência ao retrocesso das políticas em curso no país a exemplo de reformas como a do ensino médio, proposta pela Medida Provisória (MP) nº 746/2016, aprovada e transformada na Lei nº 13.415, de fevereiro de 2017. A reforma, sob a justificativa da modernização da estrutura curricular com flexibilização por áreas de conhecimento, condensa nas palavras de Motta e Frigotto (2017, p. 367), “um tríplice retrocesso e de forma pior”, que remete a Reforma Capanema, da década de 1940, com a não equivalência ao ensino superior dos cursos secundários industrial, comercial e agrícola; A LDB da ditadura militar 1971 com a profissionalização precária e obrigatória do ensino médio; e a política neoliberal que instituiu Decreto nº 2.208/1997, com a separação do ensino médio e técnico, representando, na contramão da luta histórica em que se inscreve a integração profissional com a educação básica, o aprofundamento da dualidade estrutural entre educação profissional e educação geral. A conclusão clara é que a contrarreforma do Ensino Médio por imposição autoritária de MP é congruente e necessária para sustentar violência da PEC nº 55, que expressa o desmanche dos direitos universais da classe trabalhadora mediante o congelamento dos recursos públicos para a educação, saúde, cultura, etc. “Reforma” que traduz, na prática, o ideário liberal-conservador no qual convergem elementos fascistas do movimento Escola “sem” Partido e economicistas do Todos pela Educação, revestidos pelas benesses da filantropia dos homens de bem e propulsores do desenvolvimento econômico. Apresenta rigidez no tocante à implementação das disciplinas recomendadas pelos organismos internacionais, intelectuais coletivos e orgânicos do capital e do mercado e na negação tácita do conhecimento básico para uma leitura autônoma da realidade social, esta acobertada pela delegação da “livre escolha” do jovem dentre as opções ofertadas (MOTTA; FRIGOTTO, 2017, p. 368). A dualidade estrutural acrescida da diferenciação de tempo e de qualidade à educação como fruto de políticas sociais de alcance desigual para grupos sociais diferenciados é uma das estratégias que vêm sendo adotadas, de acordo com Frigotto (2015, p. 238) pelas “organizações e intelectuais-guardiães do sistema capitalista, para viabilizar o que denominam de governança”. A segunda estratégia é “o ódio e a criminalização dos pobres, legalização e incentivo da violência do Estado para a eliminação de grupos sociais ou seu encarceramento”. O autor situa como prova inconteste deste extermínio, a realidade avassaladora de assassinato de pessoas jovens pobres e negras nas periferias brasileiras. Com base nesse contexto atual, Arroyo (2016) reflete sobre o conflitante movimento de descrença e persistência que envolve a Educação de Jovens e Adultos em tempos marcados por retrocessos e pela negação de direitos e os desafios de resistência postos. Com esse estado de crença-descrença debatem-se os educandos, os educadores. Descrenças que têm raízes fora, na persistência de estruturas, nas relações de classe, gênero, raça, nas relações de produção na cidade e nos campos que não apontam superação do passado, mas que se reafirmam. Descrenças que o golpe reafirma. Esses outros que chegam às escolas públicas e persistem na EJA nos obrigam a retomar relações que já foram mais reconhecidas entre sociedade – relações de classe, raça, gênero, lugar e educação. Relações estreitas, não superadas entre opressão e educação, entre estruturas sociais e escolares, entre a negação dos direitos humanos mais básicos e a possibilidade do direito à educação (ARROYO, 2016, p. 30). Para Paiva (2006) pensar a EJA como política pública implica não apenas pensar no sistema educativo formal, mas no conjunto de iniciativas que envolva a sociedade em torno do direito como uma prática para todas e todos. A educadora destaca que nenhuma aprendizagem pode-se fazer destituída do sentido ético, humano e solidário que justifica a condição de seres humanizados providos de inteligência, de direitos inalienáveis. Nesse sentido, educar pessoas jovens e adultas implica lidar com valores e com formas de respeitar e reconhecer as diferenças. A integração da EP com a EJA provoca no campo da educação um movimento de reflexão sobre o que está estabelecido e a necessidade de se repensar o conhecimento, abrindo possiblidades, como nos aponta Paiva (2012, p. 45): A construção de um campo de conhecimentos de interseção da educação profissional e da educação de jovens e adultos traz para o terreno da educação certo “abalo” no estabelecido até então. Quando propomos um programa que integra a educação profissional à educação de jovens e adultos (EJA), a exemplo o Programa Nacional de Integração da Educação Profissional com a Educação Básica na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos (PROEJA), detona-se uma onda sísmica, que produz em nós, educadores, a necessidade de repensar o conhecimento até então instituído para, de novo, aventurar-nos pelas possibilidades e potências da criação científica. O “abalo” a que se remete a autora evidencia um campo de possibilidades provocado pela necessidade de mudanças na efetivação de direitos, pelo repensar das escolas e das práticas pedagógicas. Nesse sentido, o PROEJA pressupõe um espaço aberto à pesquisa, a experimentação pedagógica, à produção de materiais didáticos e à formação especializada de profissionais da educação (MACHADO, 2006), a partir da provocação para uma mudança conceitual profunda na forma de entender a EJA e a Educação Profissional, com o desafio de inovar mediante essa combinação curricular. 4.3 QUEM SÃO AS EDUCANDAS E OS EDUCANDOS DO PROEJA? ITINERÁRIOS E IDENTIDADES COLETIVAS Na essência de sua constituição, o Programa Nacional de Integração da Educação Profissional com a Educação Básica na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos, PROEJA inscreve-se como programa que tem como horizonte se transformar em política educacional pública para a Educação de Jovens e Adultos proporcionando além do acesso desses coletivos à escola, a permanência com sucesso e conclusão dos cursos, o que implica ressignificar o processo de escolarização para vencer a barreira excludente da evasão. Movimento que exige a construção de uma identidade própria para novos espaços educativos, considerando quem são os sujeitos da EJA, como entender as suas vivências e trabalhá-las nos conhecimentos, num processo que implica também a construção de identidades educadoras reinventadas na problematização da sua formação e dos saberes a que têm direito como educadoras/educadores e educandas/educandos, como nos provoca Arroyo (2016, p.12): Quem são os adolescentes, jovens, adultos que, como passageiros da noite chegam do trabalho para EJA? Quem são as crianças e os adolescentes que chegam às escolas públicas, vindos do trabalho, da sobrevivência, da pobreza extrema (quase 20 milhões no Programa Bolsa Família)? Aprofundar-nos nessas interrogações sobre quem são os educandos, de onde vêm, para onde voltam, de que percursos humanos-desumanos, sociais, raciais, de gênero, de trabalho... será o caminho mais pedagógico para aprofundar-nos sobre quem somos. Para reinventar identidades educadoras, capazes de entender com que educandos convivemos, que educandos formamos. Esse processo de construção de identidade dos novos espaços educativos da EJA perpassa por questões fundantes como o diálogo sobre o currículo, em particular quando se trata da Educação de Jovens e Adultos numa perspectiva de integração com a formação para o mundo do trabalho. O currículo é aqui concebido, conforme Macedo (2013), como uma construção sociocultural, invenção pedagógica, que se configura na concepção, organização, implementação e avaliação de saberes eleitos como formativos implicando temas técnicos, éticos, políticos e estéticos. Nessa perspectiva não é isento e nem deve ser pensado por uma autoridade cultural, mas construído com e para os sujeitos, por meio de um processo dialógico. Assim, a construção curricular é implicada no questionamento sobre as motivações das educandas e educandos que voltam aos percursos escolares. Voltam pela garantia do direito a quais conhecimentos? Para Arroyo (2016, p. 14) os sujeitos adolescentes, jovens e adultos das periferias, dos campos, trabalhadoras e trabalhadores, pobres, negras e negros, indígenas e quilombolas que chegam à EJA não buscam apenas os conhecimentos escolares -socialmente produzidos e sistematizados -a que têm direito. Eles disputam também “[...] o direito a conhecimentos ausentes, sobre o seu sobreviver, sobre o seu resistir. Saberes de outra história social, racial e de classe que vivenciam e que têm direito a saber para entender-se”. Assim, o autor nos provoca também a reflexão dos sujeitos da EJA como sujeitos de saberes que levam para escolas, os saberes de resistências à segregação inscrita na história social, política, econômica, cultural que se manifesta na pobreza, opressão, trabalho, desemprego, fome. “[...] o direito a que os saberes dessa outra história de segregação e de emancipação sejam incorporados como seu direito ao conhecimento” (ARROYO, 2016, p. 14). Nesse sentido, a constituição de práticas educativas na educação profissional integrada à educação básica na modalidade da EJA remete para a necessidade do diálogo contínuo sobre as diferentes realidades sociais e escolares que implica, segundo Amorim e Deitos (2016) conhecer quem são as pessoas jovens e adultas trabalhadoras, as suas especificidades e experiências de vida, para identificar suas demandas e necessidades por saberes e práticas sociais. No âmbito dos espaços educativos da Educação Profissional integrada à EJA, as situações heterogêneas e complexas que se apresentam exigem da escola inovação para acolher as especificidades e diversidade da Educação de Jovens e Adultos. Como nos aponta Amorim (2015, p. 4), inovar é envolver responsabilidades coletivas de gestoras e gestores, do pessoal docente e da comunidade “[...] para compor o cenário de mudança efetiva dentro das instituições de ensino”. A partir dessa perspectiva, outra dimensão a ser discutida é a gestão escolar na EJA concebida nesse sentido de inovação como um processo que se pressupõe dialógico, de construção de uma cultura escolar participativa envolvendo escola e sociedade. [...] a inovação aparece como sendo um conjunto de atividades que atua na ação cooperativa dos alunos, dos professores e dos gestores, contribuindo para o surgimento de uma cultura escolar que amplie o projeto pedagógico da escola, a proposta curricular em curso, contribuindo para a criação de um clima escolar que seja participativo, com qualidade humana, com a efetivação do trabalho coletivo no âmbito educacional. Essa cultura escolar precisa ser construída ainda, na ampliação do diálogo da escola com a sociedade, revelando mecanismos de efetiva participação da sociedade nos destinos da escola, ampliando a convivência e a capacidade afetiva e pedagógica dos participantes (AMORIM, 2015, p. 5). A provocação, como nos reporta Amorim (2012) é abrir a escola para o diálogo, para a efetivação das subjetividades que permeiam o mundo contemporâneo, ampliando os espaços democráticos e o entendimento de que a instituição de ensino-aprendizagem é, por natureza, o lugar onde a complexidade do mundo social e produtivo penetra com muito mais facilidade. Exige-se gestão do diálogo, da sensibilidade, que fomenta atitudes críticas na comunidade e fortalecimento de mudanças. Esse movimento provoca reflexões sobre quebra de paradigmas na escola, questiona as práticas tradicionais, os modelos conteudistas e mecânicos. É um processo que na concepção de inovação educacional de Saviani (2003) implica, não apenas substituir métodos convencionais, mas repensar a própria finalidade da educação. Sob essa perspectiva corroboramos com Torres (2002) que toda discussão sobre educação precisa colocar em primeiro lugar a noção de dominação, pois a educação, embora seja sempre uma forma de dominação, pode ser também uma forma de resistência à dominação. Essa compreensão se dá a partir da reflexão sobre as duas principais funções do estado capitalista que se configura, segundo o autor, no dilema entre promover a acumulação de capital e manter a legitimação do modo de produção simultaneamente, e sobre o papel que a educação cumpre, nos dois aspectos. No sentido de acumulação de capital, Torres (2002) indica que a educação contribui tanto na formação da força de trabalho, com um desajuste entre a demanda do mercado de trabalho e a oferta educativa, quanto pelo aspecto do próprio sistema educativo ser uma grande fonte de emprego, e bem como pelo papel de controle social que a educação exerce com o disciplinamento da força de trabalho. No âmbito da legitimação, a educação promove um universo de comportamentos socialmente aceitos à medida que socializa curricularmente, normas e valores. Além da reprodução social da ideologia dominante e da relação de classe, há dentro da escola, nas palavras de Torres (2002, p. 100) “os aspectos não-reprodutivos e os fenômenos contestatórios”, “os sujeitos da ruptura”. Nesse contexto, “o Estado é contraditório: é força e consenso”, e até para cumprir a sua função principal de acumulação do capital precisa impulsionar mecanismos massivos de participação e prover o mínimo de educação, segurança e moradia, como assinala Gadotti (2011, p. 37-38): Essas duas funções – de acumulação e de legitimação-são inerentemente conflituosas, dando lugar a todo tipo de contradições sociais e políticas, e convertendo o próprio Estado numa arena de luta de projetos alternativos. Nesse contexto, os movimentos sociais, bem como os partidos progressistas têm identificado a educação pública como função fundamental do Estado capitalista democrático. E como ele financia e administra essa educação, ela está marcada pelas mesmas contradições sociais acima assinaladas. Repensar a finalidade da Educação Profissional integrada à Educação de Jovens e Adultos é problematizar a serviço do que estão os projetos educativos e atendendo à demanda de quem. Nas palavras de Freire (1989, p.24) é pensar as relações de poder, a sua dimensão política; que não é possível compreender a educação como uma prática autônoma ou neutra, o que não significa também que a educação sistemática seja uma pura reprodutora da ideologia dominante. É refletir que “as relações entre educação enquanto subsistema e o sistema maior (Estado) são relações dinâmicas, contraditórias e não mecânicas”. É, portanto, repensar também as estruturas rígidas de tempo e espaço presentes na escola; buscar superar a visão do tempo escolar como suplência -reparação de tempo perdido, o que segundo Arroyo (2016, p. 24) teve na história e continua tendo nas políticas publicas e diretrizes curriculares, a função política perversa “de ocultar a EJA como espaço social e político de coletivos de classe, raça, etnia, periferia, campo”; Reconhecer que a identidade da educação de pessoas jovens e adultas é formada na “coexistência, encontro, confluência dessas identidades coletivas”. Nessa construção de formação integrada, o documento base PROEJA (Brasil, 2006b) alerta para os pressupostos a serem considerados pelas instituições no sentido de transformar o projeto em uma experiência de democracia participativa e de recriação permanente, como ação coletiva que não comporta o autoritarismo, em experiências que não se fazem no isolamento institucional, mas busca articulação com a sociedade em geral. Escola que respeita, reconhece e elege saberes em diálogo com as identidades coletivas que a habitam. Com base nessas reflexões é que foram sendo construídos caminhos dessa pesquisa participante que buscou na práxis, no processo de ação-reflexão, articular as comunidades e instituições para a construção de espaços contínuos de debate sobre a oferta para EJA no âmbito da educação profissional no município de Cáceres-MT. No próximo capítulo apresentaremos o resultado do diagnóstico com a análise descritiva da realidade socioeducacional do município no que tange à renda, escolaridade, etnia e a relação de pertencimento a grupos sociais de pessoas jovens e adultas das camadas populares, inscritos no Cadastro Único. E, para elucidar a natureza interventiva da pesquisa, traremos os encaminhamentos elencados pelos sujeitos participantes para articulação de espaços permanentes de diálogo entre instituições, organizações, comunidades e movimentos sociais com o objetivo de construção coletiva de propostas educativas para Educação Profissional integrada à Educação de Jovens e Adultos. 5 DIAGNÓSTICO DE ESCOLARIDADE E RENDA: UM OLHAR SOBRE A REALIDADE SOCIOEDUCACIONAL DO MUNICÍPIO DE CÁCERES-MT Nesse capítulo buscamos atender ao objetivo de realizarmos um diagnóstico com análise socioeducacional da realidade de Cáceres-MT, a partir dos dados das pessoas e famílias de baixa renda do município, inscritas no Cadastro Único do governo federal. O primeiro passo para o diagnóstico, definido em diálogo com o coletivo da pesquisa, foi realizar uma análise descritiva da realidade da zona rural e urbana do município no que tange à renda, escolaridade, etnia e pertencimento a grupos sociais das pessoas integrantes de famílias em situação de baixa renda. Para definição de baixa renda utilizamos como critério, o estabelecido pelo estado brasileiro para programas sociais do governo federal (BRASIL, 2007) referente às famílias com renda per capita mensal de zero a meio salário mínimo ou renda total de até três salários mínimos4, como indicadores de pobreza. O olhar atento para a realidade do município, a partir desses indicadores, constituiu-se em um dos movimentos da pesquisa que teve entre os propósitos levantar subsídios para articulação de políticas públicas no âmbito da Educação de Jovens e Adultos e Trabalho, e de modo específico, como base para a construção de uma proposta de intervenção coletiva no âmbito da Educação de Jovens e Adultos e Educação Profissional no município. No propósito de construção coletiva do diagnóstico realizado em diálogo com os sujeitos da pesquisa, optamos por apresentar no decorrer desse capítulo, além dos resultados obtidos por meio das informações do Cadastro Único, as reflexões sobre os indicadores com as vozes dos sujeitos nas categorias de análise a partir da temática central: A interface entre Educação de Jovens e Adultos, EJA, e Trabalho. As informações, extraídas do sistema Cadastro Único, em 19 de maio de 2018, foram acessados com base em proposta elaborada e encaminhada pela pesquisa ao Ministério de Desenvolvimento Social (MDS) que consta no processo número 71000.020374/2018-27. Após análise do requerimento, o Departamento de Avaliação da Secretaria de Avaliação e Gestão (SAGI) manifestou deferimento da concessão e acesso aos dados por meio da Nota Técnica nº 46/2018 de 30 de maio de 2018, assinada por analista técnico de políticas sociais e pelo diretor do Departamento. 4 Salário mínimo em 2018 é de R$ 954,00. 82 De acordo com os dados obtidos no MDS, 41,4 % da população de Cáceres-MT5, o equivalente a 38.888 pessoas, vive em situação de pobreza e ou extrema pobreza (tabela 1). Destas, 35.841 pessoas integram famílias com renda per capita de zero até meio salário mínimo, sendo 19.551 pessoas com renda per capita familiar mensal de R$ 0,00 a R$ 85,006. Tabela 1 – Quantitativo de famílias e pessoas cadastradas no Cadastro Único – maio de 2018. Famílias cadastradas Pessoas cadastradas Renda per capita mensal de R$ 0,00 até R$ 85,00 6.169 19.551 Renda per capita mensal entre R$ 85,01 e R$ 170,00 2.551 8.153 Renda per capita mensal entre R$ 170,01 e ½ salário mínimo 3.006 8.137 Renda per capita mensal acima de ½ salário mínimo* 2.245 3.185 Total 13.971 39.026 * Das inclusas nessa faixa de renda, 50 famílias formadas por 138 pessoas possuem renda familiar mensal superior a três salários mínimos. Fonte: Elaborada pela autora, 2018. Os dados do Cadastro Único apresentam um total de 39.012 pessoas cadastradas em maio de 2018, integrantes de 13.971 famílias. Desse quadro, além das famílias na faixa de renda per capita mensal de zero a meio salário mínimo, um total de 11.726 famílias, e das demais que possuem a renda familiar mensal de até três salários mínimos, 2.195 famílias, o cadastro inclui 50 famílias com renda superior que estão vinculadas à seleção ou acompanhamento de programas sociais implementados pelo município, estado ou união. Para a análise descritiva que propusemos fazer, consideraremos aqui apenas as famílias e pessoas em situação de baixa renda, conforme estabelece o paragrafo II do artigo 4º do Decreto Nº 6.135, de 26 de junho de 2007, aquelas com renda familiar mensal per capita de até meio salário mínimo, e as que possuam renda familiar total mensal de até três salários mínimos (BRASIL, 2007). Nesses critérios, temos cadastradas no município 38.888 pessoas integrantes de 13.921 famílias. Para facilitar a identificação dos espaços em que se concentram as pessoas nessa faixa de renda constatamos que 84,6 % (32.897 pessoas) dessa população habita em domicílios com 5 A população do município de Cáceres–MT estimada pelo IBGE para 2018 é de 93.882 pessoas. No último censo (2010) a população era de 87.942 pessoas. 6 As pessoas na faixa de renda per capita familiar mensal de até R$ 85,00 estão em situação de extrema pobreza de acordo com os critérios do Programa Bolsa Família (BRASIL, 2004a). características urbanas7 e outros 15,5% (5.991 pessoas) rurais. Conforme consta no sistema de informações do MDS, os dados referentes às características do local onde está situado o domicílio no Cadastro Único são autodeclarados, não oficial. Identificamos casos como assentamentos rurais com o código de caracterização de zona urbana e bairros no centro da cidade com código de caracterização de zona rural. A partir dessa constatação, em diálogo com o coletivo da pesquisa tomamos a decisão de buscar qualificar os dados cruzando informações do Cadastro Único com a relação de assentamentos da zona rural do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária, Incra (BRASIL, 2018) e dos bairros oficialmente criados em lei no âmbito da zona urbana. O trabalho nos permitiu caracterizar domicílios de 493 famílias e de 1.633 pessoas (4,1%) aqui consideradas em situação diferente da indicada no cadastro (tabela 2). Destas foram alteradas de urbanas para rurais 1089 pessoas e 544 de rurais para urbanas. Tabela 2 – Mudanças na caracterização dos domicílios. Característica de domicílio Situação Total Cadastro Único (original) Alterado Urbanas 32.353 544 32.897 Rurais 4.902 1.089 5.991 Total 37.255 1.633 38.888 Fonte: Elaborada pela autora, 2018. Ao considerarmos a faixa de renda aqui definida, identificamos que a maior parte da população, 57,9%, é do sexo feminino que corresponde a 22.517 pessoas, destas 19.446 habitam na zona urbana e 3.071 em domicílios rurais. Do total das mulheres, 14.148 são jovens ou adultas com idade de 18 anos ou mais. Os demais 42,1% do sexo masculino totalizam 16.371 pessoas, sendo 13.451 habitantes em domicílios de características urbanas e 2.920 rurais. Entre os homens, a maior parte da população está na faixa etária de 0 aos 17 anos, correspondendo a 8.639 pessoas. Na caracterização quanto à cor ou raça, 78,2% da população nessa faixa de renda se define Parda (73,3%) ou Preta (4,9%), somando 30.440 pessoas. Em seguida, surge a autoidentificação na cor Branca com 20,8% da população, equivalente a 8.106 pessoas, e Amarela com 0,6%, com 215 sujeitos. Nesse cenário, 0,3% que representa 109 pessoas se identificam indígenas. 7 Aqui estão inclusos domicílios caracterizados como zona urbana da cidade de Cáceres-MT e dos distritos de Bezerro Branco (Vila Aparecida), Caramujo, Horizonte do Oeste e Nova Cáceres (Sadia). No caso dos distritos a identificação urbana corresponde a 1,9 % do total da população (755 pessoas), sendo, portanto, 82,7% (32.142 pessoas) dessa população identificada como urbana da cidade de Cáceres-MT. As informações, sistematizadas a partir das tabelas 3 e 4, foram obtidas utilizando estatística descritiva com análise de frequência e recurso de tabelas de referência cruzada com o auxílio do software SPSS 20. Tabela 3 – Caracterização de domicílio, idade e sexo. Caracterização do domicílio Idade Total De 0 a 17 anos De 18 a 24 anos De 25 anos ou mais de idade Urbanas Sexo Masculino 7.438 1.674 4.339 13.451 Feminino 7.285 2.501 9.660 19.446 Total 14.723 4.175 13.999 32.897 Rurais Sexo Masculino 1.201 332 1.387 2.920 Feminino 1.084 332 1.655 3.071 Total 2.285 664 3.042 5.991 Total Sexo Masculino 8.639 2.006 5.726 16.371 Feminino 8.369 2.833 11.315 22.517 Total 17.008 4.839 17.041 38.888 Nota: Elaborada pela autora, 2018. Tabela 4 – Características de cor ou raça autoidentificadas. Cor ou raça Frequência Porcentagem Parda 28520 73,3 Branca 8106 20,8 Preta 1920 4,9 Amarela 215 0,6 Indígena 109 0,3 Vazia 18 0,0 Total 38888 100,0 Fonte: Elaborada pela autora, 2018. No que se refere a Grupos Populacionais Tradicionais ou Específicos (GPTE), seguindo a própria categorização utilizada pelo Cadastro Único desde 2011, o município de Cáceres-MT reúne famílias em situação de baixa renda integrantes de grupos de Origem Étnica; grupos relacionados ao Meio Rural; ao Meio Ambiente e em Situações Conjunturais. Assentados e Assentadas da Reforma Agrária e Agricultoras e Agricultores Familiares são os dois grupos populacionais com maior número de pessoas relacionados ao Meio Rural, com o total de 1.978 pessoas integrantes de 701 famílias. Ainda nos grupos relacionados ao Meio Rural estão 581 pessoas de famílias acampadas que buscam o direito ao título da terra e outras 41 pessoas assentadas beneficiárias do Programa Nacional de Crédito Rural. Grupos reconhecidos como comunidades tradicionais pela Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável de Povos e Comunidades Tradicionais (BRASIL, 2007) a exemplo de pescadores e pescadoras artesanais integram 582 pessoas no conjunto de 164 famílias cadastradas no município em situação de situação de pobreza e ou extrema pobreza, assumindo a maior frequência da categorização em grupos relacionados ao Meio Ambiente. As comunidades tradicionais representadas pelas famílias quilombolas apresentam o maior número de pessoas no grupo de Origem Étnica, em situação de baixa renda, com 331 pessoas integrantes de 124 famílias. Neste coletivo, 316 pessoas se autoidentificam quilombolas da comunidade Pita Canudos. A posse de terra dessa comunidade situada a cerca de 48 quilômetros do perímetro urbano de Cáceres-MT é fruto de uma disputa judicial (INCRA, 2014) e os moradores que se viram obrigados a sair do território reconhecido como Quilombola pela Fundação Palmares residem em sua maioria em bairros da cidade à espera da concessão do título coletivo de propriedade à comunidade. Em relação a grupos em situações conjunturais (tabela 5), o município cadastrou em situação de baixa renda 83 pessoas de Família de Preso do Sistema Carcerário que integram 21 famílias. Outro grupo específico é o de famílias de Catadores de Material Reciclável. Tabela 5 – Quantitativo de pessoas de baixa renda classificadas por grupos. Grupos Especificidade Número de casos Grupos de Origem Étnica Famílias Quilombola 331 Pertencentes à Comunidade de Terreiro 5 Famílias Ciganas 4 Indígenas 0 Grupos relacionados ao Meio Rural Assentadas da Reforma Agrária 1.136 Famílias acampadas 581 Agricultores familiares 842 Beneficiárias do Programa Nacional de Crédito Fundiário 41 Grupos relacionados ao Pescadores artesanais 582 Meio Ambiente Famílias Extrativistas 16 Famílias Ribeirinhas 6 Grupos em situações conjunturais Famílias de preso do sistema carcerário 83 Catadores de Material Reciclável 48 Fonte: Elaborada pela autora, 2018. Observa-se que quanto à identificação de grupos tradicionais não aparece referência nos dados do Cadastro Único a povo ou povos indígenas, mas no espaço de opção de cor ou raça 109 pessoas se identificam como indígena. A maioria habita em bairros da zona urbana (98 indígenas), sendo 45 homens e 64 mulheres. A pluralidade de grupos e condições conjunturais apresentada na realidade do município a partir da situação de baixa renda nos leva a refletir para além do conceito de comunidades tradicionais definido pela Política Nacional de Desenvolvimento de Povos e Comunidades Tradicionais, mas também a necessidade de pensar sobre o sentido de território. Sem nenhuma pretensão de esgotar o debate, tomamos Território como nos afirma Santos (1998, p. 16) como “sinônimos do espaço humano e espaço habitado” ultrapassando o sentido restrito do território como um nome político para um determinado espaço. A partir dessa concepção, vamos interagindo com o sentido de território como “fundamento do trabalho, o lugar da residência, das trocas materiais e espirituais e do exercício de vida” (SANTOS, 1999, p.8). Território como “o chão mais a identidade”, sendo a identidade, nas palavras do autor, a relação de pertencimento, o “sentimento de pertencer aquilo que nos pertence”. Nessa compreensão, mais do que a dimensão física, o território envolve o universo amplo das relações sociais, políticas, culturais, econômicas, assim como as representações sociais sobre esse espaço usado e, por consequência, sujeito à transformação pela ação do homem e da mulher. Ao se tratar de povos e comunidades tradicionais tomamos também a reflexão de Santilli (2005) sobre a importância do conceito de territorialidade para identificação das populações tradicionais, considerando que alguns povos não têm territórios específicos. Esse conceito é definido por Little (2002, p.4) como “esforço coletivo de um grupo social para ocupar, usar, controlar e se identificar com uma parcela específica de seu ambiente biofísico, convertendo-a assim em seu território”. Assim a territorialidade desvenda, nas palavras de Sundfeld (2002, p.78) “a maneira como cada grupo molda o espaço em que vive, e que se difere das formas tradicionais de apropriação dos recursos naturais”. Nesse sentido, remetendo à realidade do município, quem estabelece os limites para esses territórios são os grupos sociais, os povos e as comunidades tradicionais, os grupos populacionais, a partir das suas representações e de sua relação com o espaço. Como nos propusemos desvelar essa realidade com o percurso metodológico inspirado na pesquisa participante, na medida em que apresentamos os indicadores do diagnóstico trazemos aqui as reflexões socializadas nas sessões dialógicas pelos sujeitos da pesquisa, com o olhar para a realidade a partir das suas vivências em Educação de Jovens e Adultos ou de suas percepções como membros representantes de grupos tradicionais, comunidades, organizações e movimentos sociais. O propósito de construção reflexiva do diagnóstico da realidade socioeducacional do município busca subsidiar outro objetivo desse trabalho que é dialogar com representantes desses coletivos sobre as expectativas para Educação Profissional integrada à Educação de Jovens e Adultos. O diálogo com os sujeitos da pesquisa se sobressaiu em torno de três categorias (quadro n.03) que perpassam pela interface entre EJA e Trabalho como tema central8, aqui denominadas de Identidades coletivas, Educação para mudança e Direitos Negados. Quadro 3-Tema e categorias de análise Tema central Categoria Unidade de Registro Identidades Sociais Identidades coletivas Identidades Étnicas Identidades Educadoras Reflexão da Realidade Tessituras de Currículo Educação para Reconhecimento de Saberes Interface EJA/Trabalho mudança Práticas pedagógicas na EJA Organização do tempo-espaço escolar Formação docente Direitos Negados Invisibilidade dos sujeitos: normalização da exclusão Processos de exclusão da e na escola Movimento de resistência 8 A relação EJA e Trabalho permeou todo o diálogo entre os sujeitos da pesquisa nas reflexões que constituíram as categorias e subcategorias de análise, por isso concebemos “A interface entre EJA e Trabalho. como tema central da análise. O delineamento das concepções sobre essa relação EJA-Trabalho serão mais evidenciadas nas vozes do sujeito no subitem 5.2.1 Fonte: Elaboração da autora, 2018. A primeira dimensão apresentada pelos sujeitos da pesquisa nos remete a categoria de identidades coletivas revelada a partir das suas histórias de vida e de suas concepções sobre a relação EJA e Educação Profissional. Com base na questão reflexiva “A EJA e a Educação Profissional a serviço do que e de quem?” proposta nas sessões dialógicas em que problematizamos a EJA e a garantia de direitos dos excluídos e das excluídas e dos setores populares, a categoria identidade ecoou nas vozes dos sujeitos a partir de suas vivências em relatos de processos de reconhecimento de identidades sociais, étnicas e educadoras e também de imposição de contextos históricos de negação de identidades tensionada pela necessidade de sobrevivência. Pensar na educação para a EJA é pensar também em uma forma de trabalhar a questão das identidades. Por exemplo, em Cáceres existem vários, muitos chiquitanos, inúmeros descendentes de chiquitanos. Eu sou um chiquitano. Mas eu vejo esse desaparecimento dessas identidades nas escolas. Você percebe os grupos, mas só que não existe uma educação voltada para essa identidade, e aí os povos vão começando a desaparecer, porque as pessoas começam a diminuir a sua identidade, porque não conhece. Se eu não conheço a minha identidade, logo, eu vou negá-la, eu vou ter vergonha dela. E aí, pensar numa demanda, mais nesse sentido numa educação da EJA, uma educação cultural também, uma educação Interétnica. Penso que aí seria muito mais fácil trabalhar com essa questão cultural, da identidade humana, essa questão do desaparecimento desses povos aqui em Cáceres (PARTICIPANTE C, 43 anos). O desafio apresentado pelo participante da pesquisa reflete uma das dimensões do diagnóstico do munícipio que demonstra a realidade, por exemplo, de negação de identidade das pessoas indígenas, como grupo, ao fazermos referência à ausência da autoidentificação dessa população, no quesito GPTE, nos dados do Cadastro Único. Essa negação passa, de acordo com o relato da representante da Rede de Comunidades Tradicionais Pantaneiras pelo processo histórico de segregação e de exclusão dos povos tradicionais da fronteira Brasil-Bolívia, e pela necessidade dessas pessoas de se identificarem como brasileiras, o que impõe a apropriação da língua portuguesa. Devido a todo o processo de exclusão, a Língua Portuguesa se tornou a primeira língua meio que obrigatória, porque a nossa primeira língua era o espanhol na fronteira. A nossa comunidade foi expulsa de um território anterior que hoje é território da Bolívia, então, essa coisa de se afirmar enquanto brasileiro para ter acesso às políticas públicas brasileiras, ela necessariamente passa pela língua, pela afirmação da língua. E com isso, a minha mãe passou, em um processo histórico de resistência mesmo, a dizer „olha, nós somos brasileiros e precisamos nos formar enquanto brasileiros (PARTICIPANTE A, 41 anos). Ao relatar a sua história de vida, a participante traz reflexões sobre os desafios no processo de reconhecimento de sua identidade, para quem teve que sair de suas comunidades, de seus territórios. Filha de pai indígena da etnia bororo, e de mãe negra com índios chiquitanos, ela afirma que para entender sobre essa identidade tradicional é preciso entender o processo histórico de seu povo ou de sua comunidade, a sua vida e a dos seus ancestrais. Um processo de autodeterminação em que a pessoa se afirma dentro de um coletivo. “Por muito tempo dizer quem eu era ou de onde eu vinha era uma questão enigmática, as pessoas diziam que eu era diferente. Isso me inquietava, porque não eram só os traços indígenas. Era todo o processo histórico, essa ancestralidade que é muito forte”, conta a participante revelando que a sua descoberta de identidade despertou para o entendimento que outras comunidades precisam ter possibilidades de se reconhecerem, lutar pelo direito de continuar sendo diferente e que a educação como a EJA e as outras políticas públicas de forma geral precisam atender essas necessidades. Nesse sentido, pensar a dimensão de identidade da EJA como educação interétnica implica também em reconhecer o princípio da autodeterminação presente na Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho – OIT, de Genebra, Suiça, em 27 de junho de 1989, com o compromisso ratificado no Brasil pelo Decreto nº 5.051, de 19 de abril de 2004, a partir da necessidade dos povos indígenas e tribais de se autodeterminar de “assumir o controle de suas próprias instituições e formas de vida e seu desenvolvimento econômico, e manter e fortalecer suas identidades, línguas e religiões, dentro do âmbito dos Estados onde moram” (BRASIL, 2004b, p.1), tendo, como critério fundamental para determinar os grupos, a consciência de sua identidade. Esse princípio é referendado no Decreto 6.040/2017 que institui a Política de Povos e Comunidades Tradicionais como direito de “grupos culturalmente diferenciados e que se reconhecem como tais” (BRASIL, 2017). Ainda nesse contexto, o ordenamento jurídico brasileiro reconhece a autodeclaração como critério de pertença a grupos étnicos-raciais, em instrumentos como o Estatuto da Igualdade Racial (BRASIL, 2010). Como vocês podem ver, eu sou negra, meu pai era negro, a minha mãe também tem origem negra, então nossa origem, ela é basicamente negra. E deve ter alguns indígenas, alguns brancos aí, que é a composição brasileira. Mas assim, eu me identifico, me afirmo, me reconheço como negra. E a medida da experiência que vai se vivendo, com as discussões que os grupos vão provocando, a gente vê cada dia mais que a gente tem essa identidade negra brasileira. E como educadora, nos espaços formais e informais, em especial com jovens e adultos é preciso deixar que essa identidade apareça, é preciso superar os mecanismo de segregação dessa identidade que tem raízes perversas ainda na sociedade escravocrata (PARTICIPANTE G, 37 anos). A provocação da participante remete a reprodução de barreiras sociais, baseadas em raça, que segundo Santos (2009, p.31) é um dos principais mecanismos produtores de concentração de renda que caracteriza a sociedade brasileira, “na medida em que consegue através de complexos processos de discriminação com impedimentos e favorecimentos ao longo da trajetória ao acesso à educação e o emprego, impedir e ou dificultar o acesso de significativa parcela dessa população a essas riquezas” produzidas no país. Na realidade de Cáceres-MT mais de 78% da população jovem e adulta de baixa renda no município se definem pretas e pardas, no escopo do Cadastro Único que remete aos indicadores de cor e raça usados pelos mecanismos governamentais. Para além das relações raciais, de modo mais abrangente, na avaliação do coletivo é preciso refletir sobre as identidades étnicas, tomando como base inclusive dispositivos legais como a Lei 10.639 de janeiro de 2003 que insere o ensino sobre História e Cultura Afro-Brasileira nas escolas (BRASIL, 2003). Ainda em outra dimensão de identidades coletivas, o diálogo com os sujeitos apontou para identidades educadoras que vão se formando na EJA a partir da vivência com as pessoas jovens e adultas e da necessidade de reconhecer e respeitar as especificidades dessa educação e superar limitações da própria formação geral como pessoa-educadora. O primeiro contato que eu tive com a EJA foi muito tempo depois que eu estudei, quando eu comecei a trabalhar, me tornei professora e foi um choque. Eu vivia numa realidade onde a gente era condicionada, cobrada o tempo todo [...] que você tem que pesquisar, publicar, descobrir, produzir tecnologia de ponta, essas coisas. A gente pensava muito só na gente, estava buscando se destacar. E durante muito tempo foi assim. Aí na EJA foi uma dificuldade e eu me sentia perdida, porque preparava aquela aula “Meu Deus do Céu” e eles ficavam olhando assim “O que que é isso? O que essa professora está falando?” Eu achava aquilo um absurdo, eu achava que eu não tinha que conviver com eles, que os problemas deles não me interessavam, que tinha que fazer o que eu estava ali explicando. Analisando hoje percebo que foi tudo muito distante, fui friamente passando aquilo que eu tinha aprendido. Talvez até pela inexperiência de professora mesmo, pedagogicamente falando, não tenho licenciatura. Mas foi um aprendizado. A partir da convivência com eles eu fui desenvolvendo outra consciência, hoje a minha visão sobre jovens e adultos é completamente diferente. Tivemos outras vivências como nos cursos de Mulheres Mil, de culinária, e de panificação e foi ótimo (PARTICIPANTE I, 44 anos). No processo de construção de identidades educadoras na EJA, reflexões como as dessa participante apontam, como nos diz Freire (1996, p. 21) para o desafio de viver a humildade, como condição do pensar certo, “que nos faz proclamar o nosso próprio equívoco, que nos faz reconhecer e anunciar a superação que sofremos”. Convergindo com essa perspectiva freiriana, o diálogo do coletivo refletiu também sobre a necessidade de identidades educadoras constituídas no saber que ensinar não é transferência de conhecimento, mas é possibilitar a sua construção. Para Freire (1996, p.21) este saber tanto precisa ser apreendido pelas pessoas educandas e educadoras nas suas razões de ser “ontológica, política, ética, epistemológica, pedagógica” como também “ser constantemente testemunhado, vivido”. A outra dimensão de identidade revelada a partir das reflexões das pessoas participantes da pesquisa é aqui apresentada como identidades sociais. Destaca-se na reflexão dos sujeitos que a realidade da população jovem e adulta excluída da escola tem relação intrínseca com a situação da pobreza. A não escolarização ou as trajetórias escolares descontínuas está ligada, nas concepções manifestadas no coletivo, às necessidades de subsistência e ou de sobrevivência e atinge as pessoas mais pobres, como no relato que segue: Eu na época parei 20 anos fora de uma sala de aula, porque eu sou pescador, meu pai era pescador e eu não tinha condições, não tinha como deixar minha profissão para estudar. Então, teria que fazer uma opção ou por um lado ou por outro. Um tempo depois voltei, estudei, fiz faculdade. Para mim, é triste a gente discutir esses assuntos das condições das famílias. Eu trabalho lá na associação de pescadores, onde hoje nós temos 300 pessoas associadas. Conheço o Empa, os bairros vizinhos, conheço a realidade das pessoas. Pra conseguir acessar a escola elas têm que ter condições financeiras, alimentares. O município hoje não tem emprego. É difícil. Claro que todo mundo quer chegar a um banco de escola, poder estudar, mas assim, a maioria das vezes as pessoas deixam de acessar por falta das condições (PARTICIPANTE F, 52 anos). A fala do participante converge nas considerações de Frigotto (2009) sobre a distorção do discurso de que as pessoas são pobres porque não tem boa escolaridade, quando ao contrário, ao confrontar a realidade da Educação de Jovens e Adultos constata-se que as pessoas têm pouca ou nenhuma escolaridade justamente porque são pobres. Seria essa relação, segundo o autor, um dos aspectos para desconstruir a ideologia que coloca a escola como responsável pela correção das mazelas da sociedade. Esse movimento de pensar a partir da dimensão socioeducacional sobre quem são os sujeitos que poderão compor coletivos de Educação de Jovens e Adultos, nos aproxima do entendimento de Arroyo (2012, p.6, grifo nosso) de que as pessoas jovens e adultas da EJA “são membros de coletivos sociais, raciais, e classe, gênero, de campo... segregadas e segregados, oprimidas e oprimidos, membros de coletivos que lutam por trabalho, teto, terra, renda, saúde, transporte, escola”. Ao buscarmos compreender as especificidades desses sujeitos, nos deparamos com membros de coletivos de classes populares que têm em comum a marca historicamente construída de negação de direitos fundamentais, a exemplo do acesso à escola, como apresentaremos a seguir. 5.1 REALIDADE DE ACESSO À ESCOLA DAS PESSOAS JOVENS E ADULTAS Para refletirmos sobre a realidade de escolarização da população jovem e adulta no município de Cáceres-MT, considerando a situação de pobreza e extrema pobreza retratada com base nos dados do Cadastro Único, reunimos as informações das pessoas com 18 anos ou mais, nascidas até maio de 2000, tendo como referência o mês/ano de extração dos dados do Ministério de Desenvolvimento Social, disponibilizados para a pesquisa em maio de 2018. Os resultados do diagnóstico foram obtidos a partir da estatística descritiva com análise de frequência e com recurso de tabelas de referência cruzada com o auxílio do software SPSS 20, a partir das variáveis de características de domicílios, renda, idade, sexo, cor e raça e de escolarização com olhar para realidade de acesso, permanência com sucesso e evasão na educação básica. Das pessoas inscritas no Cadastro Único, na faixa de renda familiar de zero a meio salário mínimo per capita ou de renda total familiar de até três salários mínimos, 56,3% (21.880) são jovens e adultas, destas 22,1% (4.839) estão na faixa de 18 a 24 anos de idade e outros 77,9% (17.041 pessoas) têm entre os 25 anos ou mais de idade (tabela 6). Com relação a situação de baixa renda, 86,7% (18.971 pessoas) integram famílias com renda per capita mensal de R$ 0,00 a meio salário mínimo, sendo 41,9% (9.164 pessoas) com renda familiar per capita mensal de R$ 0,00 a R$ 85,00, em situação de pobreza extrema. Apenas 13,3% (2.909 pessoas) dessa população jovem e adulta têm renda familiar acima de meio salário mínimo, não ultrapassando, na soma da renda de todos os integrantes da família, o valor mensal familiar de três salários mínimos. Tabela 6 – Quantitativo de pessoas jovens e adultas com base em renda e faixa etária. Valor Renda Média Familiar Mensal Idade Total De 18 a 24 anos De 25 anos ou mais de idade Renda per capita familiar de R$ 0,00 a R$ 85,00 2.434 6.730 9.164 Renda per capita de R$ 85,01 a 1/2 salário mínimo 2.175 7.632 9.807 Renda per capita acima de 1/2 salário mínimo 230 2.679 2.909 Total 4.839 17.041 21.880 Fonte: Elaborada pela autora, 2018. Do total de pessoas jovens e adultas nessas faixas de renda, 83,1% (18.174) residem em domicílio com características urbanas e 16,9% (3.706) rurais. As mulheres são maioria correspondendo a 64,7% (14.148) dessa população composta por outros 35,3% (7.732) pessoas do sexo masculino, conforme observaremos na tabela 7. No que tange à cor ou raça, 71,1% (15.565 pessoas) se afirmam parda; 21,2% (4.637 pessoas) como branca; 6,5% (1.428 pessoas) como preta; 0,7% (144 pessoas) como amarela, e 0,4% (88 pessoas) se declaram indígena. Tabela 7 – Caraterística de domicílio e sexo de pessoas jovens e adultas. Característica de Domicílio Total Masculino Feminino Domicílio Urbanas 6.013 12.161 18.174 Rurais 1.719 1.987 3.706 Total 7.732 14.148 21.880 Fonte: Elaborada pela autora, 2018. Com relação à escolarização partindo da dimensão do acesso à escola dessas pessoas jovens e adultas, os dados nos mostram que 16,4% (3.583 pessoas) frequentam escola; 75,5% (16.510 pessoas) não frequentam, mas já frequentaram e; outra parcela da população jovem e adulta nessa faixa de renda, 8,1% (1.780 pessoas) nunca frequentou a escola. Neste cenário, 2.356 pessoas afirmam que não sabem ler e escrever, indicando uma taxa de analfabetismo de 10,8% entre as pessoas com 18 anos ou mais nas faixas de renda aqui consideradas. Do quantitativo de 3.583 pessoas jovens e adultas que estão na escola (tabela 8), 71,1%, o equivalente a 2.548 pessoas, ainda não concluíram a educação básica compreendida como ensino fundamental e médio. Do total que frequenta a escola, 672 pessoas, 18,7%, cursam alfabetização e ensino fundamental e 1.876 pessoas, 52,4 %, o ensino médio. Tabela 8 – Quantitativo de pessoas jovens e adultas que frequentam escola. Nível de ensino/curso que frequenta Número de pessoas Porcentagem Educação básica Alfabetização 22 0,6% Ensino Fundamental 650 18,1% Ensino Médio 1.876 52,4% Educação superior e prévestibular. Pré-vestibular 1 ,0 Educação Superior 1.031 28,8% Indefinido Vazia 3 0,1% Total 3.583 100 Fonte: Elaborada pela autora, 2018. A maior parte dessa população jovem e adulta do município concentra-se em pessoas que não estão na escola, mas já frequentaram algum curso. Nesse cenário, do total de 16.510 pessoas, apenas 4,6% (767 pessoas) ingressaram no ensino superior. As outras 15.743 pessoas, 95,4%, pararam os estudos na educação básica, sendo 8.491 pessoas, 53,9%, ainda no ensino fundamental e ou alfabetização e 7.252 pessoas, 46,1%, no ensino médio. Ao analisarmos os dados sobre conclusão de curso na educação básica para indicadores de demandas para a Educação de Jovens e Adultos no município constatamos que entre as pessoas jovens e adultas que não estão na escola, mas já frequentaram algum curso, 7.285 pessoas não concluíram o ensino fundamental, o equivalente a 85,8% dos que frequentaram como curso mais elevado esse nível de ensino. Como podemos observar na tabela 9, há um percentual de 3,5% equivalente a 297 pessoas que frequentaram o ensino fundamental sem identificação de conclusão ou não. Neste caso, se considerarmos apenas os dados identificados sobre a situação de conclusão (concluiu/não concluiu), teremos um total de 8.194 pessoas que frequentaram o ensino fundamental, e o percentual entre os que não concluíram chega a 89% nesse nível de ensino. Tabela 9 – Quantitativo de pessoas jovens e adultas que frequentaram escola e situação de conclusão por curso. Nome do curso frequentado Número de pessoas Total Concluiu Não Não concluiu identificado Ensino Fundamental (8 ou 9 anos) 909 7.285 297 8.491 Ensino Médio 4.792 2.010 450 7.252 Educ. Superior 97 32 638 767 Total 6.642 8.011 1.857 16.510 Fonte: Elaborada pela autora, 2018. No que se refere às 7.252 pessoas que frequentaram a escola até o ensino médio, pelo menos 4.792 pessoas, 66,1% dos ingressos, concluíram a formação na educação básica. Nesse nível de ensino, 2.010 pessoas, 27,7%, não terminaram o curso e a situação de conclusão de outras 450 pessoas, 6,2%, não foi identificada. Os números demonstram que quem conseguiu chegar ao ensino médio teve, proporcionalmente, uma taxa maior de conclusão do curso, equivalente a 66,1% dos ingressantes, do que quem frequentou apenas o ensino fundamental, que implicou em pouco mais de 10% de estudantes concluintes. A partir do diálogo sobre a realidade de acesso à escola dessas pessoas jovens e adultas, durante as sessões dialógicas, o coletivo da pesquisa foi refletindo e trazendo questionamentos sobre os desafios e possibilidades da Educação de Jovens e Adultos, tendo como horizonte a busca de caminhos para oferta da EJA e da Educação Profissional integrada à EJA, a partir do desvelar das necessidades da população mais pobre do município. Nesse contexto de inquietações, surge a categoria que intitulamos, com base nas falas do coletivo, a partir da concepção da interface EJA e Trabalho, como educação para mudança, aqui apresentadas nas seguintes subcategorias: reflexão da realidade; tessituras de currículo; práticas pedagógicas na EJA; reconhecimento de saberes; formação docente e organização de tempo-espaço escolar. No contexto apresentado aqui, a EJA como educação para mudança parte da perspectiva da educação problematizadora (FREIRE, 1987) que possibilite as pessoas jovens e adultas refletirem e questionarem a realidade em que vivem como possibilidade histórica de mudança. Não se trata aqui, como diz Gadotti (1979, p.5) de conceber a educação, a partir da concepção ingênua da pedagogia como “o motor da transformação social e política”, “nem no pessimismo sociológico que consiste em dizer que a educação reproduz mecanicamente a sociedade”, mas como instrumento provocador que pode levar os sujeitos ao desvelar da realidade e perceber possibilidades de transformação. Eu acho que a EJA, por ser voltada para pessoas que vem de um processo histórico de negação à educação, ela deveria no seu objetivo principal ter isso: não seria dar uma nova oportunidade, mas possibilitar uma reflexão sobre a realidade dessas pessoas que não tiveram oportunidade de estar na escola em um período em que deveriam. No caso da minha mãe, ela estava trabalhando, estava na roça, cuidando de gado, cuidando de um monte de coisas. E eu acho que a EJA vem muito nessa perspectiva, deveria ser nessa perspectiva de reconhecer mesmo e refletir sobre esse processo histórico porque depois que você é adulto, você tem outras visões de mundo, e a visão crítica da realidade pode resultar em um movimento de mudança (PARTICIPANTE A, 41 anos). Falas como a dessa participante nos remete a mudança na perspectiva freiriana da “percepção da realidade” (FREIRE, 1979, p. 27), que se dá no momento em que as pessoas no processo de ação-reflexão são capazes de perceber o condicionamento a que estão submetidas pela estrutura social em que se encontram. É o transpor de uma percepção fatalista, ingênua, que concebe a realidade como inexorável, para uma percepção crítica dessa realidade que implica em “vê-la como realmente é: uma realidade histórico-cultural, humana, criada pelos homens e pelas mulheres e que pode ser transformada por eles e por elas”. Esta mudança de percepção que se dá, segundo Freire (1979, p. 33) “na problematização de uma realidade concreta, no entrechoque de suas contradições” implica um novo enfrentamento do sujeito com a sua realidade, em reconhecer-se como ser humano que “deve atuar, pensar, crescer, transformar e não adaptar-se fatalisticamente a uma realidade desumanizante. Implica, finalmente, o ímpeto de mudar para ser mais”. Nessa perspectiva, a EJA como educação para mudança está associada a reconhecer os sujeitos da Educação de Jovens e Adultos como sujeitos históricos e sociais, implicados em suas lutas cotidianas por trabalho e sobrevivência. Hoje eu sou de um residencial que grita por uma realidade de socorro por mais educação, qualificação, infraestrutura [...] A condição de água é precária, o meu filho passou mal porque tomou um copo de água, eu hoje vim pra cá com o estômago que não está valendo nada porque tomei um copo de água, e olha que pagamos um absurdo por ela, porque a água é privada. Há uma certa aglomeração de sal nas tubulações, na caixa de água, assim também é na educação, tem tanta coisa entupida nessa tubulação da educação. [...] Aqui tem falta de transporte, falta de segurança, de falta de qualificação, de trabalho, o jovem e adulto precisa de creche para colocar as suas crianças. No início tivemos que brigar porque não queriam pegar criança de 4 anos e as mães precisavam trabalhar então, não pode ficar fechada, a educação para jovens e adultos está relacionada com outros problemas, e precisamos aprofundar essa realidade dos jovens e adultos e pensar no contexto geral em que vivemos (PARTICIPANTE O, 35 anos). As inquietações apresentadas corroboram com a reflexão de Gadotti (2011, p.38) de que a situação de escolarização dessas pessoas, a exemplo do analfabetismo “é a expressão da pobreza, consequência inevitável de uma estrutura social injusta”, assim sendo, não há enfrentamento para essa situação, sem problematizar as suas causas. Nesse sentido, o autor destaca que para a educação básica em EJA é preciso o conhecimento das condições de vida dos sujeitos que lutam para superar situações precárias de moradia, saúde, alimentação, transporte, emprego, entre outras condições objetivas na vida dessas pessoas. Da mesma forma, precisa conhecer as condições subjetivas, a exemplo da história de cada grupo, suas lutas e organização. Assim, o processo de conhecimento da realidade não pode ser apenas formal, mas deve-se dar a partir da inserção na realidade, na convivência com as pessoas jovens e adultas. Ainda nesse contexto de refletir a realidade, no coletivo da pesquisa surgem discussões sobre a interface EJA e Trabalho em sua dimensão social e política e perspectiva da EJA na formação para os direitos humanos. Ilustramos aqui essas concepções a partir das vozes dos sujeitos abaixo: A educação na perspectiva que nós imaginamos é a educação que auxilia na mudança, na transformação. Estamos aqui discutindo educação de jovens e adultos, mas as questões relacionadas a moradia, relacionadas a água, a questão ambiental, a questão da pesca, a saúde [...] isso tudo é educação. É essa perspectiva de educação que nós devemos abraçar. A educação separada da realidade social – política -econômica, ela não existe. A perspectiva de educação na qual nós pensamos é aquela proposta na última conferência de direitos humanos que é os direitos de maneira interdependentes e interrelacionados. Não tem como separar a educação das vidas das pessoas. Ela tem que transformar, tem que mudar. Tudo o que discutimos aqui é educação. Numa perspectiva de mudar uma realidade. Esse processo que começamos discutir aqui é o processo verdadeiro. A gente começa a pensar como utilizar melhor essa educação para fazer as mudanças que todos colocaram aqui (PARTICIPANTE D, 52 anos). Nós temos uma preocupação de formar pessoas para que elas saibam discutir políticas, para que as nossas pessoas não sejam fantoches nas mãos de quem quer que seja. Nossa preocupação dos movimentos sociais é de formação para os Direitos Humanos (PARTIPANTE F, 55 anos). Essas perspectivas da EJA como educação para mudança desnudam as intencionalidades dos discursos da neutralidade da educação que, para Freire (1992, p. 58), “não é outra coisa senão a maneira manhosa com que se procura esconder a opção”. A EJA só existe, só se faz necessária, porque existe pobreza e pobreza extrema, fruto de relações de exploração que nega direitos inalienáveis às pessoas e agride à dignidade humana. Para que a educação seja elemento provocador de qualquer mudança é preciso que os sujeitos reflitam sobre essa realidade. A realidade, como nos diz Arroyo (2016, p. 44) da condição social e política de quem “bem cedo, na infância, aprendem-se membros da classe trabalhadora empobrecida, explorada”, tendo em suas vivências “o trabalho, o sem-trabalho, o ganhar a vida, o sobreviver como uma constante. Como uma condição de classe, de raça. Ganhar a vida. Fugir da morte”. Nessa perspectiva corroboramos com o autor, que projetos educativos comprometidos com movimentos de mudanças dessa realidade precisam ajudar a compreender, a partir das histórias pessoais e coletivas das pessoas jovens e adultas de lutas por trabalho e por escola, como se dá a articulação entre outras lutas. Conhecimentos que nas palavras de Arroyo (2016, p. 48) as “ajudarão entender-se na história das tensas lutas por direitos”. Nesse contexto, os sujeitos da pesquisa vão apresentando outras dimensões sobre a interface EJA e Trabalho associadas à categoria „Educação para Mudança., a exemplo da atenção para as especificidades da Educação Profissional integrada à Educação de Jovens e Adultos no que tange à tessituras de currículo, a organização de tempo-espaço escolar, da necessidade de reconhecimento dos saberes dos sujeitos da EJA, da formação das educadoras e dos educadores e reflexão sobre as práticas pedagógicas na EJA. No que se referem ao currículo9, as e os participantes remetem à necessidade do diálogo e da construção com os sujeitos jovens e adultos na definição e organização dos cursos, para que os saberes eleitos como formativos implicados em temas técnicos, éticos, políticos e estéticos (MACEDO, 2013) contemplem esse refletir e problematizar a realidade em que estão inseridos. Quais saberes precisamos trabalhar? Como fazer o intercâmbio dos saberes da academia com os que essas pessoas trazem? Como fazer isso para que elas se compreendam e compreendam o universo em que vivem? porque pensamos que a educação tem que ser para isso também, né?! pro seu mundo, para sua vivência, pra sua casa. Vamos trabalhar novas tecnologias? Inseridas em que realidade? A nossa vivência nesse universo de desafio e ao mesmo tempo de possibilidades que foi e que eu espero que ainda seja o Proeja em nossa instituição, nos mostra que a partir das experiências, dos saberes desses jovens e adultos podem surgir inovações inclusive, tecnológicas, para a sua própria área de atuação, que no nosso caso foi na área de alimentação tanto no Proeja de Aquicultura, quanto no de Agroindústria, como em nossos projetos, trabalhando diretamente com mulheres.[...] Em um curso para mulheres, por exemplo, em um contexto onde ainda impera o machismo, em que as mulheres ainda são vistas como inferior, que são submetidas a muitas violências, que conhecimentos, saberes, precisamos trabalhar? Essas discussões têm que ser aprofundadas, quando a gente pensa em um curso, no diálogo com as pessoas envolvidas, para ter sentido, por ser um conhecimento para a vida, para o mundo, para o universo. Para os seres humanos mesmo (PARTICIPANTE G, 37 anos). Reflexões como as da participante desvelam a dimensão do currículo no sentido preconizado por Arroyo (2011 p. 13) como “território de disputa”, a medida em implica na eleição dos saberes, dos conteúdos que serão ou não trabalhados. Para Freire (1992) a questão fundamental é de natureza política, é saber quem escolhe os temas ou conteúdos que serão trabalhados, a favor de quem estará essa escolha, contra quem, a favor de que, contra o que. Questionamentos provocadores que implicam na defesa do currículo construído com e para as pessoas por meio de um denso processo dialógico, reflexivo. 9 É importante elucidar que o currículo aqui compreendido como vasto campo de saber que tem centralidade no conhecimento, não pode ser confundido como documento estático, como grade, em uma interpretação reducionista, mas como diz Macedo (2002, p. 28) é um construto sociocultural, um artefato socioeducacional “inventado para alterar, provocar mudanças”. Ainda nessa sentido, surge a necessidade de reconhecimento das pessoas jovens e adultas como sujeito de saberes, que podem produzir tecnologias, inovações a partir dos saberes experenciados em suas vivências, o que remete ao conceito freiriano de “saber de experiência feito”. Nas palavras de Freire (1996, p. 26, grifo nosso) “não é possível respeito às educandas e aos educandos, à sua dignidade, a seu ser formando-se, à sua identidade fazendo-se, se não se levam em consideração as condições em que elas e eles vêm existindo, se não se reconhece a importância dos conhecimentos de experiência feitos”. Essa reflexão freiriana ecoa e aprofunda o sentido na reflexão sobre a realidade em curso, presente nas vozes dos sujeitos da pesquisa, como nas impressões descritas abaixo: Essas pessoas trazem as histórias de vidas delas para dentro da sala de aula e a gente não deve pensar apenas em ensinar, mas também em aprender muito com elas. É uma oportunidade de aprendizado diário. Então, como elas podem associar aquilo que já sabem na prática ao que diz a teoria? Como elas podem trazer o que elas fazem no dia a dia delas para cá, ou como elas podem ressignificar a vida delas tendo uma oportunidade de um aprendizado profissional que possa ajudá-las no mundo do trabalho, e também ampliar essa questão da renda, ampliar esse repertório social. Porque elas estão aqui, também nesse convívio, para ampliar sua autoestima -o que é muito importante como pessoa para o seu viver, para a sua representatividade na comunidade em que ela está, na própria família.[...] A gente enxerga tudo isso para além do conhecimento acadêmico, quando a gente fala em EJA e em EJA ligada à educação profissional. Então, como essas pessoas se redescobrem como indivíduos e também na coletividade da sua família e da sua comunidade além da qual fazem parte, depois desse empoderamento de voltar a estudar? de aprender coisas novas também? De ver que aquilo que elas já sabem no dia a dia delas, e na prática delas está correto, ou que elas podem ajustar uma coisa ali e outra acolá. E que principalmente de se enxergarem como pessoas que têm conhecimentos (PARTICIPANTE J, 42 anos). A necessidade do reconhecimento do “saber de experiência feito”, refletida na fala da participante, não pressupõe autossuficiência e limitação desse saber, ao contrário, como diz Freire (1992, p. 57) provoca as práticas educativas para a busca necessária pela superação desse saber por um saber mais crítico, mais exato, a que as classes populares têm direito “o direito de saber melhor o que já sabem, ao lado de outro direito, o de participar, de algum modo, da produção do saber ainda não existente”. Para o exercício desse direito de jovens e adultos, a superação de alguns elementos presentes na EJA é destacada pelo coletivo da pesquisa com maior ênfase em práticas pedagógicas na EJA com forte aproximação do que se convencionou chamar ensino regular e a organização do tempo-espaço escolar. No tange a organização do tempo e do espaço escolar as discussões se destacaram em torno da realidade de acesso e localização do campus do IFMT e da paralização da oferta de cursos e de funcionamento no período noturno, incluindo possibilidades aventadas nos espaços internos da instituição para oferta de cursos do PROEJA em período vespertino. As problemáticas tomaram como horizonte, a necessidade de se discutir com as comunidades a organização dos cursos, para conhecimento da realidade dos sujeitos jovens e adultos. Quando eu fui professora na EJA, eu ficava muito intrigada porque às vezes a escola achava que, tendo um horário flexível, resolveria todos os problemas, né?! E muitas vezes eu ouvia dizerem. Muitos professores „Ah, ninguém quer estudar mesmo não, porque olhe: já começa seis da tarde, pra eles terem um tempo, termina nove da noite, para poder descansar e assim mesmo faltam, assim mesmo não tem interesse. Passa coisas e eles não fazem.. Aí na época a gente fez um mapeamento pra saber de onde vinham essas alunas, na minha aula eram senhoras, a maioria eram mulheres. E aí a gente começou a entender que muitas delas eram faxineiras, que muitas delas, algumas eram garis. As aulas começavam as seis, elas trabalhavam até às seis! Então assim que realidade a escola está dando mesmo para elas? (PARTICIPANTE A, 41 anos). Depoimentos como a da participante revelaram que a flexibilidade de tempo escolar por si só, não resolve o problema. Para que a organização de tempo e espaço escolar atenda as necessidades das pessoas jovens e adultas é preciso que ela tenha como princípio fundante a observação da realidade o que pressupõe diálogo com os sujeitos envolvidos. De acordo com Arroyo (2007, p. 13) a garantia do conhecimento para quem não tem domínio dos seus tempos exige dos projetos educativos pensar nos itinerários de vida das pessoas jovens e adultas da EJA que, em grande maioria, segundo o autor, já são vítimas da rigidez dos tempos escolares desde a infância e não pode-se exigir que elas se adaptem a mesma rigidez de tempos na EJA. “Será que não há percepção de que não é possível obrigar jovens e adultos que não dominam os seus tempos, que têm que esticá-los, sempre, para poder sobreviver, a modelos rígidos de organização dos tempos escolares?” No âmbito da Educação Profissional integrada à Educação de Jovens e Adultos, reconhecer as especificidades da EJA na organização dos tempos e espaços é necessidade referendada no próprio Documento Base do PROEJA (BRASIL, 2006), que indica que a organização do calendário escolar pode considerar peculiaridades como sazonalidade, alternância, turnos de trabalho, entre outras especificidades que surgirem à medida que a política seja implementada. Ainda no sentido dos desafios para reconhecimento das especificidades da EJA, o coletivo destaca a necessidade de superação do que chama de práticas pedagógicas tradicionais da educação na EJA, em referência a práticas pedagógicas na EJA com forte aproximação do que se convencionou chamar ensino regular. Uma das questões é a forma pedagógica de se trabalhar. É a forma de acolher, a forma como a escola traz esse aluno para dentro, tanto aqui fora, na escola, quanto eu trago também para a minha experiência lá do sistema socioeducativo e também no sistema prisional. Esses alunos, eles vêm de negação de direitos a todo o momento. Eles já passaram por aquele viés da escola tradicional, que é a lousa e o caderno. Eles já estão muito além, é uma população diferente, já são jovens e adultos, já tem muita vivência, então já traz muito conhecimento, muita bagagem. E aí quando você propõe o mesmo modelo ele não fica na sala de aula. Ele vai evadir (PARTICIPANTE B, 46 anos). Esse não reconhecimento das especificidades da EJA nas práticas educativas deriva, entre outros aspectos, com base em Pinto (2010) da concepção pedagógica do sujeito da EJA como um atrasado que cessou de desenvolver-se culturalmente, o que gera equívocos como o da infantilização das pessoas adultas. Para o autor, essa concepção conduz aos mais graves erros pedagógicos, pela aplicação de métodos impróprios e pela recusa de aceitar os métodos integradores do homem e da mulher em sua comunidade, nos quais o conhecimento se faz pelo alargamento e aprofundamento da consciência crítica do sujeito frente à sua realidade, na perspectiva de conhecer a realidade e modificá-la. Nesse sentido, os desafios apresentados pelas pessoas participantes da pesquisa remontam também a reflexão sobre a educação bancária, que consiste na afirmação de Freire (1987, p.33, grifo nosso) em instrumento da opressão, na medida em que se torna o ato de depositar, de transferir valores e conteúdos, em que “as educandas e os educandos são as e os depositários e a educadora e ou o educador a ou o depositante”, e o saber é uma doação das educadoras e dos educadores às educandas e aos educandos que nada sabem. Educação “imobilizante” no sentido de que compromete o poder criador das pessoas e o desenvolvimento da consciência crítica de que, segundo o autor, resultaria nas suas inserções no mundo como transformadores dele. Por outro lado, há a possibilidade da educação problematizadora que pressupõe a superação dos esquemas verticais da educação bancária e desta forma, na concepção de Freire (1987, p. 39): “[...] a educadora ou o educador já não é a ou o que apenas educa, mas a ou o que, enquanto educa, é educada ou educado, em diálogo com a educanda ou o educando que, ao ser educada ou educado, também educa. Ambos, assim, se tornam sujeitos do processo em que crescem juntos”. Nesse sentido, a educação problematizadora, de caráter altamente reflexivo e dialógico “implica num constante ato de desvelamento da realidade”. A educação de Jovens e adultos se preocupa com o ensino como está lá no dia a dia, daquele jeito isolado de ensinar a ler e escrever. Eu acho que temos que ver a prática, a partir das vivências daquelas pessoas. Às vezes a gente pensa na aula com base no que a gente acha que elas precisam, mas talvez parar um tempo para ouvir essas pessoas. [...] Eu acho que seria uma construção. Se eu vou lá na pessoa com deficiência física, eu penso que ela precisa de acessibilidade. Eu faço uma rampa que não sirva pra ela. Ela mesma precisa dizer que tipo de acessibilidade é necessário. Então a educação precisa desse ouvir, do diálogo constante. E nós não temos essa formação. Esse despertar (PARTICIPANTE L, 45 anos). O professor que tem um perfil diferenciado para EJA ele trabalha para além da sala de aula, ele vai buscar o aluno, ele conversa com o aluno, ele tem outras formas pedagógicas de avaliação, ele rompe com o modelo tradicional da sala de aula. É outra coisa quando tem conversa, acolhimento. Eu acredito muito nisso. Acho que um dos caminhos está nesse professor e em sua formação docente (PARTICIPANTE B, 46 anos). Falas como as transcritas acima integram na categoria EJA como educação para mudança a dimensão necessária da formação dos educadores e das educadoras. De acordo com Rummert e Ventura (2011) essa formação deve se relacionar com a problemática mais ampla do reconhecimento da modalidade como direito inalienável das pessoas que não tiveram assegurado o acesso à educação ou a garantia de condições de permanência na escola. Para as autoras, as pessoas jovens e adultas têm o direito de serem acolhidos em um espaço- tempo escolar que seja plenamente adequado às suas características e necessidades. Assim sendo, a formação apropriada à atuação das e dos profissionais da educação, no âmbito da EJA, também se constitui um direito, tanto das educadoras e dos educadores quanto das educandas e educandos. Os cursos de formação de pessoal docente, contudo, conforme Paiva (2011, p. 21) têm um histórico de ênfase em “modelos organizativos, realidades e sujeitos de escolas chamadas „regulares.”, assim limitam a formação, nas palavras da autora, para “compreensões mais abrangentes do fenômeno educativo, de seus variados e potenciais sujeitos e das exclusões que o campo do direito, do aprender e do não-aprender conformam na realidade educacional brasileira”. Sem deixar de considerar as exigências desafiadoras impostas nesse cenário de falta de formação, a autora remonta a outra dimensão experimentada pelas educadoras e pelos educadores que é o da “autoformação” constituída a partir do diálogo com os sujeitos jovens e adultos, do reconhecimento da realidade em que vivem e das experiências que trazem, em um processo formativo que implica em ressignificar o seu próprio conhecimento docente, os seus fazeres e práticas. Ao se levar em conta saberes cotidianos, prévios, quase sempre ignorados na formulação curricular tradicional que encobre experiências sociais, históricas, culturais, de classe, de sociedade, de professores e alunos, trançam-se histórias e com elas saberes, conhecimentos, produzidos na vida cotidiana, formando redes que passam a emergir na realidade da escola, como emergem na realidade da vida (PAIVA, 2011, p. 22). Nesse sentido, o processo de formação e autoformação educadora na EJA tem relação implicada com o currículo na concepção aqui adotada que deve se traduzir em uma construção coletiva com docentes, educandas e educandos e demais segmentos sociais envolvidos nas diferentes realidades escolares. Na partilha de experiências registradas pelos sujeitos da pesquisa nas sessões dialógicas surge a reflexão de que essa construção centrada no encontro com as pessoas está relacionada ao sonho pela humanização (FREIRE, 2001) que a EJA exige, como nos provoca a fala a seguir: Eu partilho a experiência desse lugar do sistema socioeducativo e prisional. Como gerente socioeducativo durante um ano e meio, professor lá por três anos, de lá eu vi pouquíssimos que realmente saíram e continuaram a sua vida normal. Infelizmente, 96%, 95% sai do sistema socioeducativo e vai para o sistema prisional. E a gente não tem a política que faça esse trabalho de resgate de verdade. O que você professor vai conseguir fazer nesse contexto? [...] Você não vai transformar aquela pessoa, mas você vai ajudar ela a resgatar o sonho que ela tinha. A EJA é resgatar sonho, a EJA é trazer de volta o que a pessoa queria lá atrás, „eu quero viver o que foi negado lá atrás.. Então a gente propõe isso. [...] Nós temos um projeto Reler na cadeia feminina que é a remissão pela leitura. A cada livro lido elas fazem uma resenha que dá o direito de três dias de remissão. Quando a gente chegou estava totalmente desfavorecido, elas iam para o contexto pensando só na remissão que as ajudaria a sair do sistema prisional. Hoje elas já vão para o contexto pelo projeto. Porque é um projeto realmente de escuta, onde elas são tratadas como ser humano, dentro de uma proposta negativa de um sistema prisional. E ali é um processo da EJA também. Ali a gente constituiu de novo em uma proposta que a educação transforma. E aí elas já saem escrevendo, com várias resenhas construídas por elas. Acho que esse é um caminho (PARTICIPANTE B, 46 anos). As reflexões e desafios apontados como caminho para EJA, a partir da perspectiva freiriana do sonho pela humanização das pessoas passa também pela continuidade da formação docente, pela inquietação em questionar quais saberes educadoras e educadores precisam para viabilizar o encontro com essas pessoas “cuja humanidade vem sendo negada e traída?” (FREIRE, 1996, p. 30). Na prática educativa da EJA, sempre “tropeçando na dor humana” em meio a “um sem-número de problemas” esse sonho pela humanização dos sujeitos não pode ser confundido com uma percepção ingênua e romantizada da realidade, mas ao contrário, como diz Freire (1992, p.51) é “processo, e sempre devir que passa pela necessidade de ruptura das amarras reais, concretas, de ordem econômica, política, social, ideológica que nos estão condenando à desumanização”; é, portanto, “exigência permanente na história que fazemos e que nos faz e re-faz”, como educadoras e educadores, como sujeitos, como seres humanos. 5.2 EDUCAÇÃO BÁSICA: INDICATIVOS DE NEGAÇÃO DE DIREITOS Como nos propusemos realizar nesse diagnóstico uma análise socioeducacional do município de Cáceres-MT partimos dos indicadores de acesso à escola para analisar a situação da educação básica no propósito de discutir com o coletivo da pesquisa as dimensões desafiadoras e possibilitadoras da Educação Profissional integrada à Educação de Jovens e Adultos no município, a partir de levantamento de possíveis demandas. A partir da análise de frequência sobre dados de escolarização (tabela 10) podemos concluir que 67,8% da população jovem e adulta em situação de baixa renda em Cáceres-MT ainda não concluiu a educação básica, totalizando 14.829 pessoas. Tabela 10 -Situação de acesso, conclusão e desistência escolar de pessoas Jovens e Adultas Situação escolar Não concluiu a educação básica (Número de pessoas) Concluiu a educação básica (Número de pessoas) Formação não identificada (Número de pessoas) Nunca frequentou Nunca frequentou escola 1.780 ---- Frequenta Frequenta o Ensino Fundamental e o médio 2.548 Frequenta o ensino superior e prévestibular 1.032 Frequenta escola sem informação de curso 3 Já frequentou Parou de estudar ao cursar o ensino fundamental 8.491 Frequentou o ensino superior 767 -- Parou de estudar durante o ensino médio 2.010 Concluiu o ensino médio 4.792 Frequentou o ensino médio sem informação de conclusão 450 Não identificada identificada -0 -0 -7 Total 14.829 6.591 460 Percentual 67,8% 30,1% 2,1% Fonte: Elaboração da autora, 2018. A realidade dessas pessoas que não concluíram a educação básica envolve históricos de total negação do direito à educação, refletida nas situações que quem nunca frequentou a escola; situações de evasão escolar no ensino fundamental ou médio de quem não está na escola, mas já frequentou algum nível de ensino da educação básica; e de pessoas jovens e adultas que estão na escola buscando superação de histórico de repetência, evasão e ou dificuldades de ingresso nas séries iniciais. Nesse contexto, entre as 21.880 pessoas jovens e adultas de baixa renda, o município de Cáceres-MT tem 44,5% dessa população que nunca acessou escola e ou não conseguiu concluir o ensino fundamental, representando o total de 9.737 pessoas, com 18 anos ou mais de idade, não escolarizadas ou com ensino fundamental incompleto (tabela 11). Dessa população não escolarizada e com ensino fundamental incompleto, 93,1%, no total de 9.065 pessoas estão fora da escola. Tabela 11 – Quantitativo de pessoas jovens e adultas com ensino fundamental incompleto e não escolarizadas. Situação escolar Pessoas Percentual Nunca frequentou escola 1.780 8,1% Frequenta o Ensino Fundamental 672 3,1% Já frequentou o Ensino Fundamental, mas não concluiu* 7.285 33,3% Total 9.737 44,5% * Não foi possível identificar a situação de conclusão e curso de outras 297 pessoas que frequentaram o ensino fundamental (1,4 % do total de pessoas jovens e adultas). Fonte: Elaborada pela autora, 2018. Após um trabalho minucioso de agrupamento de dados e cruzamento de tabelas utilizando a estatística descritiva com suporte do pacote SPSS 20, identificamos que a maioria dessa população jovem e adulta que não teve acesso à escola e ou ainda não concluiu o ensino fundamental reside na cidade, no total de 7.706 pessoas. Outras 2031 pessoas habitam em domicílios rurais. No contexto social de pobreza e pobreza extrema, foram identificadas nessa situação de escolarização, 7.924 pessoas jovens e adultas integrantes de família com renda per capita mensal de R$ 0,00 a ½ salário mínimo, destes 3.733 com renda familiar per capita de R$ 0,00 a R$ 85,00, o que revela que 38,3% dessa população não escolarizada vive em situação de extrema pobreza, conforme critérios de políticas sociais do governo federal (BRASIL, 2004a). Nessa situação de escolarização estão 5.877 mulheres e 3.860 homens (tabela 11); dessas pessoas, 8.829 estão na faixa etária de 25 anos ou mais de idade e outras 908 entre os 18 e 24 anos. No que tange à cor e raça, 6.925 se autodefinem parda; 1.928 branca; 756 preta; 64 amarela; 52 indígenas e outras 12 pessoas não foram identificadas. Ao observarmos a realidade de escolarização de Grupos Populacionais Tradicionais ou Específicos identificamos que estão nesse cenário, em maior número de pessoas de baixa ou nenhuma escolarização, 400 integrantes de famílias assentadas da reforma agrária, o que representa 35,2 % do total de pessoas cadastradas nesse grupo populacional. Outro coletivo é o de agricultoras e agricultores familiares, com 270 pessoas sem escolarização e ensino fundamental incompleto, o que equivale a 32,1% dos integrantes do grupo nessa faixa de renda. Destacam-se ainda nessa situação de escolaridade, 32% dos pescadores e pescadoras artesanais de baixa renda cadastrados, com o número de 186 pessoas; 30,2% do grupo de famílias quilombolas, equivalendo a 100 pessoas; e 47,7% do total das pessoas que se declaram indígenas, 52 pessoas. Esses apontamentos do diagnóstico poderão subsidiar o diálogo entre instituições com Grupos Populacionais Tradicionais ou Específicos para políticas de Educação de Jovens e Adultos que contemplem a realidade dos territórios em que estão inseridos. Em uma articulação que reconheçam a diversidade sociocultural existente e se movimente no sentido da garantia de direitos fundamentais de povos, comunidades e grupos sociais. Nas explicitações da relação antagônica do direito à educação transliterado na lei e do não-direito vivenciado pelas pessoas jovens e adultas das classes populares foram surgindo a partir dos diálogos que se sobressaíram no coletivo da pesquisa as tessituras para a categoria aqui intitulada Direitos Negados. A categoria foi organizada com base na perspectiva das pessoas envolvidas a partir dos seus olhares sobre a interface EJA e Trabalho, em três subcategorias denominadas Invisibilidade dos sujeitos: normalização da exclusão; Processos de exclusão da e na escola, e EJA em Movimento de resistência. O direito à educação para todas as pessoas, inscrito na Constituição Brasileira como direito fundamental, por se configurar em meio às contradições entre o „legal. e „real. é aqui compreendido como processo em construção no país que mesmo com os avanços nos dispositivos legais exige movimento e tensionamento da sociedade para a sua garantia e consolidação por meio de políticas públicas. Em 1948, a Declaração dos Direitos Humanos já traz no artigo primeiro a igualdade e que ainda, até hoje não se consolidou. Então desde daquele momento pós-guerra mundial se criou esta declaração e veio se arrastando, fortalecendo, e a sociedade não tomou para si esse movimento de igualdade. E dentre tantas políticas a gente vê algumas políticas se desfazendo, se dissolvendo frente a um sistema que é opressor. Aí aqui, um grupo pequeno se constitui a partir de uma pesquisa de uma professora, que vem com a proposta de instigar realmente o município totalmente desfavorecido enquanto educação. E eu acho que é isso, que todos os movimentos começam de ideias de encontros pequenos que vai consolidar alguma coisa lá na frente. Então, buscar a garantia do direito à educação é lutar a favor dos direitos humanos contra um estado e um sistema opressor e fazer com que esse aluno oprimido reverta essa situação de opressão (PARTICIPANTE B, 46 anos). A EJA é uma educação que está voltada para isso, para a sensibilidade, do olhar para o outro e ver o outro como uma pessoa, um ser humano também, como você, uma pessoa de direitos, que tem direitos, que tem uma história, que tem experiências de vida, conhecimentos que devem ser compartilhados (PARTICIPANTE G, 37 anos). No contexto aqui sinalizado do direito à educação como prerrogativa dos direitos humanos, tomamos com base em Silva e Tavares (2011, p.16) a reflexão que os direitos humanos devem concretizar as exigências da dignidade das pessoas, da liberdade e da igualdade “independente de sua condição de classe social, de raça, de etnia, de gênero, e opção política, ideológica e religiosa, e de orientação sexual”. Assim, o direito à educação para pessoas jovens e adultas pode ser concebido como direitos humanos, ao serem, como nos diz as autoras, históricos e universais, relacionados à construção da humanidade, e que devem fazer parte do direito positivo dos estados democráticos. No Brasil, no entanto, o avanço da democracia, com os direitos previstos no campo do ordenamento jurídico, de acordo com Silva (2000, p. 15) não foi acompanhado de políticas públicas que assegurasse a maioria da população os direitos fundamentais, especialmente os sociais, de forma a também fortalecer o regime democrático e garantir justiça social. Como nos aponta a autora, essa realidade faz com que a nossa sociedade conviva “com uma permanente contradição – o desrespeito aos direitos humanos e a negação da cidadania, pelo próprio Estado”. A cidadania é aqui compreendida como nos afirma Sacristán (2002, p.146) como “uma forma inventada”, uma construção social historicamente elaborada que define a forma de ser pessoa em uma sociedade juridicamente regulada, partindo do reconhecimento do indivíduo como possuidor de “certas prerrogativas como igualdade, a liberdade, a autonomia e os direitos a participação”. Ao relacionar a educação com a cidadania, o autor aponta que nas sociedades modernas não ter educação é ficar excluído da participação social. O “ser ou não 108 instruído”, “estar ou não educado” é o que permite ou não o exercício efetivo real de uma cidadania democrática em relação ao conjunto de direitos civis, políticos e sociais10 A gente vê hoje, trabalhando na associação de pescadores, o que essas pessoas sofrem pela falta de escolaridade. Na questão de requerer um benefício junto ao governo, é a maior dificuldade, se ele é analfabeto ou semianalfabeto. Hoje, é uma exigência, por exemplo, na Marinha do Brasil, para um pescador retirar um documento lá, estão exigindo a 4ª série. Aquela pessoa não teve oportunidade de estudar, faltou condições de acesso à escola. Tem pessoas que nasceram e se criaram na beira desse rio e estão lá até hoje. Exigir isso é afastar essas pessoas do seu direito de trabalho. Essas pessoas não têm culpa, cada um procura o meio mais viável para poder trabalhar.[...] Eu vejo uma dificuldade hoje para acessar um benefício junto ao INSS, ao Ministério da Pesca, o pescador tem que assinar, eu tenho que ir no cartório, um absurdo, fazer uma procuração, com três testemunhas, isso fica caro, porque ele não sabe assinar o nome dele (PARTICIPANTE F, 52 anos). No contexto apresentado pelo participante, a não escolarização está associada à negação de direitos ao trabalho, e nesse caso, ultrapassa a premissa de Sacristán (2002) da educação como um requisito que capacita para o exercício igualitário da cidadania, porque nega, inclusive, a existência dessa população que vive e sobrevive da pesca. Nesse sentido, a partir das falas dos participantes e das participantes foi sendo constituída no âmbito do Direito Negado a subcategoria Invisibilidade dos sujeitos. Segundo Souza (2017, p.106) a atividade pesqueira artesanal na região de Cáceres- MT ao contribuir com a conservação da sociobiodiversidade pantaneira se apresenta como movimento contra hegemônico11 “nos enfrentamentos cotidianos empreendidos pelas/os pescadoras/es tradicionais no Pantanal de Mato Grosso, especialmente no que trata da defesa de seus territórios de pesca e de sua cultura.” E, segundo o autor, mesmo contribuindo com a manifestação e manutenção a cultura tradicional pantaneira, de ser fonte de renda e contribuir com a segurança alimentar da população dos bairros periféricos do município, pelo pescado ser rico em proteína, pescadoras e pescadores tradicionais “afirmam que são (des)tratadas/os como invisíveis pelo poder público”. Um dos fenômenos que vêm sendo observado especificamente, no âmbito educacional é que a negação de direitos, a injustiça social gerada pelas desigualdades econômicas e sociais, o processo de exclusão social apresentam-se como uma normalidade para a população 10 Sacritan (2002, p. 152) situa como direitos civis: „a liberdade individual -de consciência de pensamento e de expressão.; direitos políticos: “o da participação política”; e direitos sociais: “bem-estar social, saúde, educação, trabalho, moradia, etc...”. 11 O autor referenda o conceito contra hegemônico com base nos termos gramischianos presentes em GRUPPI, L. O conceito de hegemonia em Gramsci. Rio de Janeiro: Graal, 1978. no Brasil e outros países da América Latina como nos aponta Gentili (2000). Esses processos tornam-se cada vez mais ocultos, assim deixam de ser um problema e passam a serem apenas dados, detalhes invisíveis, costumeiros. Tomando como ponto de reflexão o analfabetismo, Gentili (2000) afirma que a condição de excluídos e excluídas é o resultado de um processo de produção social de múltiplas formas e modalidades de exclusão, e como processo, a exclusão não desaparecerá enquanto não forem atacadas as suas causas. Então a educação, em si, não impedirá a produção de novas exclusões, isso depende, segundo o autor, de políticas destinadas a acabar com os processos que criam, multiplicam e produzem socialmente a pobreza, mas ela deve contribuir para tornar visível o olhar normalizado que ajuda a reproduzir a exclusão. Nesse sentido, a escola tem, de acordo com o autor, o papel provocador, de ajudar a interrogar, a entender os fatores que historicamente contribuíram para negar à maioria da população os direitos humanos e sociais mais básicos. No olhar sobre a realidade do município, no que tange à negação de direitos aos sujeitos jovens e adultos não escolarizados ou com situação escolar descontínua, as falas do coletivo da pesquisa foram revelando elementos da subcategoria que denominamos processos de exclusão da e na escola na EJA. Eu espero muito que a gente volte a receber esses alunos aqui, e que esses alunos possam interagir melhor com os demais alunos do IFMT, porque a gente via também assim, uma questão da não inclusão. Quando a gente enxerga a questão da inclusão, a agente não enxerga só abrir as portas da instituição para esses alunos se matricularem aqui, mas eles fazerem parte, se sentirem parte da instituição e todos os outros alunos os enxergarem também, como estudantes do IFMT. A gente está em uma instituição que é plural nesse sentido, ela atende diversas modalidades, diversas faixas etárias. Então eu acredito que a gente deve ter uma preocupação muito grande na hora de, novamente, incluí-los dentro do instituto, mas usar essa palavra “inclusão”, no sentido mais amplo da palavra. Eles fazerem parte de todo o dia a dia. A gente procurava o máximo possível fazer com que isso acontecesse, mas a gente sentia os olhares de diferentes, e não aquela diferença do respeito, mas aquela diferença da inferiorização. Por que? Então a gente precisa discutir e trabalhar isso também (PARTICIPANTE J, 42 anos). O alerta da participante remete a necessidades das escolas problematizarem a prática de „segregar incluindo., forma de exclusão que segundo Gentili (2000) significa aceitar que determinados indivíduos estão dotados de condições para conviver com os „incluídos. só que em uma condição inferiorizada, subalterna. Seria a maneira “normal” para excluir, e sendo “normal” é a maneira invisível, transparente que se dá na naturalização da desgraça que não é resultado de causas naturais, mas um processo histórico, ideológico, moral que silencia e aliena. Para o autor essa prática favorece o principal mecanismo histórico de discriminação educacional que é a negação do direito à educação no sentido de acesso e permanência na escola aos setores populares. Na realidade em curso, esse processo de negação de direito tem ocorrido na EJA, segundo os participantes da pesquisa, dentro das escolas e dos sistemas educacionais, e nas políticas educacionais de estado, com situações de discriminação com a modalidade. Esse enfrentamento da gente ter demanda, de ter dificuldade para oferecer o curso eu venho acompanhando desde 2003, com educação específica de jovens e adultos. E assim, defendo muito porque eu vim, o meu ensino médio, não tinha esse nome EJA, era Suplência. Eu fiz o meu segundo e terceiro ano na suplência, hoje, graças a Deus eu terminei a minha faculdade, especialização e fui indo, então assim, não vejo desmerecimento nenhum, incapacidade nenhuma em quem faz EJA. [...] Então, antes eu vim para o estado, fiquei na coordenação trabalhando com a EJA, com essa dificuldade da SEDUC em estar liberando turma, a gente formava turma, saia nas casas buscando, depois eu vim para o IF e a coisa não é diferente; porque mesmo em esferas diferentes: estado, município, federal, também há essa luta pela permanência da EJA, não é tão fácil. Sempre fica centrada em poucas pessoas (profissionais) que se interessam, e ainda temos discriminação de alguns dos colegas que desacreditam nessa educação. Inclusive hoje quando a gente fala dos cursos do mestrado, esses dias eu ouvi isso: é um ponto bom estudar a EJA, a professora falou: Professora, a EJA nem existe mais. A gente não pode mais falar nos projetos para a EJA porque isso já está acabando no Brasil. Pessoas daqui mesmo que me falou isso, então você fica, assim, chocado (PARTICIPANTE H, 43 anos). Ao refletir sobre os dados da realidade da população jovem e adulta do município que não teve acesso à escola ou não concluiu a educação básica representantes de bairros e associações relataram dificuldades enfrentadas pelas suas comunidades de acesso à escola, relacionados a problemas de infraestrutura, transporte, segurança, além de fechamento de salas de EJA e não atendimento de demandas. Os exemplos remetem à realidade de oferta/não oferta da EJA em dois bairros periféricos e um assentamento rural e foram surgindo a partir do despertar dos sujeitos para a necessidade de desvelar outras realidades. Eu tenho essa realidade de jovens e adultos fora da escola devido à falta de transporte, devido à falta de segurança. O bairro não tem escola de ensino médio e nós estamos vivendo uma situação complicada porque temos bastante jovens, mas como vou fazer para esses alunos irem para escola? Por que eu não tenho carro, não tenho uma moto, como vou fazer para baldear esses alunos? Eu fiz uma solicitação pedindo para o ônibus municipal, como vem pegar pessoas da zona rural, para levar as pessoas para a escola. A resposta veio por boca, o ônibus não circula dentro do município para pegar pessoas com condições físicas, a não ser pessoas em condições especiais. Aí, como a gente vai fazer? eu convido vocês para verem um tanto de jovens que não estão estudando (PARTICIPANTE O, 35 anos). A situação do nosso bairro, por exemplo, nunca teve ensino médio e há uns três anos fecharam o nono ano na escola. Então esses alunos tiveram que procurar outra escola, longe de casa para poder continuar os estudos. Muitos pararam de estudar, a maioria, devido à falta de vagas na escola e pela distância, e a falta de transporte, falta de bicicleta. Todo dia ir a pé, alguns conseguiram vagas à noite, mas desistiram por ser perigoso também o trajeto, porque a pobreza leva também a violência. Então hoje são jovens e adultos que estão fora da escola. Lá a gente vê isso, a juventude está desassistida, sem ocupação, fica na rua mais vulnerável a toda violência (PARTICIPANTE L, 45 anos). As situações postas acima apontam para problemas de oferta da educação básica nas comunidades o que reflete em demandas para EJA e dificuldades para garantia do direito de acesso à escola, tanto no ensino fundamental como no médio. Situação que não atinge somente às pessoas jovens, mas às crianças e adolescentes que estão no ensino fundamental, o que pode comprometer gerações em um ciclo de negação de direitos fundamentais que produz e reproduz os processos de exclusão da e na escola. Nesse sentido, Paiva (2011, p.16) situa o direito à educação como uma construção social que emerge em um conjunto de oposições existentes em práticas sociais a que alguns têm acesso e outros não: “ter acesso, ou não, a esse bem constitui o direito e, por oposição, não ter acesso, o não-direito, frequentemente traduzido como exclusão/apartação”. No caso do exemplo da zona rural, a população já desassistida do direito à educação durante toda a vida sem acesso ou com trajetórias descontínuas no percurso formativo, ao retornar para a escola vê o seu direito novamente negado, enfrenta mais uma vez a face perversa do „não-direito. que insiste em ferir a sua existência como pessoa humana, como na situação aqui retratada fruto de decisões políticas governamentais de fechamento de salas de EJA. Antes nós éramos atendidos pela Escola Natalino, então, a gente tinha que se deslocar do campo. Saia às seis horas da tarde, chegava no Paiol às sete e meia, estudava até às dez e meia e chegava em casa uma hora da manhã. Daí nós fizemos uma luta na SEDUC para que funcionasse a escola aqui e quando começou houve uma demanda muito grande para a integração de jovens e adultos. Porque aquelas pessoas que estão na terra, assentadas, elas não tinham tido a chance de estudar quando eram mais novas, e a gente ouvia essa história todos os dias. Aí nós conseguimos abrir a sala da EJA, tanto do Fundamental I como o II, desde 2015. No ano passado o governo, vetou as nossas salas de EJA, mesmo com uma demanda muito grande, e nós não conseguimos abrir salas no tempo certo. Depois de muita luta, muitas reuniões da associação na Assembleia, e muitos pedidos, eles liberaram uma única sala, em maio: apenas a EJA Fundamental I. Mesmo tendo uma demanda de presença enorme para Fundamental II, principalmente com mulheres, mães que querem continuar os estudos, o Estado não liberou para a gente ofertar. Tentamos agora novamente nas férias, porque iniciou um novo semestre, não conseguimos. Eles não liberaram. E nós não estamos desistindo, se eles não liberarem essas turmas nós vamos atrás dessas pessoas, vamos fazer encontros nas casas, mas não vamos desistir (PARTICIPANTE E, 55 anos). Ao desvelar as dimensões desafiadoras da EJA nesse cenário, os participantes da pesquisa não apresentam desânimo, ao contrário renovam-se na esperança por mudanças. “nós podemos contribuir, juntos temos mais forças para cobrar de quem realmente a gente precisa cobrar, para atender essas pessoas que estão aí com necessidade de estudo” (PARTICIPANTE H, 43 anos). Nesse sentido, a EJA é encarada como sinônimo de luta permanente, tecida entre dores e enfrentamentos, em um processo de insegurança, mas também de movimento de resistência e de esperança. Nós brigamos pra trazer a extensão da EJA. Tinha espaço na escola, mas não tinham as carteiras, O que aconteceu? demorou mais de 30 dias para chegarem as carteiras. Hoje temos três salas cheias de jovens e adultos. É assim, podem até abrirem vagas, mas não dão estrutura. Amenizam a dor, mas não dão condição de acabar a dor. A questão é sempre essa, será que vai ter continuidade? (PARTICIPANTE M, 49 anos). E nessa política aí, esse engessamento que tem é para não priorizar os menos favorecidos, aquelas pessoas que não tiveram oportunidade de concluir devido às condições financeiras, a falta do trabalho, o desemprego. Essas sim precisavam um olhar favorável. E se a gente esperar só pela decisão governamental, não vamos ter nunca. Nós precisamos nos articular, para que essas pessoas que estão aí nos nossos bairros, nas nossas comunidades, sem estudo, sem estrutura, sem internet, sem telefone, sem transporte, sem condições, em trabalhos precários, sejam vistas. São essas pessoas que estão aí nos dados (PARTICIPANTE L, 45 anos). A resistência é aqui compreendida como aprendizado concebido nos processos de solidariedade com homens e mulheres cujos direitos são negados, forjada na transgressão a todas as formas de opressão. Como nos remete Freire (1992, p.117, grifo nosso) uma cultura de resistência fundada “na necessária forma de defesa que se encontra na resistência cultural e política dos oprimidos e das oprimidas”, como enfrentamento aos processos desumanizantes a que são submetidos. Resistência que se faz nos sonhos comprometidos com a mudança, e na esperança que precisa da prática para tornar-se concretude, como imperativo existencial e histórico de homens e mulheres. Nas vozes dos sujeitos, o esperançar e o resistir na busca pela superação da negação de direitos à educação indissociável das lutas pelo direito do trabalho, tanto na EJA quanto na Educação Profissional integrada à EJA, ganham força na realidade em que estão inseridos, se tecidos em rede de diálogo entre educadoras e educadores, pessoas educandas jovens e adultas, movimentos, associações, comunidades, escolas para apresentar demandas e tensionar o poder público por políticas. Exige, portanto olhar crítico e aprofundado para a realidade, o que pressupõe estudos, partilhas e socialização de conhecimentos, além da capacidade dialógica e mobilizadora do encontro com as pessoas. Movimento de resistência, cujos sentidos procuramos aprofundar na proposta de intervenção construída junto com o coletivo (ver item 5.3). 5.2.1 Indicadores de demanda para EJA Ensino Médio Como discussão de demanda para Educação Profissional integrada à Educação de Jovens e Adultos em nível de ensino médio, buscamos identificar os indicadores da situação de escolarização das pessoas acima de 18 anos que ainda não concluíram essa etapa da educação básica. Entre as variáveis, observamos no cruzamento dos dados do Cadastro Único, sobre acesso à escola, local de residência, faixa de renda familiar e situação de trabalho. O município registra um total de 4.795 pessoas que ainda não concluíram o ensino médio, o equivalente a 21,9 % da população jovem e adulta de baixa renda inscrita no Cadastro Único (21.880 pessoas). Dessas, cerca de 3.000 pessoas não estão na escola (conforme detalhamento da tabela 12). Trata-se de realidades de desistência da escola no percurso formativo do ensino médio, ou, antes mesmo de ingresso nessa etapa da educação básica, nos casos da interrupção da escolarização ao término do ensino fundamental. Tabela 12 – Quantitativo de pessoas de baixa renda com Ensino médio incompleto. Situação escolar Número de pessoas Frequentou o ensino médio e não concluiu (não está na escola) 2.010 Frequentou como nível mais elevado o fundamental e concluiu (não está na escola) 909 Cursa o ensino médio 1.876 Total* 4.795 * Há ainda nesse cenário, um percentual de 2,1% das pessoas jovens e adultas que já frequentaram o ensino médio sem informação de conclusão, o que equivale a 450 pessoas. Fonte: Elaborada pela autora, 2018. Do total dessa população jovem e adulta que não concluiu o ensino médio, 94,9%, 4.551 pessoas integram famílias com renda per capita de R$ 0,00 a ½ salário mínimo, sendo 44,1%, ou seja, 2.116 pessoas, em situação de pobreza extrema com renda per capita de R$ 0,00 a R$ 85, 00. Nesse nível de escolaridade apenas 5,1 % da população, 244 pessoas, tem renda acima de meio salário mínimo, o que revela aprofundamento na concentração de pobreza. Como indicativo para identificação territorial dos coletivos populares com esse nível de escolarização, os resultados apontam que 85,3% dessa população residem em domicílios de características urbanas, o equivalente a 4.091 pessoas, com a localização rural representada por 14,7%, no total de 704 pessoas. Dessa população, 3.040 são mulheres que compõe 63,4% do total das pessoas jovens e adultas que não concluíram o ensino médio. A maioria, pouco mais de 51%, 2.463 pessoas está na faixa etária dos 25 anos ou mais de idade. Para reconhecermos a realidade das pessoas que não estão na escola e subsidiar o diálogo sobre políticas de Educação Profissional integrada à EJA buscamos identificar as comunidades e grupos com maior número de pessoas com ensino médio incompleto que não estão na escola. Nessa situação, 2.478 pessoas residem na área urbana e outras 441 na zona rural. São 2.034 mulheres e 885 homens, sendo 738 pessoas na faixa etária dos 18 aos 24 anos e, 2.181 com 25 anos ou mais. No que tange à cor ou raça, se autoidentificam parda, 2.106 pessoas; branca, 587; preta, 185; amarela, 29; e 12 indígena. Os bairros circunvizinhos ao IFMT Campus Cáceres-Prof. Olegário Baldo conhecidos como Jardim das Oliveiras–EMPA e Vila Real/Residencial Walter Fidelis, estão entre as primeiras das dezessete localidades urbanas identificadas com mais de 50 pessoas jovens e adultas fora da escola, com ensino médio incompleto. Somente esses dois bairros têm mais de 250 pessoas considerando apenas a faixa de renda, idade e não escolarização em nível de ensino médio. Esse número se aproxima de 600 pessoas se considerarmos, entre os mais citados, outros bairros localizados no entorno, como Jardim Paraíso, Jardim Imperial, Junco, Cidade Nova e Vitória Régia (figura 1). Para definição de bairros circunvizinhos ao IFMT Campus Cáceres consideramos o perímetro entre o IFMT e os bairros que margeiam a BR 070 e o Rio Paraguai. Figura 1: Mapa do perímetro urbano de Cáceres-MT com identificação de bairros com maior número de pessoas fora da escola com formação de ensino médio incompleto. Fonte: Secretaria Municipal de Planejamento/Prefeitura Municipal de Cáceres-MT, 2018. Nota: Sinalização dos bairros e legenda elaborada pela autora. Da população jovem e adulta com ensino médio incompleto que está fora da escola, 93,4%, mais 2.700 pessoas pertencem a famílias com renda per capita mensal de até meio salário mínimo, sendo 52% em situação de pobreza extrema dentro do critério de renda familiar per capita por não ultrapassar R$ 85,00 ao mês. Nessa situação de escolarização, encontra-se também 272 pessoas de grupos tradicionais e específicos a exemplo de integrantes de famílias assentadas da reforma agrária, famílias acampadas e de agricultores familiares que somaram 214 pessoas. Integra também situação de pescadoras e pescadores artesanais, quilombolas e indígenas. No que se refere à ocupação dessa população jovem e adulta com ensino médio incompleto que não está na escola, tivemos acesso à informações sobre condições trabalhistas de 1.766 pessoas. A mostra representa 60% das pessoas jovens e adultas com ensino médio incompleto que estão fora da escola. Dessas, 1.502 pessoas são trabalhadoras sem carteira assinada e em serviços temporários, envolvendo condições de trabalho por conta própria (bico, autônomo); trabalho temporário em área rural; emprego e trabalho doméstico sem carteira de trabalho assinada; trabalho não-remunerado. As outras 264 pessoas são, na maioria, pessoas empregadas e trabalhadores e trabalhadoras domésticas com carteira assinada. As informações fazem referência ao trabalho principal que a pessoa exercia quando foi entrevistada. Essas informações, mesmo com dados parciais e sem desconsiderar a possibilidade de alterações pontuais nesse cenário, nos trazem indicativos de instabilidade e precarização nas relações de trabalho envolvendo as pessoas nessa realidade escolar. Em linhas gerais, ao retratarmos o diagnóstico socioeducacional da realidade de Cáceres-MT, identificamos que 67,8% da população jovem e adulta em situação de baixa renda no município ainda não concluiu a educação básica e que 44,5% dessa população nunca acessou a escola e/ou não conseguiu concluir o ensino fundamental. No contexto de pobreza e extrema pobreza a maior parte dessas pessoas excluídas da escola, 57%, estão na faixa de renda familiar de até meio salário mínimo. Os maiores indicadores de extrema pobreza, 44,1%, estão, proporcionalmente, entre os que não concluíram o ensino médio. Entre os menos escolarizados, com ensino fundamental incompleto ou sem escolarização, estão expressões representativas de Grupos Populacionais Tradicionais ou Específicos, como de famílias assentadas da reforma agrária, de agricultoras e agricultores familiares, dos pescadores e pescadoras artesanais, de quilombolas e indígenas. A maior parte dessa população é de mulheres, identifica-se na cor e raça como parda e reside na zona urbana da cidade. Na realidade específica do ensino médio entre as localidades com maior carência de escolarização para pessoas jovens e adultas estão bairros periféricos circunvizinhos do IFMT Cáceres, o que implica um campo de possibilidade de diálogo e de aproximação escolar dentro do próprio território ocupado, para desvelar a realidade opressora da negação de direitos como educação aos coletivos populares que estão ali do lado, invisibilizados em sua situação de pobreza. Nesse sentido, a realidade nos remete ao processo histórico de segregação da pobreza e de negação de direitos que a Educação de Jovens e Adultos enfrenta. Como nos diz Arroyo (2005, p.29) “desde que a EJA é EJA, os jovens e adultos são os mesmos: pobres, desempregados, vivem da economia informal, negros, vivem nos limites da sobrevivência”. Para o autor, entre os desafios postos está o da superação de traços de nossa cultura política e pedagógica de pensar esses trabalhadores e trabalhadoras como “inferiores, subcidadãos, sem direito a ter direitos, objetos apenas dos favores da elite e do estado” e reconhecer as pessoas jovens e adultas como trabalhadoras, sujeitos de direitos, dos direitos do trabalho, conforme descreve Arroyo (2016, p. 45): Quando o ponto de partida é reconhecê-los como trabalhadores, a proposta de garantir seu direito à educação é obrigada a ter como referência os trabalhos de que sobrevivem, se trabalham em trabalho precarizados, se têm dificuldade de articular tempos de trabalho-sobrevivência e tempos de escola. Se são os injustiçados da ordem social, econômica e até escolar como trabalhadores. Sobre a relação intrínseca de EJA e Trabalho, os sujeitos da pesquisa problematizaram durante os encontros dialógicos, a percepção existente na EJA e na Educação Profissional de formação para o mercado de trabalho, constituindo-se assim no propósito de buscar possibilitar apenas os conhecimentos operacionais exigidos para que as pessoas possam disputar vaga, emprego e renda, dentro da lógica competitiva do sistema capitalista. “Eu preciso dizer que nós não defendemos formar pessoas para serem escravas do mercado, do sistema capitalista”, afirma a participante F, 52 anos, em referência ao modo de produção capitalista centrado na produção de mercadorias, na lógica da acumulação e do lucro com base na exploração da força de trabalho. Essa concepção de educação para formação de mão-de-obra gestada desde a matriz colonial do Brasil, da sociedade escravocrata até os dias atuais estrutura-se ainda no „cientificismo econômico., como tese recorrente nos últimos 50 anos, como diz Frigotto (2001, p.81) com o entendimento do papel econômico atribuído à escola, e de modo particular, no processo de formação profissional, a partir da pedagogia da competitividade, centrada nos conceitos de competências e habilidades, incluindo o surgimento da “economia da educação como campo disciplinar específico, cujo eixo central associa educação com o desenvolvimento econômico, o emprego, a mobilidade e a ascensão social”. Uma promessa atrativa, e de fácil penetração no imaginário popular em um olhar superficial para necessidade urgente de sobrevivência em que se encontram as pessoas jovens e adultas em situação de pobreza e extrema pobreza submetidas ao desemprego, às condições precárias de trabalho, à informalidade, sem direitos trabalhistas garantidos, como no caso dos indicadores refletidos na realidade do município. A partir dos relatos da própria experiência com a EJA, e/ou de suas relações com o modo de vida das suas comunidades e dos seus territórios as pessoas participantes da pesquisa foram problematizando a construção de olhares outros sobre a relação trabalho e educação: Então a gente tá aqui para atender simplesmente as necessidades de um mercado de trabalho? Não. A gente tá aqui como missão para atender essas pessoas no saber fazer, o que vai além. Muitas vezes elas não vão nem ganhar financeiramente com essa formação, mas elas vão ter outros ganhos, outros lucros que são maiores do que esse: de resistir mesmo enquanto pessoa, de resistir como comunidade e de trazer para gente esses conhecimentos, da ancestralidade delas, das comunidades delas, das famílias delas, na perspectiva do trabalho em que elas se formam (PARTICIPANTE J, 42 anos). Nesse sentido, as reflexões vão se aproximando do entendimento do trabalho como atividade fundante da sobrevivência humana, como diz Souza (2017 p.27) como “finalidade autônoma” e “meio de produção da vida material” que se constitui em condição ontológica da existência humana, ocupando, portanto “lugar central, quer nos processos metabólicos (orgânicos) da relação ser humano-natureza, quer nos processos propriamente sociais da relação entre seres humanos. Em ambos os casos, o trabalho aparece como a atividade mediadora dessas relações pela qual o ser humano se constitui” (SOUZA, et al. 2014, p. 497). Na avaliação das e dos participantes da pesquisa, para o desenvolvimento de ações educativas no munícipio que pense o trabalho como elemento do processo formativo, é preciso conhecer e reconhecer a configuração do processo de ocupação e migração do campo- cidade, considerando a tradicionalidade das famílias ribeirinhas, a partir da relação das comunidades com o rio, conforme indica a participante abaixo: Cáceres tem uma configuração diferente das comunidades tradicionais que vivem diretamente na beira do Rio. Eu pesquiso comunidades tradicionais e sabemos que aqui o processo histórico é um pouco diferenciado pela forma como se deu a ocupação e retirada das famílias ribeirinhas ao longo do rio. Elas estão de fato na cidade, mas ainda têm a relação com o rio, com a pesca, mantêm essa tradição, então esse é o universo rico de aprendizagem, da relação com o trabalho. Como fazer o intercâmbio desses saberes, tanto da academia com o que essas pessoas já têm? Como fazer para elas compreenderem esse universo, reconhecendo as tecnologias que produzem no seu fazer cotidiano, na sua cultura? (PARTICIPANTE G, 37 anos). A compreensão desse processo histórico dos grupos sociais que habitam no território, reconhecendo as suas produções culturais, científicas e tecnológicas é um dos objetivos do trabalho como princípio educativo sendo considerada como diz Ciavatta e Ramos (2011, p.32) “como conhecimentos desenvolvidos e apropriados socialmente, para a transformação das condições naturais da vida e para a ampliação das capacidades, das potencialidades e dos sentidos humanos”. Na perspectiva de um movimento reivindicatório da Educação Profissional Integrada à EJA, o horizonte nas palavras de Ciavatta (2005a, p. 85) é o desenvolvimento da formação humana integral, que “sugere superar o ser humano dividido historicamente pela divisão social do trabalho entre a ação de executar e a ação de pensar, dirigir ou planejar”. Nesse sentido, como afirma a autora, ao refletir sobre o trabalho como princípio educativo na sociedade contemporânea, (2005b, p. 47) “trata-se de opor-se a uma visão reducionista, utilitarista, atrofiadora e, essencialmente, restritiva de formação humana”: Trata-se de superar a redução da preparação para o trabalho ao seu aspecto operacional, simplificado dos conhecimentos que estão na sua gênese científico-tecnológica e na sua apropriação histórico-social. Como formação humana, o que se busca é garantir ao adolescente, ao jovem e ao adulto trabalhador o direito a uma formação completa para a leitura do mundo e para a atuação como cidadão pertencente a um país, integrado dignamente à sua sociedade política. Formação que, neste sentido, supõe a compreensão das relações sociais subjacentes a todos os fenômenos (CIAVATTA, 2005a, p. 85). No âmbito da Educação Profissional integrada à EJA, para além das dificuldades de concretização de uma proposta curricular que atenda aos propósitos dessa integração, outros obstáculos vão sendo colocados para a efetivação dessa política, a exemplo, da reforma do ensino médio que prevê percursos formativos estanques remontando, no âmbito legal, a dualidade da educação básica com a educação profissional. É importante refletir ainda, como nos diz Pereira (2015, p. 6, grifo nosso) que “mesmo com a integração, a crise na formação profissional das filhas e dos filhos das trabalhadoras e dos trabalhadores vai demorar a ser resolvida [...] é preciso uma mudança efetiva no imaginário social em relação à educação, à escola, ao mundo do trabalho, dentre outros”. Para a reflexão provocada aqui como campo de possibilidade da Educação Profissional integrada à EJA no município a realidade social, educacional e as relações de precarização de trabalho dos coletivos populares são fundantes para o diálogo em torno de projetos educativos para EJA que se baseiem na dimensão do trabalho como princípio educativo, como relação social fundante do modo humano de viver, que inclusive possibilite a problematização das condições de exploração do trabalho, dos modos de produção. O desvelamento dessa realidade não se faz pontualmente por meio dos indicadores explicitados, mas no cotidiano das relações com os grupos e as comunidades. Na perspectiva freiriana de buscar no processo educativo a consciência crítica, indagadora, problematizadora, inquieta, que „reconhece que a realidade é mutável., que “ama o diálogo e nutre-se dele” (FREIRE, 1979, p. 22), o diagnóstico é aqui compreendido apenas como tema provocador para o diálogo, como retrato de informações que precisam ser confrontadas com a vida das comunidades, que precisam ser aprofundadas. Desse modo, tratamos aqui de um pequeno passo no caminho de tensionamento para oferta de Educação Profissional integrada à EJA que pretendemos construir coletivamente como escola, como comunidade, como territórios, como educadoras e educadores. 5.3 INTERVENÇÃO PARTICIPATIVA: ENCAMINHAMENTOS E PROPOSTAS ELENCADAS PELOS SUJEITOS A partir da realidade refletida com base nos indicadores e situações levantadas no diagnóstico com análise socioeducacional do município de Cáceres-MT, tendo como pano de fundo o debate sobre as demandas para educação profissional integrada à educação básica na EJA, os sujeitos da pesquisa levantaram, em ciclo de diálogos, propostas para a construção de espaços permanentes de articulação interinstitucional e comunitária com o objetivo de aprofundar o estudo sobre a realidade da EJA e de problematizar e elencar caminhos para propostas educativas na área. Corroborando com o propósito de intervenção provocado pelas necessidades gestadas no seio dessa pesquisa participante, o coletivo construiu e encaminhou um documento ao IFMT Campus Cáceres-Prof. Olegário Baldo propondo a formalização nas esferas institucionais do campus de um Grupo de Trabalho (GT) para a criação do Núcleo de Educação de Jovens e Adultos e Trabalho. A proposta é que o Núcleo Permanente do campus, com caráter propositivo e articulador, reúna instituições, organizações e outros membros da comunidade externa com estudos, propostas e demandas de políticas educacionais na área, considerando a interface entre ensino, pesquisa e extensão. Essa construção se deu a partir das discussões do coletivo da pesquisa sobre a necessidade de garantir a sustentabilidade da proposta, inicialmente com a institucionalização do GT. Durante os debates sobre os objetivos, composição e viabilidade do Núcleo Permanente EJA e Trabalho foi sugerido e acordado pelas e pelos participantes a proposta de articulação prévia e promoção de uma rede de diálogo com as comunidades, segmentos e organizações, criando assim o Grupo de Trabalho a ser constituído por membros do coletivo da pesquisa com abertura para outras e outros participantes da instituição e da comunidade externa. O grupo terá o objetivo fundante de encaminhar, durante um ano, uma agenda de sensibilização, tendo entre as atividades a elaboração da proposta de regimento interno do núcleo e articulação de instituições, movimentos e organizações sociais. A proposta de institucionalização do Grupo de Trabalho (GT) para a criação do Núcleo de Educação de Jovens e Adultos e Trabalho foi apresentada à direção geral do Campus que explicou os procedimentos que vem sendo adotados pelo campus ao instituir comissões e outros espaços de trabalho no sentido de abrir a participação ao interesse dos servidores e servidoras. No trâmite interno, a proposta passou pela direção de ensino (Direção de Desenvolvimento Institucional) e foi submetida à comunidade interna, por meio de e-mail institucional, com a abertura e chamamento para a participação. Como resultado desse processo, o IFMT Campus Cáceres – Prof. Olegário Baldo instituiu, por meio da Portaria nº 164 de 3 de dezembro de 2018, a Comissão para criação do Núcleo de Educação de Jovens e Adultos e Trabalho, composta por membros da comunidade interna e externa (ver Apêndice III). Um dos elementos fundantes nas vozes dos sujeitos é que o núcleo precisa fomentar práticas educativas com base em uma concepção crítica sobre a relação EJA e Trabalho voltada para a problematização da realidade. Educação que ajude homens e mulheres, na inserção questionadora do seu processo histórico, no “desenvolvimento de uma consciência crítica” como diz Freire (1979, p. 17) que permita a eles e elas mudarem a realidade, a partir de sua vocação ontológica de ser sujeito, cujo destino “deve ser criar e transformar o mundo”. Esse trabalho que está iniciando vai contribuir muito principalmente, se tiver como prioridade as pessoas, aquelas que não tiveram condições para estudar, para refletir com elas sobre o lugar a que são submetidas na sociedade, no trabalho, e sobre qual escola realmente precisam, como enfrentar as contradições da própria educação a elas negadas. Refletir sobre a realidade e tensionar por mudanças (PARTICIPANTE L, 45 anos). Entre os objetivos do núcleo está o propósito de levantar demandas com as comunidades e grupos para a oferta de Educação Profissional integrada à EJA na perspectiva de retorno das atividades nesse campo no IFMT Cáceres, tendo como provocação a necessidade de ressignificar a formação para o trabalho, ao deslocar o foco de seus objetivos do mercado de trabalho para a formação humana, laboral, cultural e técnico-científica. Além do trabalho de proposição e apresentação de demandas, a expectativa é que o núcleo seja espaço de articulação e acolhimento da luta de outros coletivos em favor de direitos da população jovem e adulta na relação educação-trabalho. O grupo tem esse objetivo de criar demanda e principalmente lutar em favor de quem não aparece, de quem está invisível. A gente vem com uma luta desde 2000 nessas comunidades e a gente percebe que falta essa organização, um espaço como esse para dar força a outros grupos que também estão na luta. Tem muita gente na luta aí, tem muita gente nos bairros, tem muita gente nas comunidades com esse objetivo e esse núcleo aqui pode criar ferramentas para que esses outros grupos possam lutar melhor (PARTICIPANTE C, 43 anos). No que tange à articulação com outros coletivos destaque para agendas de debates sobre a realidade da educação básica em nível de ensino fundamental e médio no munícipio, no sentido de questionar a reprodução do ciclo de negação de direito à educação que repercute na EJA. A proposta é estabelecer diálogo entre as áreas para o desenvolvimento de um trabalho conjunto no movimento de busca de fortalecimento da educação básica em todos os níveis e modalidades, como sugere o Participante „D.: “Podemos fazer o diálogo com outros espaços que debatem questões especificas, além disso, promover fóruns de discussões, seminários, oficinas [...] as possibilidades são muito grande para um debate articulado. Essa soma fortalece a educação”. Em meio aos desafios refletidos pelo coletivo para a consolidação do Núcleo as e os participantes dialogaram sobre os limites e enfrentamentos que serão impostos ao trabalho, considerando o cenário político nacional com as reformas econômicas e previdenciárias em curso no país que atinge a população trabalhadora mais pobre, como a lei das terceirizações que já aprofunda a precarização nas relações de trabalho, e outros indicativos de retrocessos de direitos que afetam a EJA, a exemplo da aplicação de reformas educacionais como a do ensino médio. Como um pequeno grupo pode se movimentar dentro desse contexto? Angústias compartilhadas, em busca de um horizonte de possibilidade tecido como movimento de resistência. Existe uma política nacional que já está feita, que está posta, vem como proposta pronta que engessa a Educação de Jovens e Adultos no sentido da institucionalização. E a gente vem com uma proposta contrária, que vai combater esse engessamento. A ideia seria essa. Eu me pergunto: A gente vai ter sustentabilidade para bater em cima de uma política pronta em nível nacional? Como enfrentar, o processo capitalista que vem também abrindo essas ferramentas, inclusive para que as instituições forme esse aluno o mais rápido possível, como já tem. [...] A gente vai ter que ter as ideias bem sustentadas teoricamente para esses combates. Porque a gente vai ter bastante combate (PARTICIPANTE B, 46 anos). Para o enfrentamento dessa realidade os sujeitos apontam para necessidade de associar as práticas interventivas do núcleo a consistente fundamentação teórica e base conceitual sobre a Educação de Jovens e Adultos e Trabalho o que implica em processos de formação dos coletivos das escolas para práticas educativas comprometidas com as classes populares na busca por direitos humanos e justiça social. Como movimento de resistência ao contexto de negação de direitos, a proposta dos sujeitos é garantir capilaridade ao núcleo na aproximação e diálogo com as comunidades/territórios, produção científica com capacidade de sistematização das informações e produção de conhecimento que possa subsidiar políticas públicas, além de proposições e acompanhamento de cursos, entre outros objetivos de modo que o núcleo se constitua na interface do ensino, pesquisa e extensão. O grupo precisa ter produção científica, acho que esse é um papel, precisa sistematizar. O grupo que é de debate e de discussões eu acho que não pode se perder se não tiver uma estrutura que possa pegar isso, trabalhar isso e apresentar de maneira sistematizada para os órgãos de educação. O que tem acontecido hoje, inclusive nos conselhos municipais é um pouco isso, a ausência de uma estrutura capaz de traduzir os anseios da população de maneira sistemática para tensionar os órgãos a transformar em política. Então, o Núcleo do IFMT seria uma base que pudesse sustentar o nosso debate sistematizando, produzindo essas experiências (PARTICIPANTE D, 52 anos). Ainda no propósito de construção dessa interface de ensino, pesquisa e extensão, o coletivo propõe a formação de núcleos de reflexões com rodas de diálogos em regionais por bairros e na zona rural do município, como fomento para um retrato mais completo e mais fiel da realidade. “Já que a gente tem esse perfil rural e urbano já traçado, podemos amadurecer a ideia de ter rodas de diálogo nas comunidades para ouvir essas pessoas que não frequentaram a escola, desistiram ou estão na EJA”, afirma a Participante A, lembrando que nesses momentos o poder público tem que também estar presente. Nesse sentido, ecoa no conjunto de proposições do coletivo, a necessidade de inserção de representantes do poder público na composição do núcleo, especialmente dos órgãos gestores educacionais nas esferas do estado e do município, como processo de mobilização e possibilidade de envolvimento, diálogo e cobrança de responsabilidades. A partir das reflexões sobre formações educadoras na EJA, surgiu a proposta de convidar para integrar o espaço permanente de diálogo sobre EJA e Trabalho, instituições formadoras em licenciaturas como possibilidade de discutir o espaço da EJA nos currículos de formação docente. Essas propostas e reflexões são movimentos iniciais de ações do GT para a institucionalização do Núcleo Permanente de Educação de Jovens e Adultos e Trabalho no âmbito do IFMT/Campus Cáceres, fundado na perspectiva de construir coletivamente com grupos, territórios e comunidades do município propostas e alternativas para diversidade de desafios no campo da EJA e Trabalho. Quando a gente lida com pessoas é troca, então você se doa, as pessoas se doam, e isso vai gerando mudança também, gerando movimento, então, esse grupo iniciado pela pesquisa, a partir de uma angústia da Edna, e nossa, com o fim do Proeja -que a gente via que era um universo de possibilidades e de repente esse universo não está mais aqui na instituição -tem essa importância no sentido de retomar esse movimento, que eu acho extremamente fundamental, de agir mesmo. Eu me sinto agradecida por trocar essas experiências, estar aqui, de fazer parte, de ser uma sementinha. Porque esse núcleo é uma semente que a gente plantou e tem essa ansiedade de ver crescer, ser uma árvore, dar frutos (PARTICIPANTE G, 37 anos). O “agir” a que se remete a participante acima foi sendo tecido coletivamente em todo o processo da pesquisa buscando em sua natureza interventiva, transpor o campo dos desafios da EJA para as possibilidades, no movimento indissociável de reflexão e ação. Nesse sentido, para além dos processos formais de encaminhamentos para a constituição do núcleo, aqui relatados, o movimento da pesquisa já provocou intervenção na dinâmica da instituição instigando o debate sobre a Educação Profissional integrada à EJA, além de se constituir fator mobilizante entre os sujeitos participantes ultrapassando, assim, o espaço escolar e integrando agenda das organizações, representações comunitárias e instituições envolvidas. O próprio movimento dos encontros dialógicos, as indagações e reflexões compartilhadas já caracterizaram essa intervenção, gerando impactos, conforme refletiremos a seguir. 5.4 IMPACTOS DA PESQUISA NAS VOZES DOS SUJEITOS Na tessitura da pesquisa alguns impactos já foram sendo percebidos e compartilhados nas falas das e dos participantes. Ao analisarem o processo em que foram protagonistas na reflexão e construção conjunta da análise do diagnóstico socioeducacional do município e na perspectiva de contribuir para intervenção na realidade da Educação Profissional integrada à EJA, os sujeitos foram revelando implicações mobilizadoras em suas identidades pessoais, profissionais e coletivas provocadas pelo diálogo e o compartilhamento de experiência no grupo. Para os sujeitos entre os impactos, a pesquisa inaugura um marco histórico na instituição IFMT com a proposta de uma estrutura orgânica de aprofundamento do diálogo com as comunidades em torno da EJA e da Educação Profissional refletida na criação na Criação do Núcleo de EJA e Trabalho. Em outra dimensão, apontam para relação de pertencimento e constituição como grupo que já foi sendo desenvolvida a partir dos diálogos da pesquisa. Esse é um movimento que é histórico, inclusive dentro da instituição nossa, que já está se abrindo para a conversa com comunidades, nesse pensar juntos na questão de como fazer. De qualquer modo já sinto que somos um grupo e acho que a partir do momento em que a gente abraçou essa causa, já iniciamos esse movimento e depois a gente vai agregando enquanto grupo, e depois enquanto núcleo, outras pessoas, outras demandas virão, outras comunidades dirão: eu também quero falar dos nossos problemas e aí vamos construindo por onde caminhar (PARTICPANTE G, 37 anos). O desvelamento do papel social necessário a ser assumido pela instituição IFMT com as classes populares constituiu uma das dimensões impactantes da pesquisa nas falas dos sujeitos, ao considerarem a capacidade estrutural da instituição com quadros amplamente qualificados inserida na realidade do município em que 42% da população vivem em situação de pobreza e pobreza extrema. O refletir sobre essa realidade a partir dos indicadores do diagnóstico e do compartilhamento de experiências no coletivo implicou também, segundo os sujeitos em um olhar mais aprofundado para a realidade do município e sobre a sua inserção e possibilidade de atuação como sujeitos, educadoras e educadores, militantes e membro de coletivos populares, além do despertar para a necessidade de articulação entre instituições, organizações e comunidades para acionar e subsidiar as instâncias de poder na construção de políticas públicas. Nesse sentido a pesquisa implicou também, segundo os participantes, em movimento que realimentou a esperança e a confiança em possibilidades de mudança. Na minha chegada, no primeiro dia, eu vim com muita desconfiança. Desconfiança da pesquisa, de que espaço é esse, e quem é essa professora aí meio doida que quer pesquisar a educação na EJA que ninguém quer saber. E isso mudou totalmente a minha perspectiva quando eu saí daqui, já no primeiro encontro. Eu realmente percebi que é para além da pesquisa. E quando é para além da pesquisa me embrenho, eu gosto de estar junto, de propor, porque eu vim desse contexto também desfavorecido. Então na minha trajetória de vida escolar eu fui buscar, depois de todas as minhas passagens, a educação como ferramenta de transformação e que me transformou. E eu quero que o outro possa se transformar também, a partir dessa ideia. Então hoje eu saio mais fortalecido, saio com uma vontade de nos ver de novo, porque os movimentos começam aqui mesmo, na proposta de intervenção, no pensar como a educação pode ajudar o sujeito a melhorar a sua vida (PARTICIPANTE B, 46 anos). A criação de agenda coletiva entre os participantes com a provocação para criação do GT despertou também para reflexões em torno da construção de redes de solidariedade para o fortalecimento das lutas por educação e trabalho de outros grupos que atuam em seus territórios. Essa prática do encontro dialógico e solidário para a reflexão e construção das propostas resultou nas palavras dos sujeitos em um “novo ânimo para luta, em novos anseios, vontade de ir atrás”, como nos indica o participante C, 43 anos, revelando entre os impactos da pesquisa, o despertar dos envolvidos para possibilidades de construções e mudanças no âmbito da relação Educação de Jovens e Adultos e Trabalho, com esperança e sonho na tessitura de movimento de resistência. 6 CONSIDERAÇÕES: HORIZONTES DE UMA PROPOSTA EM CONSTANTE DEVENIR A análise socioeducacional da realidade do município de Cáceres-MT, tecida no encontro com as pessoas participantes do estudo, constituiu durante todo o processo do mestrado um denso movimento no sentido de desvelar a realidade social e educacional, inicialmente impulsionado pela inquietação compartilhada com um pequeno grupo de educadoras do Instituto Federal de Mato Grosso, na perspectiva de levantar subsídios para o retorno, na instituição, da oferta da Educação Profissional integrada à Educação de Jovens e Adultos. O estudo, no entanto, foi tomando dimensões maiores à medida que foi nos revelando a realidade de pobreza e extrema pobreza em que vive cerca de 40 mil pessoas em situação de baixa renda no município, que representa mais de 42% de toda a população, conforme os indicadores levantados com base no Cadastro Único. Ao confrontar a realidade social de baixa renda com a situação educacional dessa população nos deparamos com um cenário de negação de direitos à educação que atinge mais de 68% da população jovem e adulta pobre do município, refletida na condição de cerca de 15 mil pessoas jovens e adultas que ainda não concluíram a educação básica, a maioria mulheres, autoidentificadas como pardas, das periferias da cidade e do campo. Com o desvelar dessa realidade que aponta, entre outros indicativos, a existência de mais de 10 mil pessoas jovens e adultas de baixa renda sem nenhuma escolarização ou com ensino fundamental incompleto. O estudo demonstra a importância da Educação de Jovens e Adultos no contexto socioeducacional do município. Ultrapassa, portanto, o propósito inicial refletido nas responsabilidades do Instituto Federal com a Educação Profissional integrada à Educação de Jovens e Adultos, e revela a EJA como dimensão prioritária no conjunto de políticas públicas que devem ser desenvolvidas no âmbito das responsabilidades da união, do estado e do município. Em outra dimensão, observamos que os indicadores resultantes desse trabalho além da perspectiva de serem refletidos pelos grupos, pelas comunidades, pelas instituições, pelos poderes constituídos são elementos que podem ser confrontados com outros indicadores sociais, no sentido de aprofundar o conhecimento sobre a realidade de pobreza, educação e trabalho, tendo como horizonte o propósito de explicitar e subsidiar necessidades outras de políticas públicas. Entre as possibilidades, no campo científico de produção de conhecimentos, para um olhar aprofundado sobre essa realidade pode-se problematizar, como são utilizados esses indicadores na constituição do Índice de Desenvolvimento Humano que tem como propositura mensurar o desenvolvimento econômico e a qualidade de vida da população. Como a vida dessas pessoas jovens e adultas submetidas a processos de negação de direitos à escola, ao trabalho, à saúde, à habitação digna, ao alimento, nas lutas diárias por subsistência/existência está representada nesses indicadores? Que impacto tem essa realidade socioeducacional no IDH do município? Provocações e desafios para estudos futuros. Também no campo de produção científica, a própria proposta interventiva de constituição de um Núcleo de Educação de Jovens e Adultos e Trabalho traz como horizonte outras possibilidades de estudos sobre o campo da EJA e as relações com o Trabalho, inclusive por se pretender considerar a interface entre o ensino, pesquisa e extensão. O universo de conhecimento sobre a própria dinâmica do trabalho do GT e da constituição do núcleo, as metodologias de comunicação que podem ser desenvolvidas nas rodas de conversas propostas como plano de ação do GT sobre a realidade das comunidades; as experiências, demandas e propostas educativas elaboradas para e com os grupos, as comunidades, os territórios, projetam horizontes de estudos, incluindo possibilidades de outras pesquisas participantes. No encontro solidário e amoroso que experienciamos no decorrer desse estudo, em meio a muitas inquietações, angústias e questionamentos na imersão da realidade e no aprofundamento das dificuldades e desafios postos a EJA, alguns elementos foram se destacando no sentido de transpor o campo da ausência/negação da Educação Profissional integrada à EJA para o campo da possibilidade: Um desses elementos evidenciados foi a tessitura da pesquisa entre as pessoas participantes, em meio ao processo educativo vivenciado nas sessões dialógicas e o comprometimento com o movimento pelo retorno da EJA no IFMT. Em mesma medida o olhar para a responsabilidade social da instituição revelou o aguçamento da percepção da formação para o trabalho na expectativa que essa ultrapasse o caráter servil de formação para o mercado, e possibilite a formação de consciência crítica de homens e mulheres que se reconheçam nos saberes de experiência de vida, nas atividades de trabalho, nas relações com os seus territórios, como sujeitos históricos, e assim sendo no dizer freiriano, com capacidade de criar e transformar o mundo. Nesse sentido, o estudo corrobora com o que diz Frigotto (2015) sobre o horizonte de refletir o trabalho como princípio educativo, a partir da concepção do trabalho como produtor de valores de uso indispensável à nossa condição humana, que não pode ser confundido com as formas históricas do trabalho escravo, servil e do emprego na dinâmica de exploração do capitalismo, mas que assume o sentido de dever e direito ético de todos e todas por ser socialmente útil, por se constituir em condição necessária para atividades outras imprescindíveis a liberdade do homem e da mulher, como o alimento, a arte, o lazer, a felicidade. Outro sentido evidenciado nos espaços dialógicos da pesquisa parte do registro de educadoras e educadores sobre a importância da participação no tempo de oferta da Educação Profissional integrada à Educação de Jovens e Adultos e em experiências outras da EJA, como processo de formação e autoformação de identidades educadoras. Nesse contexto, o estudo apresenta outra dimensão da EJA como universo de formação docente constituído no encontro entre as pessoas, na partilha de saberes, na comunhão de lutas por direitos. No desenho da pesquisa em sua abordagem indissociável entre prática e teoria os objetivos foram sendo alcançados na tessitura de várias mãos resultando em uma proposta interventiva pensada e construída como prática social fundada no diálogo e no encontro de experiências. Inserido na complexidade da problemática de como construir propostas de cursos de Educação Profissional integrada à EJA que atendam as expectativas de pessoas jovens e adultas por formação, o estudo revelou a partir das vozes dos sujeitos um horizonte de possibilidades na perspectiva de currículo construído com e para as pessoas, a luz do que preconiza Macêdo (2013). Possibilidades que implicam na abertura da escola para uma cultura participativa (AMORIM, 2015) envolvendo as comunidades, no sentido de diálogo contínuo sobre as diferentes realidades sociais que permeiam a Educação de Jovens e Adultos reconhecendo as especificidades dessa modalidade, a fim de identificar as demandas e necessidades por saberes e práticas sociais das pessoas jovens e adultas das classes populares. Nesse ensejo está a necessidade de reconhecimento dos sujeitos jovens e adultos como sujeitos de saberes cujos conhecimentos precisam ser refletidos nas práticas pedagógicas e na própria constituição do currículo ao definir os saberes eleitos como formativos. Nesse sentido, construir propostas de cursos de Educação Profissional integrada à EJA, passa também pelo questionamento sobre quais conhecimentos têm direitos às pessoas jovens e adultas que voltam à escola. Os resultados desse estudo corrobora como nos diz Arroyo (2016, p.14), com o entendimento de que os sujeitos da EJA, como membros de coletivos sociais das periferias e do campo, trabalhadores e trabalhadoras pobres, negros e negras, indígenas e quilombolas, têm direito, além dos conhecimentos escolares socialmente produzidos e escolarizados, “a conhecimentos ausentes, sobre o seu sobreviver, sobre o seu resistir. Saberes de outra história social, racial e de classe que vivenciam e que têm direito a saber para entender-se”. Sobre caminhos para a Educação Profissional integrada à Educação de Jovens e Adultos, o estudo reflete ainda nas vozes dos sujeitos, a necessidade de superar práticas tradicionais pedagógicas na EJA com aproximação do que se convencionou chamar de ensino regular, que parte, nas palavras de Pinto (2010) da concepção pedagógica do sujeito da EJA como atrasado que cessou de desenvolver-se culturalmente. A superação dessas práticas que integram um processo histórico de construção de políticas socioeducativas que reproduzem imagens inferiorizantes dos setores populares reiterando, “identidades de carentes porque ignorantes, irracionais, desqualificados”, como diz Arroyo (2018, p.292) exige o despertar para o entendimento de que as pessoas jovens e adultas com escolaridade negada não são carentes à espera de favores do estado por uma escola que vai salvá-las “de sua ignorância”, mas são sujeitos de direitos e de saberes. Nesse horizonte que implica quebra de paradigmas da escola, construir propostas de cursos de Educação Profissional integrada à EJA que atendam expectativas de pessoas jovens e adultas por formação, na perspectiva humanizante e libertadora apresentada no estudo, impõe o aprofundamento da consciência crítica do sujeito educador e educando frente à sua realidade, e exige como afirma Saviani (2003) mais do que a substituição de métodos, o repensar da própria finalidade da educação. Esse repensar da Educação Profissional integrada à Educação de Jovens e Adultos a serviço de que e de quem passa, como refletimos no estudo, pela definição do curso, pela constituição do currículo, pela organização do tempo-espaçoescolar, pelas práticas pedagógicas, pela formação dos trabalhadores e trabalhadoras da educação, pela disputa de poder na escola e pelas relações dinâmicas e contraditórias da educação. Educação que como diz Torres (2002), embora seja uma forma de dominação pela reprodução social da ideologia dominante e da relação de classe, pode ser também uma forma de resistência à dominação. Para responder a problemática do estudo atingimos o objetivo de realizar o diagnóstico com análise socioeducacional da realidade do município a partir do levantamento dos indicadores com base nos dados do Cadastro Único, refletidos também nos olhares dos sujeitos da pesquisa. Nesse percurso fomos tecendo também a realização dos objetivos específicos ao dialogarmos com movimentos sociais, grupos e associações comunitárias sobre as expectativas para educação profissional em EJA e articularmos, por meio da proposta de intervenção, espaço permanente de diálogo para fomentar atendimento às demandas levantadas para EJA no âmbito da educação profissional como proposta de participação na definição e acompanhamento dos cursos. A realização do diagnóstico com análise socioeducacional aqui relatada, dialogada a partir da interface entre EJA e Trabalho, tendo entre as dimensões os direitos negados, a invisibilidade dos sujeitos, processos de exclusão da e na escola, foi se constituindo em ação de um coletivo, ao tempo em que foi sendo forjado também um espaço plural de diálogo sobre EJA e Trabalho com movimentos sociais, representantes de grupos, comunidades, territórios, associações e instituições. Assim, além de responder aos objetivos propostos, o estudo provocou um movimento de reflexão sobre o deslocamento da Educação Profissional integrada à EJA, do campo limitador da dificuldade, revelado no contexto em estudo, para o campo das alternativas e possibilidades. Nesse sentido, o processo interventivo aqui iniciado para criação e consolidação do Núcleo Permanente de EJA e Trabalho como espaço propositivo, articulador, que reúna instituições, organizações, movimentos e outros membros da comunidade externa com estudos, propostas e demandas de políticas educacionais na área, considerando a interface entre ensino, pesquisa e extensão, implicou e implica no permanente devenir que essa pesquisa participante nos proporcionou, como movimento inconcluso de luta pela EJA e de resistência. 7 REFERÊNCIAS ALMEIDA, Adriana de; CORSO, Angela Maria. A Educação de Jovens e Adultos: Aspectos Históricos e Sociais. In: CONGRESSO NACIONAL DE EDUCAÇÃO, 12., 2005, Paraná. Anais... Paraná: PUC, 2005. p. 1.283-1.299. AMARAL LAPA, José Roberto do. O antigo sistema colonial. Brasiliense, 1982. AMORIM, Antonio. Gestão Escolar e Educacional em Educação de Jovens e Adultos: A Inovação e a Qualidade dos Processos Gestores, dentro das Instituições de Ensino. 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QUESTÃO REFLEXIVA: A EJA e a Educação profissional a serviço do que e de quem? Reflexão sobre a EJA e a garantia de direitos das excluídas e dos excluídos e dos setores populares. PROCEDIMENTOS DIDÁTICOS: Diálogo, roda de conversa e exposição oral... -Acolhimento; -Delimitação dos objetivos; -Vozes dos sujeitos – questões provocadoras: Quem são? relação de pertencimento a grupos e comunidades; organizações; coletivos... Conhece a Educação Profissional integrada à EJA? O que se entende pela integração de educação profissional e EJA? Concepções; -Limites e possibilidades da pesquisa; -Encaminhamentos: Definição do cronograma das sessões; outros; -Avaliação da sessão. PERCURSO DA SESSÃO DIALÓGICA (Sessão II) TÍTULO: Diagnóstico socioeducacional de Cáceres-MT TEMA: Territórios em vulnerabilidade socioeducacional. OBJETIVOS: -Socializar o resultado do diagnóstico socioeducacional; Conceitos e procedimentos a serem trabalhados: Conteúdos conceituais: EJA, Trabalho e Pobreza. Conteúdos procedimentais: Ouvir, falar, registrar... QUESTÃO REFLEXIVA: qual a demanda para Educação Profissional integrada à EJA no nosso município? PROCEDIMENTOS DIDÁTICOS Diálogo, roda de conversa e exposição oral. -Acolhimento; -Delimitação dos objetivos da sessão; -Apresentação de dados e reflexões sobre o diagnóstico socioeducacional de Cáceres-MT; -Roda de conversa com reflexões iniciais sobre a realidade das comunidades; -Encaminhamentos: Constituição do Grupo de trabalho sobre EJA e Educação Profissional; Definição dos objetivos do GT; -Avaliação da sessão. PERCURSO DA SESSÃO DIALÓGICA (Sessão III) TÍTULO: Encaminhamentos e Perspectivas do GT TEMA: Educação Profissional integrada à EJA em Cáceres-MT: construindo espaços de articulação interinstitucional e comunitária. OBJETIVOS: -Constituição de espaço de articulação interinstitucional e comunitária permanente sobre EJA e mundo do trabalho/ proposições; Conceitos e procedimentos a serem trabalhados: Conteúdos conceituais: EJA, Trabalho. Conteúdos procedimentais: Ouvir, falar, registrar... QUESTÃO REFLEXIVA: Quais caminhos devem ser construídos para a definição e organização dos cursos de Educação Profissional integrada à Educação de Jovens e Adultos? PROCEDIMENTOS DIDÁTICOS: Diálogo, roda de conversa e trabalho em grupo. -Acolhimento; -Delimitação dos objetivos da sessão; -trabalho em grupo para proposições; -Roda de conversa com apresentações e reflexões das proposições; -Encaminhamentos: Deliberações para o plano de ação; -Avaliação da sessão. PERCURSO DA SESSÃO DIALÓGICA (Sessão IV) TÍTULO: Encaminhamentos do GT – plano de ação TEMA: Educação Profissional integrada à EJA em Cáceres-MT: construindo espaços de articulação interinstitucional e comunitária. OBJETIVO: -Constituição de espaço de articulação interinstitucional e comunitária permanente sobre EJA e mundo do trabalho/ proposições; -Elaboração conjunta de propostas -Plano de ação. QUESTÃO REFLEXIVA: Quais caminhos devem ser construídos para a definição e organização dos cursos em Educação Profissional integrada à Educação de Jovens e Adultos? PROCEDIMENTOS DIDÁTICOS: Diálogo e plenária de deliberação. -Acolhimento; -Delimitação dos objetivos da sessão; -Elaboração de documento com as proposições eleitas pelo coletivo e outros encaminhamentos; -Avaliação. 8.2 APÊNDICE II – INTERVENÇÃO: PROPOSTA DE INSTITUCIONALIZAÇÃO DE GRUPO DE TRABALHO PARA CRIAÇÃO DO NÚCLEO PERMANENTE DE EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS E TRABALHO 147 8.3 APÊNDICE III – PORTARIA Nº 164 DE 3 DE DEZEMBRO DE 2018 -INSTITUI COMISSÃO PARA CRIAÇÃO DO NÚCLEO DE EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS E TRABALHO. 9 ANEXOS 9.1 PARECER DO COMITÊ DE ÉTICA EM PESQUISA/UNEB 154 9.2 NOTA TÉCNICA Nº 46/2018, DE 30 DE MAIO DE 2018 -MINISTÉRIO DE DESENVOLVIMENTO SOCIAL/ DEPARTAMENTO DE AVALIAÇÃO.